segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

João Gomes - Marias Cachuchas sem sorte

* João Gomes, 

(Antes de mais quero dar os parabens ao autor deste texto. Pela qualidade literária, pela atualidade – devido ao recentemente badalado caso do bebé desaparecido de um hospital que o Estado se prepara para “subtrair” à mãe -, pela justeza ética dos valores que defende. Infelizmente, ainda que todas as mães sejam iguais, há sempre umas mais “iguais” que outras…

O autor, entretanto, criou uma Petição Pública para que as autoridades competentes reexaminem o caso, denominada “Pela revisão do caso da mãe de Gaia e pelo direito ao apoio social à família” 

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Estátua de Sal, 06-12-2025)


(Antes de mais quero dar os parabens ao autor deste texto. Pela qualidade literária, pela atualidade – devido ao recentemente badalado caso do bebé desaparecido de um hospital que o Estado se prepara para “subtrair” à mãe -, pela justeza ética dos valores que defende. Infelizmente, ainda que todas as mães sejam iguais, há sempre umas mais “iguais” que outras…

O autor, entretanto, criou uma Petição Pública para que as autoridades competentes reexaminem o caso, denominada “Pela revisão do caso da mãe de Gaia e pelo direito ao apoio social à família”, a qual pode ser assinada aqui

Estátua de Sal, 06-12-2025)

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Diz o povo, com aquele jeito fatalista que o tempo ensinou: “É do tempo da Maria Cachucha.” Querendo dizer velho, gasto, ultrapassado. Mas talvez o povo nunca tenha percebido que a verdadeira Maria Cachucha não era sinal de antiguidade – era sinal de resistência. Uma mulher que dançava para não sucumbir, que rodopiava nos adros como quem enfrenta o mundo com os pés descalços e o coração inteiro.

Hoje, a Maria Cachucha existe, mas já ninguém lhe conhece o nome. Perdeu-se nas vielas, nos prédios devolutos onde o vento entra melhor do que o sol, nas barracas que ainda sobrevivem por entre promessas políticas e fotografias de inaugurações. Não dança mais a cachucha – porque o tempo não lhe dá folga -, mas carrega nos braços o que o mundo insiste em lhe tirar: os filhos.

São as Marias Cachuchas sem sorte deste país. As que aprendem cedo que a pobreza é sempre suspeita, mesmo quando é honesta; que o amor não é suficiente para provar que se é mãe; que o Estado aparece mais depressa para levar uma criança do que para garantir que uma casa tenha teto, água quente ou paredes que não caiam à chuva.

Todas as mulheres que, como a jovem de Gaia, veem a maternidade tratada como um privilégio condicional – “podes ser mãe, mas só se tiveres condições”. Condições que ninguém lhes deu, que ninguém lhes quis dar, que ninguém se apressa a construir. Porque é mais simples retirar um bebé do que erguer uma casa; mais rápido assinar um despacho do que garantir um futuro.

E assim, neste país que se orgulha de ser “avançado”, onde os discursos falam de natalidade como quem fala de números e metas, continuam a existir crianças que nascem nos carros à porta das maternidades fechadas, mães que chegam sozinhas aos hospitais porque os transportes públicos não passam, famílias que vivem em quartos interiores onde a esperança mal cabe.

E quando uma mãe pobre segura o filho nos braços, o mundo olha para ela como se segurasse uma culpa.

As Marias Cachuchas de hoje não são dançarinas de praça. São mulheres de vinte anos com um bebé ao colo e o coração apertado. São avós que defendem filhas e netos com a força que têm e a que já não têm. São mães que, em vez de ensaiar passos de dança, ensaiam justificações perante assistentes sociais: “Sim, o quarto é pequeno… sim, o frigorífico está velho… mas eu amo o meu filho.” Como se o amor fosse prova insuficiente. Como se o amor tivesse de passar no crivo das autoridades. Como se existir fosse um teste permanente que a pobreza desclassifica à partida.

E, no entanto, estas mulheres, silenciosas e invisíveis, continuam a dançar – não com os pés, mas com a coragem. Dançam contra a burocracia, contra a humilhação, contra a estatística. Dançam para manter ao colo aquilo que o mundo lhes tenta arrancar. Dançam porque a maternidade pobre continua a ser vista como erro, quando devia ser vista como pedido de ajuda.

A verdadeira Maria Cachucha, se ainda existisse, teria largado a mantilha e posto as mãos na anca, olhando o país com aquela altivez antiga que a lenda lhe atribui. Teria dito, entre um passo e outro: “Não é nas mães que está o problema – é no país que as deixa cair.”

Hoje, no Natal que se aproxima com luzes caras e palavras doces, convém recordar que nem todas as crianças dormem em lares aquecidos. Convém lembrar que há mães que rezam, não por presentes, mas para que ninguém lhes leve os filhos. Convém não esquecer que, num país que não garante habitação digna, retirar uma criança por pobreza não é proteção – é punição.

E talvez, só talvez, seja tempo de devolver às Marias Cachuchas deste país algo mais do que a memória romântica de uma dançarina. Talvez seja tempo de lhes devolver futuro. E lhes dar condições de habitabilidade. E de lhes devolver os filhos.

Bom dia!

in Facebook, 05/12/2025

https://estatuadesal.com/2025/12/06/marias-cachuchas-sem-sorte 

Paulo Baldaia - É mesmo por uma questão política que a greve geral faz sentido


Opinião

* Paulo Baldaia 

(Expresso  2025 12 08)

A revisão da Lei do Trabalho insere-se numa questão ideológica mais profunda em que o executivo dá uma exagerada protecção a quem detém o capital e os meios de produção, enquanto engana com umas migalhas de IRS a classe média trabalhadora, deixando os trabalhadores mais pobres entregues ao seu próprio destinob

Épreciso começar por dar razão a Luís Montenegro sobre as motivações dos sindicalistas para convocar uma greve geral - esta greve é mesmo política e as razões para o protesto são gravesContra a legislação proposta pelo governo há, aliás, políticos de todos os partidos, inclusive dos partidos que se preparam para a aprovar no Parlamento e até uma vice-presidente da direcção do PSD, deixando que Montenegro fique na frágil posição de quem, como chefe do governo, atira a pedra e, como líder do partido, esconde a mão. A “gana” é tanta porque a ministra do Trabalho considera que a legislação actual é desequilibrada a favor dos trabalhadores e um banqueiro assina por baixo, e vai mais longe em relação aos malandros dos trabalhadores, afirmando que “a lei protege quem não quer fazer nada”. É o supremo desplante!

A vontade de legislar contra os interesses dos trabalhadores, assumida por Rosário Palma Ramalho, não cai do céu aos trambolhões mas não foi anunciada no programa eleitoral, como agora pretende dizer o governo. Bem pelo contrário, há coisas que são ditas nesse programa que são o oposto da proposta governamental. Já lá vamos.

LUTA DE CLASSES

Por agora, faço um desvio de rota para explicar porque entendo que esta revisão da Lei do Trabalho - que privilegia quem detém os meios de produção face à força de trabalho  - se insere numa questão ideológica mais profunda. Vejamos um exemplo flagrante de exagerada protecção a quem detém o capital, enquanto se dão umas migalhas de IRS à classe média trabalhadora, deixando os trabalhadores mais pobres entregues ao seu próprio destino: o conceito de renda moderada e o que ele implica no rendimento disponível de inquilinos e arrendatários.

Salta à vista de todos que o acréscimo de rendimento dos trabalhadores inquilinos, fruto da descida do IRS, foi largamente comido pela subida dos custos com a habitação, enquanto que o rendimento dos senhorios acompanhou a subida exponencial das rendas. Apliquemos a regras de três simples: 

1 - se, para a prestação ou renda de casa, os especialistas colocam nos 30% do rendimento líquido de uma família o limite a partir do qual começa a haver uma sobrecarga habitacional. 

2 - se o governo considera o limite de 2300 euros para uma renda moderada e isso significa que, para evitar a sobrecarga habitacional, o rendimento familiar líquido deve rondar os sete mil euros. 

3 - Se uma família de trabalhadores, para aquele rendimento paga cerca de 30% de IRS e um senhorio que obtenha o mesmo rendimento bruto paga apenas 10%.

Qual é o resultado desta equação? O governo aposta forte na luta de classes e os donos do capital reforçam a sua vantagem, pagando três vezes menos impostos que a classe trabalhadora.

A talhe de foice também se pode dizer que, com esta política fiscal na habitação, o governo está a dizer aos potenciais investidores que compensa desviar o capital das fábricas, da novas tecnologias, da energia, da agricultura e de outros sectores produtivos que carecem de investimento, mas que pagam mais impostos. O que se consegue com isto é alimentar a bolha imobiliária, criando condições para entrarem novos investidores que garantem sucesso aos que já lá estão - muito parecido com outros esquemas piramidais. Este esquema acabará num de dois dias: no dia em que só estrangeiros possam comprar ou arrendar ou no dia em que os preços de venda ou arrendamento passem a ter em conta o verdadeiro rendimento líquido de uma família da classe média em Portugal. Até lá, o sistema gera desequilíbrios evidentes entre quem tem capital para investir e quem tem necessidade de arrendar. É um sistema que se aguenta, porque até políticos de esquerda alinham, investindo em imobiliário para negociar nas vantajosas condições do mercado, que devem ser iguais para todos - esta é a forma como procuram justificar a sua ganância, pecado capital com milénios de existência.

 

COM PAPAS E BOLOS SE ENGANAM OS TOLOS 

Num trabalho feito pelo jornal "Público", ficou claro que o programa eleitoral da AD não permitia antecipar o que agora está em causa. Para além de umas generalidades, há questões concretas que apontavam no sentido oposto do que agora se pretende. Exemplo flagrante é a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar:

O prometido: programa eleitoral utilizou quase uma centena de vezes a palavra família e os seus dirigentes, em campanha, asseguraram “continuar a apostar na família como a célula base da sociedade e em políticas de apoio à família, de valorização da maternidade e da paternidade, enfrentando a grave crise da natalidade e incentivando as famílias a crescer”.

O proposto: diminuição nos direitos de parentalidade, conciliação e proteção social relativa à família.

A proposta do governo, nas suas traves mestras, também provoca mais precariedade (contratos a termo certo com duração inicial de um ano, em vez dos seis meses atuais, e com possibilidade de duas renovações, até um limite de três anos); vai facilitar o despedimento, desprotegendo o trabalhador contra despedimento injustificado; promove uma maior desregulação dos horários e a precarização das condições de trabalho, enfraquece a contratação colectiva, a acção sindical e o direito à greve.

É legitimo propor este caminho, acreditando que é o caminho certo para aumentar a produtividade nas empresas, fazer crescer a economia e criar novos empregos. Mas entra no domínio da aldrabice política querer convencer alguém que tudo isto não é feito com perda de direitos para os trabalhadores. 

https://expresso.pt/opiniao/2025-12-08-e-mesmo-por-uma-questao-politica-que-a-greve-geral-faz-sentido-6c60755d


António Galopim de Carvalho - O Estado Novo d Salazar, na memória de quem o viveu



 
* António Galopim de Carvalho


«A todos os meus amigos com os votos de um bom Doningo.

Só os portugueses e as portuguesas com mais ou menos 15 anos no dia 25 de Abril de 1974, hoje a rondarem os 65, podem ter memória crítica de algumas particularidades dos últimos estertores do Estado Novo, que viram cair. Rapazes e raparigas com menos idade, ou seja, as crianças desse tempo, talvez se lembrem de um pormenor ou outro. Assim sendo, torna-se evidente que a grande maioria dos nossos adultos no activo pouco ou nada sabem de um regime que nos privou de todas as formas de liberdade, torturou muitos de nós, durante quase meio século e que caiu de podre no dia em que os cravos floresceram nas espingardas dos soldados.

Nos anos de 1930 e 1940, os das duas primeiras décadas de consolidação do Estado Novo, Portugal viveu em situação de ditadura, distinguindo apoiantes do novo regime e oposicionistas, de entre os quais se evidenciaram, por serem publicamente conhecidos, os que “se metiam na política”, localmente referidos como sendo “os do reviralho”. Eram os da chamada oposição democrática, consentida por Salazar, com destaque para os do Movimento de Unidade Democrática (MUD). Criado em 1945, foi extinto três anos depois, em virtude do grande apoio popular que registou, agrupando muitos opositores até então isolados, entre os quais muitos intelectuais e profissionais liberais.

Outros opositores, que quase ninguém conhecia, militando na clandestinidade pelo Partido Comunista, eram activamente perseguidos, primeiro pela PVDE (Política de Vigilância e Defesa do Estado), entre 1933 e 1945, e, depois, pela sua substituta PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). A estes opositores, os “pides” deitavam-lhes a mão, levavam-nos para Lisboa, onde os interrogavam, brutalizavam, guardando-os depois, pelo tempo que entendessem, e, em alguns casos, assassinavam. Para os localizarem e denunciarem havia os informadores, também referidos por “bufos”, uns conhecidos, outros, não, pelo que se dizia que as mesas dos Cafés, os bancos do jardim, as paredes de todo o lado e até as pedras da caçada tinham olhos e ouvidos.

Para além das restrições à liberdade e da censura, fez-se sentir, também aqui, o decreto 27 003, de 14 de Setembro de 1936, que determinava: «Para admissão a concurso nomeação efectiva ou interina, assalariamento, recondução, promoção ou acesso, comissão de serviço, concessão de diuturnidades e transferência voluntária, em relação aos lugares do estado e serviços autónomos, bem como dos corpos e corporações administrativos, é exigido o seguinte documento com assinatura reconhecida: Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas». E, mais adiante: «Os directores e chefes dos serviços serão demitidos, reformados ou aposentados compulsivamente sempre que algum dos respectivos funcionários ou empregados professe doutrinas subversivas, e se verifique que não usaram da sua autoridade ou não informaram superiormente».

Embora na letra da Constituição de 1933, figurasse o princípio da igualdade entre cidadãos perante a lei, o Estado Novo considerava a mulher como mãe, dona-de-casa e, em quase tudo, submissa ao marido. A lei portuguesa de então, designava o marido como chefe de família, sendo reservado à mulher o governo da casa, o que se traduzia pela imposição dos trabalhos domésticos como obrigação, não tendo os mesmos direitos na educação dos filhos. Não tinha direito de voto, não podia ascender a determinadas chefias nem exercer cargos na magistratura, na diplomacia e na política. Sendo casadas, as nossas mulheres perdiam o direito a intervir nas suas propriedades, não podiam viajar para fora do país sem autorização dos maridos e não podiam trabalhar sem autorização destes. O marido podia dirigir-se ao empregador declarar não autorizar a mulher a trabalhar, o que implicava o seu imediato despedimento.

Em muitos hospitais as enfermeiras podiam ser impedidas de casar. Se casassem, podiam ser obrigadas a abandonar a profissão. As professoras tinham de pedir autorização para casar, o que só era permitido se o noivo satisfizesse determinadas condições, autorização publicada e em Diário da República O divórcio era proibido, devido ao acordo estabelecido com a Concordata de 1940, numa submissão do Estado à Igreja Católica. Assim, todas as crianças nascidas de uma nova relação, posterior casamento, eram consideradas ilegítimas, não podendo ter o nome do pai, ou seja, o do companheiro.

Na orientação ideológica antiliberal e de cariz católica do ditador, a existência da mulher confundia-se com a da família, estando-lhe reservado o espaço doméstico. A Obra das Mães pela Educação Nacional, organização feminina do Estado Novo, criada em 1936, tinha por objetivo “estimular a acção educativa da família e assegurar a cooperação entre esta e a escola nos termos da Constituição” de 1933.

Nascida em 1912, como suplemento feminino do jornal “O Século” a revista semanal “Mulher – Modas & Bordados” dirigida nos primeiros tempos a uma pretensa elite feminina, fornecia-lhe conselhos nos domínios da moda, da culinária, das boas-maneiras e da beleza. Mostrou, porém, alguma preocupação de valorização da mulher, testemunhada pela publicação regular de sonetos da grande poetisa alentejana, Florbela Espanca (1894-1930), uma das primeiras mulheres a frequentar o Liceu Masculino André de Gouveia, onde permaneceu até 1912. Foi, porém, com Maria Lamas (1893-1983), opositora ao regime e feminista, na direcção desta revista que a luta contra a secundarização da mulher se fez sentir, não só em Évora, onde tinha ligações familiares, como no país.

Depois de duas décadas de confronto com o liberalismo e o republicanismo, a chamada pax salazarista proporcionou à Igreja (grandemente afectada durante a Primeira República) um terreno propício à sua reimplantação e reestruturação interna. Nestes propósitos, assumiu papel fundamental o então Patriarca de Lisboa, Dom Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), dirigindo a Igreja Católica Portuguesa durante o Estado Novo. Elevado ao cardinalato, em 1929, pelo Papa Pio XI, foi amigo íntimo e companheiro de Salazar (militante católico nos tempos da Primeira República), no Centro Académico da Democracia Cristã, em Coimbra.

Com a subida de Salazar ao poder, o cardeal Cerejeira pôde garantir, à Igreja, potecção, respeito e liberdade de acção. Estava na sua mente recuperar e salvaguardar os privilégios do catolicismo, como Igreja do Estado, afastados pela Primeira República, tendo tido papel fundamental na assinatura da Concordata com a Santa Sé, em 1940, na criação da Acção Católica Portuguesa, visando a “recristianização” da sociedade, na obrigatoriedade do ensino religioso, na abertura de novos seminários e casas religiosas, bem como no desenvolvimento da imprensa católica.

Em 1936, com Carneiro Pacheco no Ministério da Educação Nacional (anteriormente chamava-se da Instrução Pública), reforçara-se o papel da escola no controlo ideológico e orientação política dos alunos, na prevalência do livro único, no culto das virtudes nacionalistas e no elogio da vida modesta e rural. O fervor patriótico e o cunho religioso enquadrados na ideologia oficial do Estado Novo estavam diluídos nas matérias curriculares, nomeadamente, na Leitura, na História e na Geografia, no propósito de, a partir dos bancos da escola, então com início aos sete anos de idade, estimular estas virtudes nos homens e mulheres do futuro.

Nestes anos, o ensino obrigatório ainda terminava com o exame da 3ª classe (3º ano, como agora se diz), certificado pelo diploma do “Primeiro Grau”, exigível, por exemplo, para ingresso nos lugares mais humildes da função pública, no comércio, como caixeiro, nos correios, como carteiro ou boletineiro e, até, para ser eleitor. Ler, escrever e contar era tudo o que, o cidadão comum necessitava para fugir à vida do campo, ao aprendizado artesanal ou oficinal e a outros trabalhos que apenas fizessem uso da força braçal. Esta habilitação mínima vigorou até 1956. A partir de então, a escolaridade aumentou para 4 anos, apenas para os rapazes. Só quatro anos depois, esta obrigatoriedade foi decretada para as raparigas.

Na Escola Primária, a pedagogia estava na ponta da régua, versão escolar da tradicional palmatória ou menina de cinco olhos. Com algumas professoras, as reguadas estalavam nas mãos das crianças “por dá cá aquela palha”, quer por motivos de disciplina, quer por erros nos ditados, nas contas e em quaisquer outras matérias.

À margem da Escola Primária havia as chamadas “Escolas Incompletas”, criadas em 1930, mais tarde designadas “postos escolares”, com o propósito de combater o analfabetismo no seio de populações sem escola nem condições mínimas de fixar professores. Aqui o ensino era ministrado por “regentes escolares”. Na imensamente maioria mulheres, ganhavam metade do ordenado de um professor, bastava que possuíssem a 4ª, que demonstrarem ter bom comportamento moral e adesão ao regime e eram, de preferência, oriundas dos próprios locais.

A análise histórica da documentação permite verificar que, nesses anos, os professores, diplomados pelas Escolas Normais, foram sendo substituídos pelos regentes escolares, em especial nas aldeias e na periferia das cidades. A escolaridade obrigatória, como se disse, baixara para a 3.ª classe e as crianças estavam preparadas para trabalhar e ouvir o sermão do senhor padre aos Domingos.

No discurso de Salazar, proferido em 12 de maio de 1935, na sede da Liga 28 de Maio, em Lisboa, Salazar disse: Oiço muitas vezes dizer aos homens da minha aldeia, «Gostava que os pequenos soubessem ler para os tirar da enxada». E eu gostaria bem mais que eles dissessem: «Gostaria que os pequenos soubessem ler, para poderem tirar melhor rendimento da enxada»

7.12.25

António Galopim de Carvalho no Facebook

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sábado, 6 de dezembro de 2025

Jaime Nogueira Pinto - Outra História

Jaime Nogueira Pinto

Colunista do Observador

A História oficial, sobretudo quando não prima pela verdade, tende a ser efémera. E pode sempre rever-se e refazer-se.

06 dez. 2025,  

Não há quem não saiba que a História é feita pelos vencedores. Aqui e em todo o lado. Mas sabe-se também que a História oficial, sobretudo quando não prima pela verdade, tende a ser efémera. E pode sempre rever-se e refazer-se.

Sobre o 25 de Novembro, cuja celebração parece causar grande consternação à esquerda e na Esquerda e motivar jogos florais, já escrevi o que tinha a escrever – mais recentemente, num livro organizado por Jerónimo Fernandes, que reúne um tenebroso conjunto de 32 autores de “extrema-direita”, digamos que uma Hidra de 32 cabeças onde, entre “passistas” e outros perigosos fascistas e extremistas, até cabeças (!) do Chega serpenteiam.

Apesar de terem sido os Comandos de Jaime Neves – entre os quais os Convocados, ou seja, os que tinham servido no Ultramar e voltaram às fileiras para parar a Esquerda radical – a fazer o 25 de Novembro, o que resultou do dia foram 50 anos de Centrão, isto é, de poder repartido entre o PS (mais à esquerda e por mais tempo) e o PSD (menos à esquerda e por menos tempo). Ficaram também como eternos cronistas da República historiadores e intelectuais de esquerda, nas suas várias sensibilidades e modalidades, assistindo-se ainda à súbita conversão à democracia eleitoral e à respeitabilidade democrática do Partido Comunista Português.

Sem o 25 de Novembro, sem os Comandos, sem os Convocados e a Força Aérea que, no terreno, evitaram a vitória da Esquerda radical, não teríamos em Portugal democracia liberal. Teríamos um regime comunista com alguns esquerdistas festivos no poder, bons rapazes, simpatizantes de Trotsky e dos maoistas, como os que torturaram presos políticos no RALIS e na Polícia Militar e se dedicaram a fuzilamentos simulados em vários aquartelamentos. Tudo boa gente. De qualquer forma, com Ialta em vigor, com o “povo do Norte” em alvoroço e uma coligação negativa, da extrema-direita o Grupo dos Nove e ao PS, a festa nunca iria durar muito. Mas os estragos e o prejuízo seriam consideráveis.

Não digo que o Centrão e militares como Vasco Lourenço ou outros do Grupo dos Nove alinhassem nas veleidades, barbaridades e festividades da esquerda radical, mas se não fossem, no terreno, os Comandos de Neves, os oficiais da Força Aérea e os paraquedistas do brigadeiro Almendra chegados de Angola, não sei bem quem tiraria do poder os revolucionários. Costa Gomes e os “moderados”? Duvido.

O Dr. Soares, quando percebeu que o PREC e a Extrema-Esquerda não queriam fazer a festa só contra os “fascistas” e os “reaccionários”, também teve um papel na resistência. A política é assim: o Inimigo nem sempre faz o Amigo, mas faz muitas vezes o aliado útil e objectivo.

fEsquerdas e direitas radicais

Estou à vontade quanto ao Estado Novo, onde não tive cargos ou responsabilidades. Nem eu, nem os meus companheiros do Jovem Portugal e depois da Política, nem tão pouco os nossos amigos do Grupo de Coimbra fomos alguma vez salazaristas. O nosso empenho era a defesa do então Ultramar, talvez porque gostávamos de ser cidadãos de uma nação grande, independente, plurirracial, com uma identidade forte. Uma nação que, na Europa e em África, crescia economicamente, apesar da guerra. Havia polícia política e censura prévia, mas nós não gostávamos nem precisávamos delas. Porém, havia uma guerra, em África, e não tinham as democracias na 2ª Guerra Mundial censura? Não tinham também neutralizado os suspeitos de colaboração com o inimigo, e sem sequer lhes perguntarem de que lado estavam (fizeram-no os americanos com os nipo-americanos e os ingleses com os militantes da British Union of Fascists de Oswald Mosley)?

Depois, que autoridade moral têm os militantes da esquerda radical, que admiravam Mao Tsé-Tung ou até Pol Pot e os desviacionistas trotskistas, para criticar, os que, aos vinte anos, queríamos transformar o império português numa grande nação euro-africana, com igualdade, e integração racial, desenvolvida economicamente? Talvez tivéssemos então, nas referências históricas, os nossos excessos, mas não éramos nós que fazíamos das faculdades um Estado autoritário, censório e policiado, onde era obrigatório ser “alinhado”.

E convém também lembrar que o Estado Novo não foi só a PIDE, a Censura e a mortalidade infantil. Foi também um tempo em que, pela primeira vez em Portugal houve mais gente a saber ler e escrever que os que não sabiam; um tempo em que se executou o maior rol de obras públicas depois do fontismo e se fez a segunda revolução industrial. Foi ainda nos últimos anos do regime que Portugal se aproximou em números de capitação e renda dos países economicamente mais desenvolvidos da Europa. Pela primeira e última vez.

Ao longo de quase 50 anos de poder, entre a Ditadura Militar (1926-1933) e o Estado Novo (1933- 1974), houve abusos, saneamentos, prisões, gente a morrer nas cadeias? Houve casos de corrupção e de favoritismo? Com certeza que houve. Mas tinham acontecido piores abusos contra os católicos, os monárquicos e os sindicalistas na Primeira República, e repetiram-se contra a direita patriota e ultramarinista depois de Abril, no 28 de Setembro e no 11 de Março. Depois do 25 de Abril, quando andaram a investigar a corrupção na “longa noite fascista”, ainda conseguiram descortinar uns gastos fora da caixa de um ex-presidente da RTP, mas foi um Nuremberg bastante modesto, convenhamos.

Há muitos anos, quando discutia com o Dr. Cunhal estes desmandos numa entrevista na Rádio Renascença, e lhe disse que eles, comunistas, tinham feito como o Estado Novo e a PIDE quando puderam, perguntou-me se eu queria comparar umas centenas de fascistas e reaccionários uns meses na cadeia com os muitos anos dos comunistas nas prisões do fascismo. Respondi-lhe, com todo o respeito que me merecia um velho e coerente lutador como ele, que a única razão pela qual só tinham sido meses fora o 25 de Novembro. Senão, teriam sido muitos anos e muitos mortos, torturados ou liquidados, a avaliar pelo modus operandi dos comunistas quanto a reais ou supostos inimigos em todos os países onde o comunismo se tinha instalado. Com uma agravante: enquanto os regimes autoritários e até as ditaduras da direita permitiam igrejas, comunidades religiosas e propriedade privada, o comunismo perseguia e proibia as religiões e a propriedade privada, acabando com a sociedade civil.

O 25 de Novembro e a Liberdade

E se não fosse o 25 de Novembro, também não haveria liberdade em Portugal. Não era o slogan dos “abrilinos” mais ortodoxos “não há liberdade para os inimigos da liberdade” (sabendo nós – e eles – perfeitamente quem definiria os “inimigos da liberdade”)?

Na história do 25 de Novembro há um ponto importante e interessante que discuti há dias com a Irene Flunser Pimentel na Radio Comercial: a envolvente internacional. É uma envolvente que explica a neutralidade do PCP, que não pôs o seu peso militar e civil na balança no 25 de Novembro. A URSS não queria quebrar as regras de Ialta de partilha da Europa com os Estados Unidos (confirmados no Verão de 1975 em Helsínquia) e o Dr. Cunhal e a cúpula do PCP eram disciplinados.

Também estou convencido que se houvesse uma guerra civil, embora pudesse hipoteticamente constituir-se uma Comuna de Lisboa (talvez sem o fuzilamento de bispos e padres da Comuna de Paris), os comunistas e a esquerda radical acabavam vencidos. E em risco de serem outra vez proibidos.

Rectificações históricas

A acabar, duas explicações e rectificações: a história da bandeira a meia-haste, na morte de Hitler, ouvi-a contar e explicar por Franco Nogueira, um “patriota da Rotunda” convertido ao Estado Novo pelo lado do patriotismo ultramarino. Em 3 de Maio de 1945, no terceiro dia depois do suicídio de Hitler em Berlim, a bandeira nacional apareceu a meia-haste nos edifícios públicos: Portugal era neutral no conflito, por isso, e uma vez que morrera um chefe de Estado, o Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Luís Teixeira de Sampaio, dera instruções nesse sentido, de acordo com o Protocolo. Depois, perante algum barulho dos Aliados e das oposições, Teixeira de Sampaio quis demitir-se, arcando com as responsabilidades de um erro político, na consequência da observação cega do Protocolo. A meia-haste não tinha, assim, nada de ideológico – Salazar fora crítico do nazismo, bem antes da sua derrota. Teixeira de Sampaio estava contrito perante os clamores que causara e disposto a ser o bode expiatório. Mas Salazar, ministro dos Estrangeiros desde 1936, conteve-lhe o gesto, e mandou-lhe um dos seus habituais bilhetinhos – “De hora a hora, Deus melhora”…

Quanto à morte do general Humberto Delgado, assassinado em Espanha pelo agente da PIDE Casimiro Monteiro, no que apareceu como uma dupla armadilha – o general Delgado pensava que se ia encontrar com oposicionistas, os agentes da PIDE pensavam que Delgado se vinha entregar ou estavam ali para o deter – há várias teses. Mas não creio que Salazar tivesse alguma coisa que ver com o crime. Alberto Franco Nogueira, ministro dos Estrangeiros ao tempo, contava-me, anos depois, que nunca tinha visto ninguém tão aflito como o director da PIDE, major Silva Pais, quando lhe pediu conselho sobre como havia de comunicar a Salazar o assassinato. Salazar não mandava assassinar opositores.

De resto, o general Delgado, como demonstram os livros publicados sobre os emigrados em Argel, era um factor de divisão entre os oposicionistas residentes – republicanos do Reviralho, soaristas e comunistas; era, acima de tudo, um elemento de divisão das várias famílias da oposição. Só depois de morto se tornou um símbolo unitário.

A propósito, na nota biográfica de Humberto Delgado, no suplemento ao Dicionário de História de Portugal, coordenado por António Barreto e Maria Filomena Mónica, escreve David Lander Raby, sobre os últimos tempos de Humberto Delgado:

“De volta do Brasil, acabou por aceitar a colaboração que permitiu a formação em Dezembro de 1962 da Frente Patriótica de Libertação Portuguesa, e finalmente chegou a Argel (onde a Frente tinha o apoio do Presidente Ben Bella) em Junho de 1964. Mas em menos de dois meses estava praticamente de relações cortadas com a maioria dos membros da Junta e acabou por separar-se completamente da FPLN em Outubro, criando a sua própria “Frente Portuguesa de Libertação Nacional”, que nunca chegou a ter uma existência real. O rompimento com a FPLN foi o princípio do fim para HD; não era possível reconciliar a sua vontade de acção armada a curto prazo e a perspectiva cautelosa da maioria da oposição. Cada vez mais abandonado, HD caiu na armadilha montada pela PIDE, entrando em Espanha com a sua secretária brasileira, Arajaryr de Campos, acreditando que ia encontrar-se na fronteira com oficiais do exército português dispostos a levantarem-se contra o regime.”

A partir daqui, surgem narrativas fantasiosas ou, pelo menos, pouco verosímeis, que avançam com uma cumplicidade ou mesmo com um complot entre o “bando de Argel” e a PIDE para liquidar o “general sem medo”.

Do julgamento do caso em Portugal, e mesmo das narrativas hostis, infere-se sempre o desconhecimento de Salazar da “operação Outono”. A versão que sempre ouvi de quem sabia alguma coisa por ter conversado com elementos envolvidos no crime, foi que Delgado, convencido que se ia encontrar com militares oposicionistas, quis reagir, quando se deu conta que caíra na armadilha da PIDE. Ia armado e puxou da pistola ou do revólver, mas Casimiro Monteiro foi mais rápido e matou-o. Também no filme realizado por Bruno de Almeida e Frederico Delgado Rosa, Operação Outono, há uma implícita absolvição de Salazar quando, numa discussão de responsáveis da PIDE, surge a pergunta: “E como vamos dizer ao Doutor Salazar?” – “Dizemos-lhe que foram os comunistas!”

Não foram, embora talvez não tivessem ficado particularmente consternados. Mas isso é outra história.

https://observador.pt/opiniao/outra-historia/

JoãoRodrigues - Ódio diário sem notícias


* João Rodrigues

Em 1927, no livro Liberalismo, Ludwig von Mises afirmou: “Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até ao momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história.” 

A decadência da linha editorial dos jornais está bem patente num artigo ignobilmente ignorante da autoria Ricardo Simões Ferreira, Editor-Executivo Adjunto do Diário de Notícias. 

Diz que Ludwig von Mises “provou matematicamente” que o socialismo não funciona. Mises nunca usou qualquer matemática nos seus livros e artigos antissocialistas. O seu famoso argumento acerca da impossibilidade do cálculo económico em socialismo é um exemplo disso. Não é pior, nem melhor, por isso. Mas os factos contam. E obviamente, houve economistas socialistas que, armados da teoria neoclássica, por exemplo, lhe responderam. O liberal austríaco Joseph Schumpeter, o da destruição criativa, deu-lhes razão e tudo. 

Por outro lado, não há hoje uma única faculdade de economia que tenha cadeiras de economia marxista e mesmo o pensamento de Keynes é ensinado numa versão diluída pela economia neoliberal avassaladoramente dominante, infelizmente. Os estudantes é que perdem com a falta de pluralismo. 

Quanto ao Manifesto do Partido Comunista, que aposto que este fulano nunca leu, continua a oferecer pistas frescas para quem quer compreender o mundo, tal como A Riqueza das Nações, de Adam Smith, de 1776, por exemplo. Haja curiosidade pelos clássicos. São sempre surpreendentes. Leia-se o que Smith escreveu sobre a vulnerabilidade estrutural dos trabalhadores perante os patrões ou sobre o lado negro da divisão do trabalho ou sobre a natureza de classe do Estado ou....

O chorrilho de aldrabices prossegue, incluindo a ideia de que os professores e logo os jornalistas são comunistas encafuados: “é preciso limpar” o ensino, urra. Isto é a retórica do fascismo. No fundo, ele sabe que os comunistas são parte essencial do antifascismo que cruza Marx e Keynes, da economia política à política económica, do Brasil à China. O objetivo é só instilar medo. Mas nós não temos medo. Ou, melhor, até temos, quando nos sentimos sozinhos, mas sabemos que não o estamos e por isso o medo passa. 

E não é só a ignorância da história das ideias que assim se revela, é também ignorância da história económico-política deste país capitalista: qualquer pessoa séria sabe que os últimos quarenta anos não têm sido dominados pelo “socialismo”, mas sim pelo neoliberalismo e pela sua lógica privatizadora e liberalizadora, tornando Portugal um dos países europeus como menos ativos públicos empresariais ou menos stock da habitação pública, em percentagem do total, por exemplo. E este padrão tem sido impulsionado pela lógica da integração europeia, que impede estruturalmente políticas económicas keynesianas, para já não dizer socialistas, até pela anulação de vários instrumentos de política económica. 

Na realidade, esta gente não descansa enquanto existirem alguns elementos de civilidade democrática na sociedade portuguesa, da escola pública ao SNS, passando por alguns direitos laborais, cada vez menos face ao crescimento dos direitos patronais. O anticomunismo revela o reconhecimento de que os comunistas portugueses foram e são uma condição necessária, mas não suficiente, claro, para todos esses elementos. Esta é a verdade. 

Enfim, jornais dirigidos por gente desta são puros veículos de desinformação, de mentira e de ódio. Liberais até dizer chega, em suma.

Postado por João Rodrigues às 6.12.25

https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2025/12/odio-diario-sem-noticias.html

Domingos Lopes - Give peace a chance





* Domingos Lopes


GIVE A PEACE CHANCE, como cantava John Lennon

Há quase quatro anos que o Ocidente (EUA/NATO/UE) decretou que a Rússia teria de ser derrotada na Ucrânia, demorasse o tempo que demorasse o apoio a Zelenski.

Legiões de figuras de todo o tipo diariamente contavam maravilhas acerca das capacidades ocidentais e das miseráveis condições dos russos. Salvo meia dúzia de honrosas exceções todos afinavam pelo mesmo livro de pensamento único – a Rússia vai perder a guerra.

Há sentimentos na vida que cegam como o da arrogância que tomou conta desta tríade ocidental. Relembre-se o caso de Ursula von der Leyen que no seu destemperado ódio à Rússia chegou a afirmar que a Rússia, com as sanções, nem de frigoríficos iria dispor porque precisava dos chipes para armamento. Jornalistas houve que noticiaram que as espingardas da Rússia eram da 1ª Guerra Mundial e que os soldados nem ração tinham, e os cancros de Putin eram a rodos…

Houve até um Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr. João Cravinho, que anunciou que Putin se fosse de férias ao Algarve seria preso. Stoltenberg, o então Secretário-Geral da NATO, ficou famoso por anunciar que apoiaria a Ucrânia o tempo que fosse preciso. O novo, capacho de Trump, ainda andará a agradecer ao imperador de Largo-a-Mar na Florida o apoio à Ucrânia que se está a ver nos famosos 28 pontos.

Zelenski, o Churchil ucraniano, rodeado de corruptos por todos os lados, o homem que mais armamento pediu (percebe-se melhor agora o seu papel com tantos ministros fugidos) já manifestou a sua vontade de negociar com os EUA o tal plano de Anchorage entre UEA e Rússia.

Do lado europeu anda tudo com a cabeça à roda. Os principais dirigentes da UE entraram em choque com a realidade circundante, designadamente a Leste, e entre si.

A decisão política face à invasão da Rússia da Ucrânia de apresentar ao mundo a impossibilidade da Rússia vencer, contando para tanto com o apoio dos EUA, revelou uma vez mais a total insignificância de pensamento político-estratégico. Os EUA querem “largar” a Ucrânia porque estão bem dentro do conflito, são eles que que comandam a Ucrânia e perceberam que não têm como travar militarmente a Rússia. Aqui bate o ponto. Em vez de uma humilhante derrota tentam sair por cima, se for possível.

Deve ter-se presente o plano dos EUA já mil vezes divulgado a partir da Rand Corporation, think-tank do Pentágono, de fragmentar a Rússia a partir do conflito militar da Ucrânia, assim definido pelo conselheiro de Segurança da Ucrânia Oleksei Resnikov em 06/01/2023 no TSN Canal 1+1…A OTAN dá as armas e nós o sangue…

Creio que esta afirmação de uma personalidade como Reznikov diz tudo quanto à envolvência dos EUA e à ideia da derrota militar da Rússia. O Ocidente subvalorizou o poderio militar e económico da Rússia e a sua arrogância impediu-o de ver que o mundo mudou e o Sul Global, mesmo que ainda incipiente, é uma realidade, sem falar dos BRICS.

Por outro lado, o “nosso” aliado aplicou-nos um golpe de mestre ao cortar a ligação da UE com a Rússia designadamente a nível de energia, onde assentava o crescimento industrial da Alemanha. Os europeus, se quiserem, têm de comprar a energia aos EUA, muito mais cara, ficando na dependência de alguém cuja coerência é assinalável…

Com este eventual fiasco da UE devemos ter presente o que se está a passar na frente dos nossos olhos.

Os dirigentes da UE sem qualquer mandato para tal e contra a filosofia fundadora da UE cavalgam uma corrida armamentista que gela o sangue. A Alemanha quer avançar para a guerra com a Rússia, na França um chefe militar diz que os franceses têm de assumir a coragem de ir morrer contra a Rússia…mas, há sempre um mas.

A França olha para o rearmamento da Alemanha desconfiada e a Polónia estremece, enquanto na própria UE há quem não esteja pelos ajustes.

A corrida aos armamentos pode ser a tentativa do neoliberalismo reinante na UE de justificar o empobrecimento e a limitação dos valores democráticos fundadores. Ou seja, face à impossibilidade de sair das políticas recessivas onde mergulharam os países, tentam erguer uma cortina de fumo para esconder a política de empobrecimento que vem a caminho com a famigerada ideia de garantir fundos para a guerra, cortando na política social, cultural e ambiental da UE.

Claro que uma política dessa estirpe irá não só a nível interno criar enormes tensões, como a nível dos Estados membros choques entre vários países que não querem ser atrelados ao carro da pobreza, pois esta política provocará ainda maior desigualdade entre eles. A campanha da guerra visa esconder exatamente esta perfídia.

Tenha-se presente que um fulano como Durão Barroso, que devia responder num Tribunal Internacional pelos crimes de guerra contra a Humanidade resultante da monstruosa mentira de que o Iraque tinha armas de destruição massiva, salta agora para os media proclamando que a Rússia vai invadir a Europa, bem sabendo que uma tal afirmação é uma mentira do tamanho de toda a Europa. O homem que perdeu toda a sua credibilidade como líder político, tenta agora na posição de neobanqueiro guindar-se no plano político, jogando com a perda de memória de um dos maiores crimes cometidos contra o direito internacional.

Os principais dirigentes da UE estão metidos num beco aparentemente sem saída. Estão unidos no empobrecimento dos povos, divididos quanto ao modo como fazer, dadas as contradições entre os Estados.

Como a UE é um conjunto de Estados com diferentes políticas de defesa é evidente que os grandes gostariam de unificar forças militares para serem eficazes, mas o problema real é: ao serviço de quem e de quê ?  

A política neoliberal é muito previsivelmente incapaz de conseguir tal desígnio porque ela funda-se na hierarquia do país mais forte que é a Alemanha, o que não é aceite nem pela França, Polónia e até Reino Unido, de fora da UE.

Resta levar à prática uma outra política de paz, desarmamento e cooperação. É preciso desarmar e não de armar. A mais firme e eficaz política de segurança europeia é partir para o desarmamento pan-europeu com a Rússia e os EUA. A Rússia faz parte da Europa e nunca irá sair do continente; os EUA não são europeus, mas pelo seu peso no mundo e face à NATO é benéfica a sua participação numa tal política.

Não há que ter medo – o desafio é desarmar e nunca armar. É preciso diminuir o armamento na Europa conjuntamente com a Rússia, criar um clima normal entre gente normal que quer viver dignamente onde que que viva no continente cuja História exige outra responsabilidade.

A Ucrânia não poderá ser uma ferida a sangrar no continente. Após o conflito é necessário abrir canais de cooperação para reestabelecer medidas de confiança entre os povos envolvidos no conflito. Talvez, porque não, uma Conferência Europeia para a Paz e a Cooperação entre todas as nações. Este é o caminho. Se a guerra terminar é preciso que nunca mais se reacenda, como aconteceu já também acontecera na Jugoslávia.

Creio com todas as forças, que quando os figurões do armamento pedem mais dinheiro para a indústria da morte, é preciso que os povos toquem os sinos a rebate para acordarem as consciências da paz. Em pleno século XXI só a paz é a nossa humanidade e a guerra a nossa bestialidade. A Europa não precisa de mais pilhas de cadáveres, antes necessita de conhecimento, sabedoria, cooperação e sempre as pombas da paz nas mãos dos nossos filhos e netos que da Rússia à Península ibérica, da Escandinávia aos Balcãs, para que se cumpra o sonho de dar uma chance à paz, como cantava John Lennon.

 22 de Novembro de 2025


https://ochocalho.com/2025/11/22/4267/

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Vladimir Putin - Sobre a OME na Ucrânia (2022)


+ Vladimir Putin

Nunca quis uma guerra e nunca comecei.

O que estamos a fazer não é guerra.

Eu lancei uma operação militar para salvar o meu povo de fascistas neonazis que há anos matam pessoas pacíficas e inocentes, russos e não só russos na Ucrânia eu lancei uma operação militar para defender o meu país das bases da NATO.

Comecei uma operação militar para parar a nova ordem mundial porque esta ordem é contra a humanidade.

Se eu começasse uma guerra tudo pareceria diferente, estou a dizer-te!

A Rússia vai usar todas as armas, fundos, só se for atacada por um ataque nuclear e espero que o mundo não pague pela Ucrânia ou melhor pelo fascismo na Ucrânia.

Guerra nuclear significa o fim do mundo e eu não quero isso.

Zelensky convoca a NATO para uma guerra nuclear e espero que eles não cometam um erro tão grande porque colocam em risco a segurança do mundo. Suas armas nucleares mesmo que sejam dirigidas a nós, o mundo inteiro pagará porque as armas nucleares não caem num só lugar e 15 armas nucleares são suficientes para destruir a terra.

É impossível viver neste planeta. Eu não quero uma guerra, e como eu não tenho uma guerra, eu lancei uma operação militar!

Quero um mundo bondoso onde as pessoas possam ser pessoas, quero um mundo puro de pessoas de fé, quero um mundo sem fascismo.

Quero beber água limpa e respirar ar puro.

Se o que eu comecei na Ucrânia fosse uma guerra, não restaria nada da Ucrânia. Protegemos e preservamos os pacíficos, inocentes e civis. Guerra é quando civis, inocentes, paz não são protegidos, guerra é o que a NATO faz em todo o mundo. A Rússia na sua história sempre lutou para salvar vidas.

Muitas pessoas no mundo hoje culpam a Rússia e a mim simplesmente porque muitas pessoas não sabem nada, e a propaganda contra nós é bem enorme, mas eu sei que hoje amanhã ou um dia o mundo vai entender.

Muitos no mundo não sabem que há anos os fascistas ucranianos preparam uma guerra contra a Rússia e atrocidades contra os russos e outras nações, mesmo contra os seus. Durante anos e anos..

O que faria outro país, não sei, mas nós somos a Rússia, e sempre nos protegemos, ao nosso país e ao povo, até ao mundo e claro que já nos provamos muitas vezes na história do mundo.

Eles vão entender porque existe essa guerra e qual é o propósito, tudo tem seu tempo.

Claro que continuam a dizer que a Rússia vai perder, mas como é possível um cenário destes? Não temos oportunidades a perder quando se trata de nós mesmos e da nossa segurança.

Se eu não tivesse começado uma operação militar, a 3a Guerra Mundial teria começado.

Ucrânia, o governo ucraniano ameaça a nossa segurança, e nós temos o dever de nos defender. Se espera que reajamos quando ameaçam a Rússia, não conhece a Rússia.

Eu não quero uma guerra com a NATO UE e a Ucrânia vamos salvar o nosso país e o nosso povo isto não é uma guerra. Isto é a salvação.

Quando se trata de escalada, estamos prontos para as nossas respostas no caso de outras partes intervirem e começarem uma guerra contra nós, e a nossa resposta será relâmpago e destrutiva.

Quando o assunto é grandes, fortes, como as armas nucleares, saliento que a Rússia tem muitas armas fortes, mas espero que não as usemos para a estupidez da Europa e da NATO.

A guerra moderna contra a Rússia não pode ser ganha no campo de batalha. Seja nosso amigo e não existe melhor amigo do que a Rússia para um país e para uma pessoa.

E este é o comentário da mulher russa👇

"Por que estou chorando? "Porque estou feliz, feliz por salvar o nosso país e o nosso povo, e o que farias no meu lugar, problema é teu.

Sim, o que está a acontecer na Ucrânia é uma tragédia, mas a Rússia não tem culpa desta tragédia porque outros começaram uma guerra contra nós e nós nos defendemos.

E com minha alegria e honra, a Rússia sempre defendeu seus cidadãos, o País e os interesses nacionais. Nunca vamos parar de nos defender.

E não vou comentar essas palavras porque sei que a maioria dos russos pensa e considera da mesma forma...


quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Helder Moura - (560) A apropriação do ciclo do caranguejo

  •  hélder moura
  •  03.12.25

Estes ciclos biológicos há muito que são do conhecimento e prática dos nossos mandantes como forma de conservar o poder.

É preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma, C. Malaparte.

A Polícia de Cincinnati afirma que até ao final deste ano, 90% de todas as ocorrências serão primeiro atendidas por um drone.

Não nos vamos espantar quando virmos os novos drones para ambientes interiores a percorrer as nossas casas.

Em 1935, o médico, geógrafo e cientista social brasileiro Josué de Castro, publica O Ciclo do Caranguejo, onde descreve a vida de extrema pobreza de famílias que vivem num mangue da cidade do Recife, em que não tendo mais nada para comer que caranguejos aí apanhados que lhes provocam diarreia que acaba servindo para alimentar outros caranguejos que por sua vez vão servir para alimentar as famílias, num ciclo de interdependência que constitui o ecossistema do mangue.

Estes ciclos biológicos há muito que são do conhecimento e pratica dos nossos mandantes como forma de conservar o poder. Veja-se, por exemplo, o que se passa na educação, nos serviços de saúde, nas polícias, etc.: não se dão condições aos serviços para funcionarem, incentiva-se a insatisfação, propõe-se então a solução desejada, deixam de mostrar as manifestações de insatisfação, o sistema continua a funcionar.

Como variante, Estes ciclos biológicos há muito que são do conhecimento e pratica dos nossos mandantes como forma de conservar o poder.. Por exemplo, convencem-nos que é uma poupança económica dotar as forças de polícia com armamento do exército, e nós acreditamos, esquecendo que a utilização de novos armamentos e proteções implica sempre a adoção das táticas que lhes vêm associadas.

Skydio é uma empresa americana fundada em 2014 que em poucos anos passou de uma relativa obscuridade para a maior fabricante de drones nos EUA. Os seus drones quadricópteros com IA, povoam hoje os céus das cidades americanas.

De acordo com uma pesquisa efetuada por Nate Bear, nos últimos 18 meses quase todas as grandes cidades americanas assinaram contratos com a Skydio, incluindo Boston, Chicago, Filadélfia, San Diego, Cleveland e Jacksonville. Atualmente, a empresa tem contratos com mais de 800 agências de segurança em todo o país.

Os seus drones têm estado a ser utilizados pelos departamentos de polícia municipais e outros organismos (como Universidades), para recolherem informações em protestos, ajuntamentos e outros.

 Em Atlanta, a empresa fez uma parceria com a Fundação da Polícia para instalar uma estação permanente de drones dentro do Centro de Formação de Segurança Pública de Atlanta. Detroit, gastou recentemente quase 300 mil dólares na aquisição de catorze drones, de acordo com um relatório de compras da cidade. A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA também comprou trinta e três drones capazes de rastrearem e perseguirem automaticamente um alvo.

Um porta-voz da polícia de Nova Iorque, que foi uma das primeiras a adotar os drones Skydio, declarou recentemente a um site de notícias que o Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYPD) realizou mais de 20.000 voos em menos de um ano com 41 drones, o que significa que os drones são lançados pela cidade 55 vezes por dia.

O sistema de IA por detrás destes drones é alimentado por chips da Nvidia que permitem a sua operação sem um operador humano. Possuem câmaras de imagem térmica e podem operar em locais onde o GPS não funciona. Também reconstroem edifícios e outras infraestruturas em 3D e podem voar a mais de 48 quilómetros por hora.

Antes de março deste ano, as regras da FAA determinavam que os drones só podiam ser utilizados pelas forças de segurança dos EUA se o operador mantivesse o drone à vista. Também não podiam ser usados ​​sobre ruas movimentadas da cidade.

Mas, uma isenção da FAA emitida nesse mês, veio permitir que a polícia e as agências de segurança operassem drones para além da linha de visão e sobre grandes multidões. Sem a necessidade de ver o drone, e com os drones livres para sobrevoarem as ruas da cidade, a polícia está cada vez mais a enviar drones em vez de polícias para atender ocorrências e para fins de investigação mais abrangentes. Cincinnati, por exemplo, afirma que até ao final deste ano, 90% de todas as ocorrências serão atendidas primeiro por um drone.

Esta ampla cobertura é possível devido à plataforma de acoplamento da Skydio. Estas plataformas estão posicionadas em locais estratégicos da cidade, permitindo que os drones sejam carregados, lançados e aterrem remotamente a muitos quilómetros de distância das sedes da polícia. Após o lançamento, todas as informações recolhidas durante os voos são guardadas num cartão SD interno e enviadas automaticamente para um software específico configurado para uso policial.

 Este software é desenvolvido pela Axon, um dos principais financiadores da Skydio, e permite, segundo um comunicado de imprensa da Axon, "o envio automático de fotografias e vídeos captados por drones para um sistema digital de gestão de provas".

Acontece que a Skydio é também um grande fornecedor do Departamento de Defesa, tendo assinado recentemente um contrato para fornecer drones de reconhecimento ao Exército dos EUA. Como fornecedor significativo tanto para as forças militares como para as forças de segurança civis, isto tem levantado algumas velhas questões (sempre atuais) sobre quais são ou serão as informações partilhadas entre os militares dos EUA e as agências de segurança interna através do sistema de gestão de provas digitais da Skydio-Axon.

Se nos lembrarmos que os conflitos são sempre os grandes laboratórios para o desenvolvimento das novas tecnologias de vigilância, onde elas são testadas, e se verificarmos que neste caso da Skydio ela captou centenas de milhões de dólares de capitalistas de risco israelo-americanos bem como de fundos de capital de risco com amplos investimentos em Israel, incluindo a empresa de Marc Andreessen, a Andreessen Horowitz, e que as Forças de Defesa de Israel (IDF) têm intensivamente usado os seus drones, não nos iremos espantar quando para o próximo ano virmos novos  drones para ambientes interiores a percorrer as casas das cidades americanas (e não só).

Tudo, evidentemente, a Bem da Nação.

https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/

Raul Luis Cunha - Apelo a Greve Geral



*  Raul Luis Cunha

Caros Amigos,

Este texto é apresentado por força de estar anunciada uma próxima greve geral dos trabalhadores portugueses, a qual já está a ser criticada e mimoseada com os piores epítetos pelos saudosistas do anterior regime, malandragem e carpideiras do costume. Assim e porque a minha condição de militar reformado não me permite aderir, aqui manifesto deste modo a minha solidariedade com os grevistas porque creio que todos nós desejamos um Portugal melhor, porque também não queremos ter vergonha do nosso País e porque estou convicto que não queremos que nos afundem na barbárie e no fascismo.

Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para não comprometer o futuro de Portugal, porque o presente e o passado recente não podem ser mudados com novas leis iníquas, por mais que haja alguns para quem isso não esteja bem claro. E, embora os Militares de Abril antifascistas tenham escrito os capítulos mais importantes desse passado recente, temos agora de nos recusar a ficar reféns daqueles para quem a saudade do Estado Novo nunca acaba. Hoje, cinquenta e um anos após o 25 de Abril estamos quase a ficar reféns dos que verdadeiramente odeiam a nossa Pátria e que aproveitam as crises sociais, para semear o ódio e pregar mentiras e falácias – arruaceiros e vendidos que estão a exercer esse mister criminoso.

Temos presente todos aqueles que ainda defendem a nossa Pátria das falsidades com as sua ações – operários, comerciantes, agricultores, artistas, comentadores, intelectuais, escritores, cientistas, militares e jornalistas, que os neofascistas querem mandar para o exílio e/ou transformá-los em marginais no seu próprio País; fazemos parte da cultura viva deste país, somos a herança do século XXI. E ninguém tem o direito de nos dizer que não temos a razão e a justiça do nosso lado.

Nenhum de nós escolheu os seus antepassados, mas escolhemos quem fomos, somos e seremos. Os filhos e netos não são culpados nem obrigados a continuar as ações dos seus antepassados, mas todos somos extremamente responsáveis pelas nossas ações de hoje. Assim, é de assinalar e louvar todas as mães e pais que ensinaram os seus filhos a não dividir e odiar as pessoas com base na origem, religião, etnia, cor da pele ou orientação sexual. Quem assim fez concedeu aos seus filhos o melhor dos sentimentos – o respeito pelo próximo. Pelo menos, esses descendentes não vão aterrorizar, intimidar e agredir os seus pares só porque são diferentes deles.

Saudamos a todos os cidadãos deste país que não são culpados nem podem ser condicionados nos seus destinos e que sentem o que significa ser membro de uma qualquer minoria nacional; os cidadãos portugueses de raça negra ou ciganos que alguns desejam proibir de respirar. Este país tem tanto orgulho de Eusébio e Quaresma, como de vários outros atletas, artistas e cientistas portugueses de outras raças. Vós sois nossos amigos, vizinhos, colegas e parentes e nós não desistimos de vocês! Vós sois Portugal!

Alguns portugueses, de mau carácter, reclamam que as minorias nacionais e os migrantes ainda mais pobres não querem trabalhar e só vivem das ajudas do estado, mas a realidade é que a maioria deles fica com os empregos que aqueles rejeitam por serem menos dignos e que, graças a eles, as nossas ruas e casas são limpas, a comida e géneros nos são trazidos, nos transportam onde pedimos, etc. e assim contribuem para o nosso bem-estar e para o orçamento nacional.

Não são as minorias nacionais nem os migrantes que nos tornam pobres, mas sim os maus e venais políticos neoliberais e neofascistas e os criminosos empresários ao serviço dos grandes grupos económicos, numa busca incessante de prebendas, regalias e riquezas imerecidas. Veja-se a miserável lei que gerou a revolta de quase todos os trabalhadores e levou a esta greve geral. A nossa sociedade deveria responsabilizar esses políticos pois eles é que são os verdadeiros culpados pelas condições em que estamos a viver agora e que eles querem agravar. Deveriam ser penalizados fortemente em próximas eleições, já que em termos criminais conseguem ficar isentos, devido às muitas deficiências de um sistema judicial lento e tolhido pela prática malévola de alguns dos seus agentes. 

Nós apenas queremos viver em paz e liberdade em vez de conflitos, insegurança e agitação permanentes na sociedade: e a segurança no trabalho, o conforto, a paz e a liberdade não devem ser um privilégio para alguns escolhidos.

Não ficaremos calados enquanto houver desigualdades e injustiças a serem cometidas no nosso país pelos corruptos e criminosos neoliberais e neofascistas. Não ficaremos em silêncio enquanto houver a possibilidade de falar e escrever, e se não houver, iremos inventá-la. Não serão necessárias grandes frases e tiradas brilhantes para esse efeito, apenas uma pena afiada, honestidade e nada temer!

Para terminar, deixo-vos com o conhecido poema de Bertold Brecht, que nos adverte sobre o que acontece a quem fica em silêncio:

Primeiro levaram os negros.
mas não me importei com isso. Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários.
mas não me importei com isso. Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis.
mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados.
mas como tenho o meu emprego, também não me importei.
Agora estão a levar-me.
mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.

2025 12 03


2025 12 03https://www.facebook.com/rauliscunha/posts 

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Tiago Franco, - UMA SAFRA DE FILHOS DA P*TA |

* Tiago Franco

O dia já estava destinado a ser mau e portanto, comecamos logo pelo título a mostrar a paciência que vai embrulhada na escrita. Já lá vão 5 dias desde que deu à costa a operação "safra justa", um esquema de escravatura levado a cabo no Alentejo (Beja), controlado por 10 GNRs e 1 PSP, num conjunto de herdades agrícolas que, aparentemente, não pertencem a ninguém. Há várias reflexões que me parecem interessantes tirar daqui. Algumas óbvias, outras nem tanto.

1 - Quem são os donos das herdades? Estão presos? 

2 - Percebem, através de casos como este (já nao é o primeiro), como o discurso de ódio contra imigrantes os deixa mais vulneráveis e sujeitos a estas redes de escravatura? 

3 - O Chega fez dos imigrantes o seu alvo favorito nos últimos 2 anos. As forças policiais são, entre os vários sectores profissionais, aquele em que o Chega tem melhor penetração de quadros. Conseguem perceber o sentimento de impunidade e libertação de consciência que isso assegura, no tratamento com imigrantes, de alguns elementos das forças de segurança?

4 - Tem sido tema dos debates presidenciais que 40% do trabalho no sector agrícola é garantido por mão de obra imigrante. Muita dela em regime de pura exploração. Sabendo que Portugal precisa de mão de obra e que o governo de extrema-direita vai dificultar a entrada de imigrantes, todos percebemos o que vai acontecer, não é? As redes clandestinas vão aumentar porque, havendo a necessidade económica de ter o trabalhador, certamente o tráfico se encarregará de o fazer chegar ao seu destino.

5 - Há alguém, entre os "portugueses de bem", que veja os imigrantes a serem tratados como escravos, odiados, enquanto pagam impostos (de uma forma geral) e aguentam a segurança social, e no fim, se sinta ligeiramente envergonhado? Há algum apoiante do Chega que veja um caso destes e perceba a quantidade de tangas que lhe dizem diariamente no tik-tok?

6 - Por fim, há algum jornalista que tenha o Cotrim por perto e lhe possa pedir para repetir aquela frase, icónica, de que "os empresários portugueses não pagam mal por desporto"? 

Não é por desporto, não. É mesmo por crueldade e uma ganância sem limites. Que absoluta vergonha que sinto a ler sobre casos de escravatura, no meu país, em pleno século XXI. Que puta de injustiça na forma de tratar outro ser humano.

Dito isto, quero apenas perceber duas coisas. O tempo que o ministério público demorará a formalizar uma acusação aos donos das herdades e, que reação oficial terá o Chega, o partido incitador do ódio contra os imigrantes.

Portugal torna-se, a cada dia que passa, um local menos recomendável. Isto sim, é que é uma vergonha.

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Ps - 1000 comentários depois, algumas centenas da ganadaria, resolvi dar aqui uma ajuda na compreensão de textos. Não está escrito em lado nenhum que o mau trato a imigrantes começou com o Chega ou que não havia abusos na agricultura antes de 2019. O que se tenta explicar (talvez eu deva começar a usar desenhos), é que o incitamento ao ódio que é todo o programa eleitoral do Chega, deixa imigrantes, já de si em situações problemáticas, ainda mais vulneráveis. Há hoje em dia uma espécie de carta branca na sociedade para se odiar imigrantes ou ser racista sem complexos.

2025 12 02

https://www.facebook.com/tiago.franco.735/posts 

João Costa - Três Joanas Gorjão Henriques para cada Ventura



* João Costa

Professor universitário, ex-ministro da Educação

Não precisamos de nenhum Salazar, mas precisamos de muitos jornalistas como a Joana Gorjão Henriques. Que sai da espuma dos dias para investigar e mostrar o que não vemos nas bolhas do privilégio em que estamos. Que sabe onde estão os imigrantes todos os dias. São os que cuidam de nós
Tive a oportunidade de ver esta semana o documentário Racismo. Uma descolonização em cursode Joana Gorjão Henriques e Mariana Godet. Recomendo vivamente a todos os que procuram perceber o fenómeno do racismo em Portugal. Aprendi, espantei-me sem me surpreender e comovi-me. Sobretudo, vi novas portas abertas para percebermos o racismo num país em que ele sempre existiu, mas que agora o encontra legitimado no discurso político.

Este documentário mostra a realidade dos últimos anos do colonialismo português, como era a relação entre brancos e negros, tendo eu encontrado o seu máximo valor nas entrevistas feitas a quem cresceu em África e percebeu, mais tarde, a banalização da discriminação que não via em criança.

Os negros era menos pessoas e ninguém achava estranho. Os negros viviam em condições sub-humanas e isso não era questionado. Na casa dos patrões, mas sem direito a cama. A cuidar das crianças dos brancos, mas sem poderem ter as suas. Eram vistos como seres menores, que serviam para servir. As mulheres podiam ser usadas, apenas porque eram negras, podendo ser violadas de formas que não se admitiam possíveis nem legítimas fossem elas brancas.

Impressiona ouvir o relato de uma das entrevistadas, que tem hoje a consciência de que, ao vir a Portugal, advogava valores certos, mas ao regressar a África assumia de novo a normalidade do mal. Porque lá era simplesmente assim.

Este é um documentário sobre a banalização do mal. Não há culpas nos que cresceram assim e só muito mais tarde perceberam que esse “assim” não tinha razão de ser e era iníquo. Há, porém, muitas culpas em quem fomentou e alimentou este regime para lá de todos os tempos em que o colonialismo já tinha sido identificado como inaceitável por todo o mundo. As colónias alimentavam os vícios de uma metrópole em que a ditadura se prolongava, alimentada pela exploração de partes do mundo, com o dinheiro de formas não oficiais de escravatura e com esquemas de corrupção escondidos para sustentar o status quo político e social. O mal banaliza-se quando nem sequer é questionado, como este documentário tão bem mostra. O outro estava lá para servir e os seus direitos não existiam. Os poucos direitos que conseguiam ter eram vistos como um favor daqueles que eram servidos. Não questionar a igualdade de direitos, porque se considera que o outro é diferente, é viver na bolha da indiferença.

Joana Gorjão Henriques e Mariana Godet instam-nos a refletir sobre este passado para percebermos o presente assustador para que nos precipitam. São demasiados assuntos não resolvidos e feridas que não sararam. A fuga dos brancos, deixando para trás o que era seu, foi associada, explícita ou implicitamente, a uma apropriação dos seus direitos por aqueles que se habituaram a ver como não os tendo. Muitos dos que chegaram e foram alvo de ódio canalizaram a sua frustração para aqueles que ficaram nos seus lugares e que não eram vistos como iguais. O ressentimento veio nas malas e nunca foi desempacotado. Há uma aceitação da superioridade de uns sobre os outros, que nunca foi superada, ainda que tenha ficado em modo mais ou menos latente durante algumas décadas.

Cresci a ver racismo por todo o lado. Sobretudo entre os utilizadores frequentes da adversativa. “Não sou racista, mas…”. O que não era racista, mas não gostava que a filha namorasse com um negro. O que não era racista, mas achava que eles não “falavam bem” O que não era racista, mas preferia não morar no mesmo prédio que os outros. Estes “mas” não foram suficientemente observados nem escrutinados e vivemos demasiado tempo na ilusão de que não havia um problema estrutural a tratar no nosso país. Joana Gorjão Henriques e Mariana Godet desmontam bem as narrativas que ainda invadem a forma como aprendemos história de Portugal. Onde está o colonialismo fofinho português nos relatos da escravatura recente do trabalho não pago, nas fotos que se tiram com o direito a tocar no peito das mulheres negras ou no recrutamento de trabalhadores forçados a deixar as suas famílias? Entender que tudo não passou de uma narrativa montada, e ainda alimentada, é fundamental para percebermos o recrudescimento da violência racial. Convencemo-nos que éramos bons, por isso não podemos acreditar que ainda hoje podemos viver a herança dos sentimentos maus fomentados.

Hoje interessa à extrema-direita alimentar o ressentimento e o ódio. Encontrar novos e velhos culpados por tudo o que nos corre mal. Oportunistas e cobardes, atacam os que já são mais vulneráveis. André Ventura quer expulsar os imigrantes, mas fica atrapalhado quando se lhe pergunta por que motivo não fala sobre os milionários extrativistas. Não fala porque não lhe convém, porque sabe que é mais fácil construir em cima de ódios reprimidos. O Chega pede três Salazares para “pôr ordem” em Portugal. Mente sobre o passado para iludir sobre o presente e reza para que ninguém veja estes documentários, que mostram os discursos sinistros e enganadores do próprio Salazar, a negar as evidências, corrupto, a mentir sobre o que se passava em África.

Não precisamos de nenhum Salazar, mas precisamos de muitos jornalistas como a Joana Gorjão Henriques. Que sai da espuma dos dias para investigar e mostrar o que não vemos nas bolhas do privilégio em que estamos. Que sabe onde estão os imigrantes todos os dias. São os que cuidam de nós. Os que já se foram embora quando chegamos aos nossos locais de trabalho e fizeram tudo o que nenhum português quer fazer. Andam nos transportes em sentido contrário e não têm direito de ver os seus filhos acordar, porque ainda não chegaram a casa. Para cada entrevista a André Ventura, façam duas entrevistas às vítimas do seu racismo. Hoje como ontem, começa-se a encolher os ombros a cada disparate dito pelos amigos do Chega, como se fosse apenas mais um. O problema é que, de cada vez que encolhemos os ombros, voltamos a banalizar este ódio pela cor da pele do outro.

Para cada Ventura, três Joanas, porque três Venturas não valem um terço de Joana. Para pôr ordem neste mal, para nos lembrar que é pela informação e pelo conhecimento que vamos. Levem documentários como este às escolas e ajudem os mais jovens a perceber a diferença entre a profundidade da investigação e a boçalidade irresponsável dos tik-tok da extrema-direita.
 2025 12 02

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