terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Nuno Costa Santos - A Mãe Açoriana de Fernando Pessoa



Opinião

* Nuno Costa Santos

Escritor e argumentista

Quando comento com alguém que a mãe de Fernando Pessoa era açoriana abre-se, com frequência, uma expressão de espanto. Não é facto divulgado – nem dentro, nem fora do arquipélago. Alguns dados recolhidos aqui e ali por investigadores. A mãe do poeta, Maria Madalena Pinheiro Nogueira, filha do terceirense Luís António Nogueira e da jorgense Dona Magdalena Amália Xavier Pinheiro, nasceu em Angra do Heroísmo, no ano de 1861, e, em 1865, foi viver para Portugal continental, aquando da nomeação do seu pai, juiz-conselheiro, jurisconsulto, director-geral do Ministério do Reino, para Secretário-Geral do Governo Civil do Porto.

Aos 25 anos, casou-se com Joaquim de Seabra Pessoa, que conciliava o ofício de funcionário do Ministério da Justiça com a vocação de crítico de música. Do casal nasceram dois filhos, Fernando e Jorge, que morreu menos de cinco meses após a morte do pai, por tuberculose. Maria Madalena veio a casar-se uma segunda vez, desta feita por procuração, com o comandante João Miguel dos Santos Rosa. Um mês depois, seguiu para Durban, cidade na qual o marido se tornou cônsul de Portugal, levando consigo Fernando. O casal teve cinco filhos, dois dos quais morreram na infância.

No ano de 1911, Madalena e João Rosa, devido a novas funções do marido, mudaram-se para Pretória. Depois da morte deste, em Outubro de 1919, Madalena voltou com os filhos para Lisboa, numa altura em que se encontrava relativamente debilitada por causa de uma trombose cerebral que sofreu em 1915. Na capital portuguesa, viveu primeiro com os filhos Fernando e Henriqueta na Rua Coelho da Rocha, 16, (a actual Casa Fernando Pessoa) e depois, até à sua morte, em 1925, com Henriqueta e o seu marido.

Richard Zenith, autor de “Pessoa. Uma Biografia”, obra de mais mil páginas, enquanto convidado de uma edição recente do Arquipélago de Escritores, aludiu à importância da mãe na vida criativa do filho. Em entrevista, dada no âmbito do encontro, a Rui Pedro Paiva, no Público, declarou que Pessoa terá começado a imitar o comportamento da mãe, uma mulher letrada, versada em alemão, inglês e francês, que lia e escrevia versos. A primeira quadra de Pessoa, escrita aos sete anos, foi dedicada justamente à mãe, numa altura em que esta ponderou a possibilidade de deixar Fernando ao cuidado de familiares, antes de seguir para a África do Sul. Dividia-se, essa quadra, nos seguintes versos: “Eis-me aqui em Portugal/      Nas terras onde eu nasci./ Por muito que goste delas,/   Ainda gosto mais de ti”.

Sigamos a pista familiar de Pessoa, ajudados, entre outros documentos, por uma investigação feita por Andreia Fernandes, lembrando que os Açores foram para este filho de uma açoriana um dos raros destinos por ele visitados. A estadia, ocorrida entre 7 e 16 de Maio de 1902, aconteceu numa altura em que veio com a mãe, o padrasto e os irmãos, de férias para Portugal, tendo ficado alojado na casa angrense da tia Anica, do tio João e dos primos Mário e Maria. Terá sido importante em termos pessoais para o poeta por ter permitido fortalecer os laços familiares com uma parte da família com a qual, já em Lisboa, teve uma convivência essencial.

No plano criativo também ganhou importância. Foi, durantes esses dias, resguardado em casa por causa de um persistente mau tempo, que, aos treze anos, o autor de “Mensagem” inventou a sua primeira personalidade literária: o Dr. Pancrácio. Além de ter escrito um poema alegadamente inspirado na morte da irmã, “Quando Ela Passa”, assinado com esse nome, criou, com o primo, três números de A Palavra, um jornal humorístico-satírico. Entre os conteúdos, encontrava-se a história ficcional de um naufrágio ocorrido à conta de um ciclone. E notícias divertidas sobre ocorrências domésticas como o hábito de se levantar tarde “da Sr.ª D. Maria Nogueira”. (Não se pode compreender Pessoa sem perceber o seu sentido de humor).

Já regressado a Lisboa, Pessoa publicou um poema com a assinatura Eduardo Lança, referindo que o texto foi escrito na Ilha Terceira. Lança foi a primeira “figura” pessoana para a qual o autor inventou uma biografa – nasceu no Brasil em 1875 e mudou-se em adulto para Portugal.

Junto de quem não conhece esse dado biográfico sobre a ascendência açoriana de Fernando Pessoa, costumo acrescentar outro, também relacionado com literatura, maternidade e Açores. A mãe de outro génio literário mundial, outro cultor maior da língua portuguesa, Machado de Assis, também era açoriana. A mãe de Fernando Pessoa era uma açoriana da ilha Terceira. A mãe de Machado de Assis era uma açoriana da ilha de São Miguel. Agrada-me que os Açores estejam ligados a importantes capítulos da cultura mundial por via materna. Fantasio com um encontro entre as duas mães, Maria Madalena Pinheiro Nogueira e Maria Leopoldina Machado da Câmara. Com uma conversa entre duas Marias sobre as pequenas sumidades, uma de nome Fernando, outra de nome Joaquim, que transportaram organicamente e a quem, para felicidade pessoal e contentamento do mundo, deram, um dia, origem.


12.01.2025
https://diariodalagoa.pt/a-mae-acoriana-de-fernando-pessoa/

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