sábado, 11 de janeiro de 2025

Composição – Tema: A família (6.º Ano) – aluna: Diana


(Carlos Esperança, in Facebook, 10/01/2025, revisão da Estátua)

O texto que segue é uma alegoria elucidativa de muitos dos lugares-comuns que povoam o quadro mental de muita gente anónima que apoia a extrema-direita em Portugal. Mas as Dianas e os seus pais, acreditem, existem mesmo por esse país fora. O autor – que conheço pessoalmente e cujas ideias se encontram nos antípodas das do pai da Diana – conseguiu retratar brilhantemente essa triste realidade. Os meus parabéns ao Carlos Esperança.

Estátua de Sal, 11/01/2025)

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Aminha família é composta pelo meu pai, a minha mãe e eu. Quem manda é o meu pai que tem um táxi que não é dele. A minha mãe trabalha em casas de senhoras ricas.

O meu pai é quem fala lá em casa, e manda calar a minha mãe; diz que, quando há um galo, não cantam as galinhas. Ele veio de Coimbra aqui para a Musgueira e trata os clientes e pessoas importantes de quem gosta por doutores. Os clientes gostam – diz o meu pai –, e fala dos doutores, mas às mulheres chama-lhes gajas. Aos homens de que não gosta chama-lhes nomes que a minha mãe diz que não devo dizer nas aulas.

O meu pai diz todos os dias que os políticos são mentirosos e vivem à custa dele, que a política é uma coisa suja, mas quando a minha mãe lhe disse que ele só falava de política, deu-lhe logo uma bofetada e nunca mais foi contrariado.

O meu pai só gosta do Dr. André Ventura; gosta tanto que até diz que o André, só André, sem doutor, vai acabar com os políticos, os ciganos e as eleições. Há um estrangeiro de quem gosta muito, o Dr. Trump, e odeia outro que trata por um nome que não digo, Putin, e chama putinistas aos que não gostam do Dr. Zelenski.

Eu não percebo nada de política, mas oiço o meu pai. Ele agora também passou a gostar do Dr. Elon Musk, creio que é assim que se escreve, eu já o vi na televisão. Deixou de gostar do Dr. Marcelo e passou a chamá-lo só por “o Marcelo, aquele filho de Putin”, mas ao Putin chama-o também filho disso ou coisa parecida.

Não percebo o meu pai; ele diz que as mulheres não podem compreender, quanto mais as garotas. Diz à minha mãe para votar no Chega, e que os partidos deviam ser proibidos. Ele gosta muito do Dr. Mário Machado porque quer acabar com os pretos e os ciganos, e, por bem fazer, às vezes prendem-no. Os juízes ainda são piores do que os políticos.

O meu pai gosta muito do Dr. Trump porque quer expulsar os pretos; o meu pai também não gosta de pretos, e anda desorientado porque o Dr. Trump parece gostar do Putin. Se o Dr. Trump deixar de gostar do Dr. Zelenski o meu pai passa a gostar só do primeiro.

O meu pai anda muito contente porque o Dr. Trump vai ficar com o Canadá e o Canal do Panamá e, se não lhe venderem a Gronelândia, conquista-a. Não é como nós, que não defendemos o nosso Ultramar, infelizmente perdido, e o entregámos aos pretos e aos russos.

O meu pai não gosta da Rússia, diz que a Irmã Lúcia, que agora é santa, disse que todo o mal vem da Rússia e que foi a Senhora de Fátima que lho disse. Portanto, é verdade.


Agora o meu pai anda perdido com a Ucrânia, o Dr. Trump, o Dr. Zelensky, o Dr. Elon Musk e o Putin. Só fala do futuro presidente. Vai votar no Dr. Almirante e ele e o André vão tornar Portugal grande outra vez e acabar com políticos, ciganos, pretos e traidores.

Ele também gosta muito do Dr. Milhazes, do Dr. Rogeiro e do Dr. Botelho Moniz que odeiam o Putin, mas gosta de uma senhora, e é mulher, uma tal Diana Soller, talvez por ter o meu nome, mas como as mulheres não pensam, diz que é o marido que a ensina.

Na próxima composição, esta já vai longa, vou contar outras coisas do meu pai, e tenho de perguntar à minha mãe se as posso dizer aqui na escola da Musgueira.

Diana – 12 anos – Escola C+S da Musgueira.

https://estatuadesal.com/2025/01/11/composicao-tema-a-familia-6-o-ano-aluna-diana/

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