quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

João Miguel Tavares - O deputado que surrupia malas – e o que isso diz do Chega

Os deputados do Chega têm muita vontade de limpar Portugal, da mesma forma que Miguel Arruda ajudou a limpar os tapetes do Aeroporto Humberto Delgado.

*  João Miguel Tavares

Há neste momento 18% de portugueses um pouco tristes e 82% a rebolar de riso, segundo os resultados das últimas legislativas. Peço antecipadamente perdão aos eleitores do Chega e aos proprietários das bagagens desaparecidas: o roubo de malas no aeroporto de Lisboa e de Ponta Delgada por parte do deputado Miguel Arruda é das coisas mais divertidas que tive o prazer de ler nos últimos tempos, e um raríssimo caso de delinquência que acaba por dispor bem. Tendo em conta que o estado natural de um deputado do Chega é muito zangado e aos gritos no Parlamento, que haja pelo menos um que nos faça rir deve ser devidamente celebrado. Venham de lá essas gargalhadas, pois que há três excelentes razões para elas.

Razão n.º 1: Miguel Arruda é – alegadamente, claro – um deputado da nação a cometer um crime próprio de ladrões de jantes e de auto-rádios. Desviar malas à chegada dos voos é coisa típica de gatuno despossuído ou vagamente remediado, e não de alguém que trabalha numa casa onde se aprovam leis que valem milhões. As características do roubo apontam para aquele tipo específico de meliante que encontramos nos filmes dos irmãos Coen, com um nível de QI não especialmente elevado e uma vocação incontinente para a asneira, como a primeira frase do artigo do PÚBLICO sobre esta história trata de demonstrar: “Foram alguns meses de investigação, muitas imagens da videovigilância da zona de recolha de bagagens do aeroporto de Lisboa escrutinadas, e, nesta terça-feira, acabaram recuperadas diversas malas de viagem e parte do seu conteúdo.” Um político eleito a gamar repetidamente malas num local cercado de câmaras de vigilância – Joel, Ethan, porque é que ainda estão nos Estados Unidos?

Razão n.º 2: os moralistas são sempre os mais fáceis de entalar. Basta ter paciência e esperar algum tempo, e aqueles senhores que enchem a boca com grandes proclamações de princípios acabam enterrados até ao pescoço em hipocrisia e contradições. Não porque pregar a moral seja uma má ideia – sou grande fã da actividade –, mas porque mantê-la e ser coerente dá imenso trabalho, e é uma tarefa absolutamente hercúlea na política. Os deputados do Chega têm muita vontade de limpar Portugal, da mesma forma que Miguel Arruda ajudou a limpar os tapetes do Aeroporto Humberto Delgado. Com raras excepções, são caras novas com tentações velhas, que chegaram ao Parlamento no ventre de Ventura, enquanto noutros partidos muito dificilmente passariam de junta de freguesia.

Razão n.º 3: o Chega tem um enorme problema com a falta de qualidade e de inteligência dos seus quadros. As pessoas que votam no Chega não são burras, e André Ventura muito menos. Mas ele está a pagar um preço elevado por cinco longos anos de gritaria acompanhados de uma absoluta indigência ideológica. O Chega é uma versão marca branca e deslavada do Vox ou do Rassemblement National, partidos com pensamento político próprio. As tiradas populistas de Ventura são compreensíveis para um jovem partido que quer dar nas vistas, mas são muito curtas como projecto de poder. Trump encontrou trumpistas mais cultos e estruturados do que ele, capazes de transformar um arrazoado de intuições e de tuítes em algo próximo de uma ideologia – o trumpismo. Ventura continua a não ter gente com capacidade para isso. Os seus venturistas são apenas aventureiros como Miguel Arruda, desejosos de apanhar boleia do Chega para um lugar melhor, nem que seja à custa das malas dos outros.

22 de Janeiro de 2025

https://www.publico.pt/2025/01/22/opiniao 

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