sábado, 6 de dezembro de 2025

Domingos Lopes - Give peace a chance





* Domingos Lopes


GIVE A PEACE CHANCE, como cantava John Lennon

Há quase quatro anos que o Ocidente (EUA/NATO/UE) decretou que a Rússia teria de ser derrotada na Ucrânia, demorasse o tempo que demorasse o apoio a Zelenski.

Legiões de figuras de todo o tipo diariamente contavam maravilhas acerca das capacidades ocidentais e das miseráveis condições dos russos. Salvo meia dúzia de honrosas exceções todos afinavam pelo mesmo livro de pensamento único – a Rússia vai perder a guerra.

Há sentimentos na vida que cegam como o da arrogância que tomou conta desta tríade ocidental. Relembre-se o caso de Ursula von der Leyen que no seu destemperado ódio à Rússia chegou a afirmar que a Rússia, com as sanções, nem de frigoríficos iria dispor porque precisava dos chipes para armamento. Jornalistas houve que noticiaram que as espingardas da Rússia eram da 1ª Guerra Mundial e que os soldados nem ração tinham, e os cancros de Putin eram a rodos…

Houve até um Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr. João Cravinho, que anunciou que Putin se fosse de férias ao Algarve seria preso. Stoltenberg, o então Secretário-Geral da NATO, ficou famoso por anunciar que apoiaria a Ucrânia o tempo que fosse preciso. O novo, capacho de Trump, ainda andará a agradecer ao imperador de Largo-a-Mar na Florida o apoio à Ucrânia que se está a ver nos famosos 28 pontos.

Zelenski, o Churchil ucraniano, rodeado de corruptos por todos os lados, o homem que mais armamento pediu (percebe-se melhor agora o seu papel com tantos ministros fugidos) já manifestou a sua vontade de negociar com os EUA o tal plano de Anchorage entre UEA e Rússia.

Do lado europeu anda tudo com a cabeça à roda. Os principais dirigentes da UE entraram em choque com a realidade circundante, designadamente a Leste, e entre si.

A decisão política face à invasão da Rússia da Ucrânia de apresentar ao mundo a impossibilidade da Rússia vencer, contando para tanto com o apoio dos EUA, revelou uma vez mais a total insignificância de pensamento político-estratégico. Os EUA querem “largar” a Ucrânia porque estão bem dentro do conflito, são eles que que comandam a Ucrânia e perceberam que não têm como travar militarmente a Rússia. Aqui bate o ponto. Em vez de uma humilhante derrota tentam sair por cima, se for possível.

Deve ter-se presente o plano dos EUA já mil vezes divulgado a partir da Rand Corporation, think-tank do Pentágono, de fragmentar a Rússia a partir do conflito militar da Ucrânia, assim definido pelo conselheiro de Segurança da Ucrânia Oleksei Resnikov em 06/01/2023 no TSN Canal 1+1…A OTAN dá as armas e nós o sangue…

Creio que esta afirmação de uma personalidade como Reznikov diz tudo quanto à envolvência dos EUA e à ideia da derrota militar da Rússia. O Ocidente subvalorizou o poderio militar e económico da Rússia e a sua arrogância impediu-o de ver que o mundo mudou e o Sul Global, mesmo que ainda incipiente, é uma realidade, sem falar dos BRICS.

Por outro lado, o “nosso” aliado aplicou-nos um golpe de mestre ao cortar a ligação da UE com a Rússia designadamente a nível de energia, onde assentava o crescimento industrial da Alemanha. Os europeus, se quiserem, têm de comprar a energia aos EUA, muito mais cara, ficando na dependência de alguém cuja coerência é assinalável…

Com este eventual fiasco da UE devemos ter presente o que se está a passar na frente dos nossos olhos.

Os dirigentes da UE sem qualquer mandato para tal e contra a filosofia fundadora da UE cavalgam uma corrida armamentista que gela o sangue. A Alemanha quer avançar para a guerra com a Rússia, na França um chefe militar diz que os franceses têm de assumir a coragem de ir morrer contra a Rússia…mas, há sempre um mas.

A França olha para o rearmamento da Alemanha desconfiada e a Polónia estremece, enquanto na própria UE há quem não esteja pelos ajustes.

A corrida aos armamentos pode ser a tentativa do neoliberalismo reinante na UE de justificar o empobrecimento e a limitação dos valores democráticos fundadores. Ou seja, face à impossibilidade de sair das políticas recessivas onde mergulharam os países, tentam erguer uma cortina de fumo para esconder a política de empobrecimento que vem a caminho com a famigerada ideia de garantir fundos para a guerra, cortando na política social, cultural e ambiental da UE.

Claro que uma política dessa estirpe irá não só a nível interno criar enormes tensões, como a nível dos Estados membros choques entre vários países que não querem ser atrelados ao carro da pobreza, pois esta política provocará ainda maior desigualdade entre eles. A campanha da guerra visa esconder exatamente esta perfídia.

Tenha-se presente que um fulano como Durão Barroso, que devia responder num Tribunal Internacional pelos crimes de guerra contra a Humanidade resultante da monstruosa mentira de que o Iraque tinha armas de destruição massiva, salta agora para os media proclamando que a Rússia vai invadir a Europa, bem sabendo que uma tal afirmação é uma mentira do tamanho de toda a Europa. O homem que perdeu toda a sua credibilidade como líder político, tenta agora na posição de neobanqueiro guindar-se no plano político, jogando com a perda de memória de um dos maiores crimes cometidos contra o direito internacional.

Os principais dirigentes da UE estão metidos num beco aparentemente sem saída. Estão unidos no empobrecimento dos povos, divididos quanto ao modo como fazer, dadas as contradições entre os Estados.

Como a UE é um conjunto de Estados com diferentes políticas de defesa é evidente que os grandes gostariam de unificar forças militares para serem eficazes, mas o problema real é: ao serviço de quem e de quê ?  

A política neoliberal é muito previsivelmente incapaz de conseguir tal desígnio porque ela funda-se na hierarquia do país mais forte que é a Alemanha, o que não é aceite nem pela França, Polónia e até Reino Unido, de fora da UE.

Resta levar à prática uma outra política de paz, desarmamento e cooperação. É preciso desarmar e não de armar. A mais firme e eficaz política de segurança europeia é partir para o desarmamento pan-europeu com a Rússia e os EUA. A Rússia faz parte da Europa e nunca irá sair do continente; os EUA não são europeus, mas pelo seu peso no mundo e face à NATO é benéfica a sua participação numa tal política.

Não há que ter medo – o desafio é desarmar e nunca armar. É preciso diminuir o armamento na Europa conjuntamente com a Rússia, criar um clima normal entre gente normal que quer viver dignamente onde que que viva no continente cuja História exige outra responsabilidade.

A Ucrânia não poderá ser uma ferida a sangrar no continente. Após o conflito é necessário abrir canais de cooperação para reestabelecer medidas de confiança entre os povos envolvidos no conflito. Talvez, porque não, uma Conferência Europeia para a Paz e a Cooperação entre todas as nações. Este é o caminho. Se a guerra terminar é preciso que nunca mais se reacenda, como aconteceu já também acontecera na Jugoslávia.

Creio com todas as forças, que quando os figurões do armamento pedem mais dinheiro para a indústria da morte, é preciso que os povos toquem os sinos a rebate para acordarem as consciências da paz. Em pleno século XXI só a paz é a nossa humanidade e a guerra a nossa bestialidade. A Europa não precisa de mais pilhas de cadáveres, antes necessita de conhecimento, sabedoria, cooperação e sempre as pombas da paz nas mãos dos nossos filhos e netos que da Rússia à Península ibérica, da Escandinávia aos Balcãs, para que se cumpra o sonho de dar uma chance à paz, como cantava John Lennon.

 22 de Novembro de 2025


https://ochocalho.com/2025/11/22/4267/

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Vladimir Putin - Sobre a OME na Ucrânia (2022)


+ Vladimir Putin

Nunca quis uma guerra e nunca comecei.

O que estamos a fazer não é guerra.

Eu lancei uma operação militar para salvar o meu povo de fascistas neonazis que há anos matam pessoas pacíficas e inocentes, russos e não só russos na Ucrânia eu lancei uma operação militar para defender o meu país das bases da NATO.

Comecei uma operação militar para parar a nova ordem mundial porque esta ordem é contra a humanidade.

Se eu começasse uma guerra tudo pareceria diferente, estou a dizer-te!

A Rússia vai usar todas as armas, fundos, só se for atacada por um ataque nuclear e espero que o mundo não pague pela Ucrânia ou melhor pelo fascismo na Ucrânia.

Guerra nuclear significa o fim do mundo e eu não quero isso.

Zelensky convoca a NATO para uma guerra nuclear e espero que eles não cometam um erro tão grande porque colocam em risco a segurança do mundo. Suas armas nucleares mesmo que sejam dirigidas a nós, o mundo inteiro pagará porque as armas nucleares não caem num só lugar e 15 armas nucleares são suficientes para destruir a terra.

É impossível viver neste planeta. Eu não quero uma guerra, e como eu não tenho uma guerra, eu lancei uma operação militar!

Quero um mundo bondoso onde as pessoas possam ser pessoas, quero um mundo puro de pessoas de fé, quero um mundo sem fascismo.

Quero beber água limpa e respirar ar puro.

Se o que eu comecei na Ucrânia fosse uma guerra, não restaria nada da Ucrânia. Protegemos e preservamos os pacíficos, inocentes e civis. Guerra é quando civis, inocentes, paz não são protegidos, guerra é o que a NATO faz em todo o mundo. A Rússia na sua história sempre lutou para salvar vidas.

Muitas pessoas no mundo hoje culpam a Rússia e a mim simplesmente porque muitas pessoas não sabem nada, e a propaganda contra nós é bem enorme, mas eu sei que hoje amanhã ou um dia o mundo vai entender.

Muitos no mundo não sabem que há anos os fascistas ucranianos preparam uma guerra contra a Rússia e atrocidades contra os russos e outras nações, mesmo contra os seus. Durante anos e anos..

O que faria outro país, não sei, mas nós somos a Rússia, e sempre nos protegemos, ao nosso país e ao povo, até ao mundo e claro que já nos provamos muitas vezes na história do mundo.

Eles vão entender porque existe essa guerra e qual é o propósito, tudo tem seu tempo.

Claro que continuam a dizer que a Rússia vai perder, mas como é possível um cenário destes? Não temos oportunidades a perder quando se trata de nós mesmos e da nossa segurança.

Se eu não tivesse começado uma operação militar, a 3a Guerra Mundial teria começado.

Ucrânia, o governo ucraniano ameaça a nossa segurança, e nós temos o dever de nos defender. Se espera que reajamos quando ameaçam a Rússia, não conhece a Rússia.

Eu não quero uma guerra com a NATO UE e a Ucrânia vamos salvar o nosso país e o nosso povo isto não é uma guerra. Isto é a salvação.

Quando se trata de escalada, estamos prontos para as nossas respostas no caso de outras partes intervirem e começarem uma guerra contra nós, e a nossa resposta será relâmpago e destrutiva.

Quando o assunto é grandes, fortes, como as armas nucleares, saliento que a Rússia tem muitas armas fortes, mas espero que não as usemos para a estupidez da Europa e da NATO.

A guerra moderna contra a Rússia não pode ser ganha no campo de batalha. Seja nosso amigo e não existe melhor amigo do que a Rússia para um país e para uma pessoa.

E este é o comentário da mulher russa👇

"Por que estou chorando? "Porque estou feliz, feliz por salvar o nosso país e o nosso povo, e o que farias no meu lugar, problema é teu.

Sim, o que está a acontecer na Ucrânia é uma tragédia, mas a Rússia não tem culpa desta tragédia porque outros começaram uma guerra contra nós e nós nos defendemos.

E com minha alegria e honra, a Rússia sempre defendeu seus cidadãos, o País e os interesses nacionais. Nunca vamos parar de nos defender.

E não vou comentar essas palavras porque sei que a maioria dos russos pensa e considera da mesma forma...


quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Helder Moura - (560) A apropriação do ciclo do caranguejo

  •  hélder moura
  •  03.12.25

Estes ciclos biológicos há muito que são do conhecimento e prática dos nossos mandantes como forma de conservar o poder.

É preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma, C. Malaparte.

A Polícia de Cincinnati afirma que até ao final deste ano, 90% de todas as ocorrências serão primeiro atendidas por um drone.

Não nos vamos espantar quando virmos os novos drones para ambientes interiores a percorrer as nossas casas.

Em 1935, o médico, geógrafo e cientista social brasileiro Josué de Castro, publica O Ciclo do Caranguejo, onde descreve a vida de extrema pobreza de famílias que vivem num mangue da cidade do Recife, em que não tendo mais nada para comer que caranguejos aí apanhados que lhes provocam diarreia que acaba servindo para alimentar outros caranguejos que por sua vez vão servir para alimentar as famílias, num ciclo de interdependência que constitui o ecossistema do mangue.

Estes ciclos biológicos há muito que são do conhecimento e pratica dos nossos mandantes como forma de conservar o poder. Veja-se, por exemplo, o que se passa na educação, nos serviços de saúde, nas polícias, etc.: não se dão condições aos serviços para funcionarem, incentiva-se a insatisfação, propõe-se então a solução desejada, deixam de mostrar as manifestações de insatisfação, o sistema continua a funcionar.

Como variante, Estes ciclos biológicos há muito que são do conhecimento e pratica dos nossos mandantes como forma de conservar o poder.. Por exemplo, convencem-nos que é uma poupança económica dotar as forças de polícia com armamento do exército, e nós acreditamos, esquecendo que a utilização de novos armamentos e proteções implica sempre a adoção das táticas que lhes vêm associadas.

Skydio é uma empresa americana fundada em 2014 que em poucos anos passou de uma relativa obscuridade para a maior fabricante de drones nos EUA. Os seus drones quadricópteros com IA, povoam hoje os céus das cidades americanas.

De acordo com uma pesquisa efetuada por Nate Bear, nos últimos 18 meses quase todas as grandes cidades americanas assinaram contratos com a Skydio, incluindo Boston, Chicago, Filadélfia, San Diego, Cleveland e Jacksonville. Atualmente, a empresa tem contratos com mais de 800 agências de segurança em todo o país.

Os seus drones têm estado a ser utilizados pelos departamentos de polícia municipais e outros organismos (como Universidades), para recolherem informações em protestos, ajuntamentos e outros.

 Em Atlanta, a empresa fez uma parceria com a Fundação da Polícia para instalar uma estação permanente de drones dentro do Centro de Formação de Segurança Pública de Atlanta. Detroit, gastou recentemente quase 300 mil dólares na aquisição de catorze drones, de acordo com um relatório de compras da cidade. A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA também comprou trinta e três drones capazes de rastrearem e perseguirem automaticamente um alvo.

Um porta-voz da polícia de Nova Iorque, que foi uma das primeiras a adotar os drones Skydio, declarou recentemente a um site de notícias que o Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYPD) realizou mais de 20.000 voos em menos de um ano com 41 drones, o que significa que os drones são lançados pela cidade 55 vezes por dia.

O sistema de IA por detrás destes drones é alimentado por chips da Nvidia que permitem a sua operação sem um operador humano. Possuem câmaras de imagem térmica e podem operar em locais onde o GPS não funciona. Também reconstroem edifícios e outras infraestruturas em 3D e podem voar a mais de 48 quilómetros por hora.

Antes de março deste ano, as regras da FAA determinavam que os drones só podiam ser utilizados pelas forças de segurança dos EUA se o operador mantivesse o drone à vista. Também não podiam ser usados ​​sobre ruas movimentadas da cidade.

Mas, uma isenção da FAA emitida nesse mês, veio permitir que a polícia e as agências de segurança operassem drones para além da linha de visão e sobre grandes multidões. Sem a necessidade de ver o drone, e com os drones livres para sobrevoarem as ruas da cidade, a polícia está cada vez mais a enviar drones em vez de polícias para atender ocorrências e para fins de investigação mais abrangentes. Cincinnati, por exemplo, afirma que até ao final deste ano, 90% de todas as ocorrências serão atendidas primeiro por um drone.

Esta ampla cobertura é possível devido à plataforma de acoplamento da Skydio. Estas plataformas estão posicionadas em locais estratégicos da cidade, permitindo que os drones sejam carregados, lançados e aterrem remotamente a muitos quilómetros de distância das sedes da polícia. Após o lançamento, todas as informações recolhidas durante os voos são guardadas num cartão SD interno e enviadas automaticamente para um software específico configurado para uso policial.

 Este software é desenvolvido pela Axon, um dos principais financiadores da Skydio, e permite, segundo um comunicado de imprensa da Axon, "o envio automático de fotografias e vídeos captados por drones para um sistema digital de gestão de provas".

Acontece que a Skydio é também um grande fornecedor do Departamento de Defesa, tendo assinado recentemente um contrato para fornecer drones de reconhecimento ao Exército dos EUA. Como fornecedor significativo tanto para as forças militares como para as forças de segurança civis, isto tem levantado algumas velhas questões (sempre atuais) sobre quais são ou serão as informações partilhadas entre os militares dos EUA e as agências de segurança interna através do sistema de gestão de provas digitais da Skydio-Axon.

Se nos lembrarmos que os conflitos são sempre os grandes laboratórios para o desenvolvimento das novas tecnologias de vigilância, onde elas são testadas, e se verificarmos que neste caso da Skydio ela captou centenas de milhões de dólares de capitalistas de risco israelo-americanos bem como de fundos de capital de risco com amplos investimentos em Israel, incluindo a empresa de Marc Andreessen, a Andreessen Horowitz, e que as Forças de Defesa de Israel (IDF) têm intensivamente usado os seus drones, não nos iremos espantar quando para o próximo ano virmos novos  drones para ambientes interiores a percorrer as casas das cidades americanas (e não só).

Tudo, evidentemente, a Bem da Nação.

https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/

Raul Luis Cunha - Apelo a Greve Geral



*  Raul Luis Cunha

Caros Amigos,

Este texto é apresentado por força de estar anunciada uma próxima greve geral dos trabalhadores portugueses, a qual já está a ser criticada e mimoseada com os piores epítetos pelos saudosistas do anterior regime, malandragem e carpideiras do costume. Assim e porque a minha condição de militar reformado não me permite aderir, aqui manifesto deste modo a minha solidariedade com os grevistas porque creio que todos nós desejamos um Portugal melhor, porque também não queremos ter vergonha do nosso País e porque estou convicto que não queremos que nos afundem na barbárie e no fascismo.

Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para não comprometer o futuro de Portugal, porque o presente e o passado recente não podem ser mudados com novas leis iníquas, por mais que haja alguns para quem isso não esteja bem claro. E, embora os Militares de Abril antifascistas tenham escrito os capítulos mais importantes desse passado recente, temos agora de nos recusar a ficar reféns daqueles para quem a saudade do Estado Novo nunca acaba. Hoje, cinquenta e um anos após o 25 de Abril estamos quase a ficar reféns dos que verdadeiramente odeiam a nossa Pátria e que aproveitam as crises sociais, para semear o ódio e pregar mentiras e falácias – arruaceiros e vendidos que estão a exercer esse mister criminoso.

Temos presente todos aqueles que ainda defendem a nossa Pátria das falsidades com as sua ações – operários, comerciantes, agricultores, artistas, comentadores, intelectuais, escritores, cientistas, militares e jornalistas, que os neofascistas querem mandar para o exílio e/ou transformá-los em marginais no seu próprio País; fazemos parte da cultura viva deste país, somos a herança do século XXI. E ninguém tem o direito de nos dizer que não temos a razão e a justiça do nosso lado.

Nenhum de nós escolheu os seus antepassados, mas escolhemos quem fomos, somos e seremos. Os filhos e netos não são culpados nem obrigados a continuar as ações dos seus antepassados, mas todos somos extremamente responsáveis pelas nossas ações de hoje. Assim, é de assinalar e louvar todas as mães e pais que ensinaram os seus filhos a não dividir e odiar as pessoas com base na origem, religião, etnia, cor da pele ou orientação sexual. Quem assim fez concedeu aos seus filhos o melhor dos sentimentos – o respeito pelo próximo. Pelo menos, esses descendentes não vão aterrorizar, intimidar e agredir os seus pares só porque são diferentes deles.

Saudamos a todos os cidadãos deste país que não são culpados nem podem ser condicionados nos seus destinos e que sentem o que significa ser membro de uma qualquer minoria nacional; os cidadãos portugueses de raça negra ou ciganos que alguns desejam proibir de respirar. Este país tem tanto orgulho de Eusébio e Quaresma, como de vários outros atletas, artistas e cientistas portugueses de outras raças. Vós sois nossos amigos, vizinhos, colegas e parentes e nós não desistimos de vocês! Vós sois Portugal!

Alguns portugueses, de mau carácter, reclamam que as minorias nacionais e os migrantes ainda mais pobres não querem trabalhar e só vivem das ajudas do estado, mas a realidade é que a maioria deles fica com os empregos que aqueles rejeitam por serem menos dignos e que, graças a eles, as nossas ruas e casas são limpas, a comida e géneros nos são trazidos, nos transportam onde pedimos, etc. e assim contribuem para o nosso bem-estar e para o orçamento nacional.

Não são as minorias nacionais nem os migrantes que nos tornam pobres, mas sim os maus e venais políticos neoliberais e neofascistas e os criminosos empresários ao serviço dos grandes grupos económicos, numa busca incessante de prebendas, regalias e riquezas imerecidas. Veja-se a miserável lei que gerou a revolta de quase todos os trabalhadores e levou a esta greve geral. A nossa sociedade deveria responsabilizar esses políticos pois eles é que são os verdadeiros culpados pelas condições em que estamos a viver agora e que eles querem agravar. Deveriam ser penalizados fortemente em próximas eleições, já que em termos criminais conseguem ficar isentos, devido às muitas deficiências de um sistema judicial lento e tolhido pela prática malévola de alguns dos seus agentes. 

Nós apenas queremos viver em paz e liberdade em vez de conflitos, insegurança e agitação permanentes na sociedade: e a segurança no trabalho, o conforto, a paz e a liberdade não devem ser um privilégio para alguns escolhidos.

Não ficaremos calados enquanto houver desigualdades e injustiças a serem cometidas no nosso país pelos corruptos e criminosos neoliberais e neofascistas. Não ficaremos em silêncio enquanto houver a possibilidade de falar e escrever, e se não houver, iremos inventá-la. Não serão necessárias grandes frases e tiradas brilhantes para esse efeito, apenas uma pena afiada, honestidade e nada temer!

Para terminar, deixo-vos com o conhecido poema de Bertold Brecht, que nos adverte sobre o que acontece a quem fica em silêncio:

Primeiro levaram os negros.
mas não me importei com isso. Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários.
mas não me importei com isso. Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis.
mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados.
mas como tenho o meu emprego, também não me importei.
Agora estão a levar-me.
mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.

2025 12 03


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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Tiago Franco, - UMA SAFRA DE FILHOS DA P*TA |

* Tiago Franco

O dia já estava destinado a ser mau e portanto, comecamos logo pelo título a mostrar a paciência que vai embrulhada na escrita. Já lá vão 5 dias desde que deu à costa a operação "safra justa", um esquema de escravatura levado a cabo no Alentejo (Beja), controlado por 10 GNRs e 1 PSP, num conjunto de herdades agrícolas que, aparentemente, não pertencem a ninguém. Há várias reflexões que me parecem interessantes tirar daqui. Algumas óbvias, outras nem tanto.

1 - Quem são os donos das herdades? Estão presos? 

2 - Percebem, através de casos como este (já nao é o primeiro), como o discurso de ódio contra imigrantes os deixa mais vulneráveis e sujeitos a estas redes de escravatura? 

3 - O Chega fez dos imigrantes o seu alvo favorito nos últimos 2 anos. As forças policiais são, entre os vários sectores profissionais, aquele em que o Chega tem melhor penetração de quadros. Conseguem perceber o sentimento de impunidade e libertação de consciência que isso assegura, no tratamento com imigrantes, de alguns elementos das forças de segurança?

4 - Tem sido tema dos debates presidenciais que 40% do trabalho no sector agrícola é garantido por mão de obra imigrante. Muita dela em regime de pura exploração. Sabendo que Portugal precisa de mão de obra e que o governo de extrema-direita vai dificultar a entrada de imigrantes, todos percebemos o que vai acontecer, não é? As redes clandestinas vão aumentar porque, havendo a necessidade económica de ter o trabalhador, certamente o tráfico se encarregará de o fazer chegar ao seu destino.

5 - Há alguém, entre os "portugueses de bem", que veja os imigrantes a serem tratados como escravos, odiados, enquanto pagam impostos (de uma forma geral) e aguentam a segurança social, e no fim, se sinta ligeiramente envergonhado? Há algum apoiante do Chega que veja um caso destes e perceba a quantidade de tangas que lhe dizem diariamente no tik-tok?

6 - Por fim, há algum jornalista que tenha o Cotrim por perto e lhe possa pedir para repetir aquela frase, icónica, de que "os empresários portugueses não pagam mal por desporto"? 

Não é por desporto, não. É mesmo por crueldade e uma ganância sem limites. Que absoluta vergonha que sinto a ler sobre casos de escravatura, no meu país, em pleno século XXI. Que puta de injustiça na forma de tratar outro ser humano.

Dito isto, quero apenas perceber duas coisas. O tempo que o ministério público demorará a formalizar uma acusação aos donos das herdades e, que reação oficial terá o Chega, o partido incitador do ódio contra os imigrantes.

Portugal torna-se, a cada dia que passa, um local menos recomendável. Isto sim, é que é uma vergonha.

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Ps - 1000 comentários depois, algumas centenas da ganadaria, resolvi dar aqui uma ajuda na compreensão de textos. Não está escrito em lado nenhum que o mau trato a imigrantes começou com o Chega ou que não havia abusos na agricultura antes de 2019. O que se tenta explicar (talvez eu deva começar a usar desenhos), é que o incitamento ao ódio que é todo o programa eleitoral do Chega, deixa imigrantes, já de si em situações problemáticas, ainda mais vulneráveis. Há hoje em dia uma espécie de carta branca na sociedade para se odiar imigrantes ou ser racista sem complexos.

2025 12 02

https://www.facebook.com/tiago.franco.735/posts 

João Costa - Três Joanas Gorjão Henriques para cada Ventura



* João Costa

Professor universitário, ex-ministro da Educação

Não precisamos de nenhum Salazar, mas precisamos de muitos jornalistas como a Joana Gorjão Henriques. Que sai da espuma dos dias para investigar e mostrar o que não vemos nas bolhas do privilégio em que estamos. Que sabe onde estão os imigrantes todos os dias. São os que cuidam de nós
Tive a oportunidade de ver esta semana o documentário Racismo. Uma descolonização em cursode Joana Gorjão Henriques e Mariana Godet. Recomendo vivamente a todos os que procuram perceber o fenómeno do racismo em Portugal. Aprendi, espantei-me sem me surpreender e comovi-me. Sobretudo, vi novas portas abertas para percebermos o racismo num país em que ele sempre existiu, mas que agora o encontra legitimado no discurso político.

Este documentário mostra a realidade dos últimos anos do colonialismo português, como era a relação entre brancos e negros, tendo eu encontrado o seu máximo valor nas entrevistas feitas a quem cresceu em África e percebeu, mais tarde, a banalização da discriminação que não via em criança.

Os negros era menos pessoas e ninguém achava estranho. Os negros viviam em condições sub-humanas e isso não era questionado. Na casa dos patrões, mas sem direito a cama. A cuidar das crianças dos brancos, mas sem poderem ter as suas. Eram vistos como seres menores, que serviam para servir. As mulheres podiam ser usadas, apenas porque eram negras, podendo ser violadas de formas que não se admitiam possíveis nem legítimas fossem elas brancas.

Impressiona ouvir o relato de uma das entrevistadas, que tem hoje a consciência de que, ao vir a Portugal, advogava valores certos, mas ao regressar a África assumia de novo a normalidade do mal. Porque lá era simplesmente assim.

Este é um documentário sobre a banalização do mal. Não há culpas nos que cresceram assim e só muito mais tarde perceberam que esse “assim” não tinha razão de ser e era iníquo. Há, porém, muitas culpas em quem fomentou e alimentou este regime para lá de todos os tempos em que o colonialismo já tinha sido identificado como inaceitável por todo o mundo. As colónias alimentavam os vícios de uma metrópole em que a ditadura se prolongava, alimentada pela exploração de partes do mundo, com o dinheiro de formas não oficiais de escravatura e com esquemas de corrupção escondidos para sustentar o status quo político e social. O mal banaliza-se quando nem sequer é questionado, como este documentário tão bem mostra. O outro estava lá para servir e os seus direitos não existiam. Os poucos direitos que conseguiam ter eram vistos como um favor daqueles que eram servidos. Não questionar a igualdade de direitos, porque se considera que o outro é diferente, é viver na bolha da indiferença.

Joana Gorjão Henriques e Mariana Godet instam-nos a refletir sobre este passado para percebermos o presente assustador para que nos precipitam. São demasiados assuntos não resolvidos e feridas que não sararam. A fuga dos brancos, deixando para trás o que era seu, foi associada, explícita ou implicitamente, a uma apropriação dos seus direitos por aqueles que se habituaram a ver como não os tendo. Muitos dos que chegaram e foram alvo de ódio canalizaram a sua frustração para aqueles que ficaram nos seus lugares e que não eram vistos como iguais. O ressentimento veio nas malas e nunca foi desempacotado. Há uma aceitação da superioridade de uns sobre os outros, que nunca foi superada, ainda que tenha ficado em modo mais ou menos latente durante algumas décadas.

Cresci a ver racismo por todo o lado. Sobretudo entre os utilizadores frequentes da adversativa. “Não sou racista, mas…”. O que não era racista, mas não gostava que a filha namorasse com um negro. O que não era racista, mas achava que eles não “falavam bem” O que não era racista, mas preferia não morar no mesmo prédio que os outros. Estes “mas” não foram suficientemente observados nem escrutinados e vivemos demasiado tempo na ilusão de que não havia um problema estrutural a tratar no nosso país. Joana Gorjão Henriques e Mariana Godet desmontam bem as narrativas que ainda invadem a forma como aprendemos história de Portugal. Onde está o colonialismo fofinho português nos relatos da escravatura recente do trabalho não pago, nas fotos que se tiram com o direito a tocar no peito das mulheres negras ou no recrutamento de trabalhadores forçados a deixar as suas famílias? Entender que tudo não passou de uma narrativa montada, e ainda alimentada, é fundamental para percebermos o recrudescimento da violência racial. Convencemo-nos que éramos bons, por isso não podemos acreditar que ainda hoje podemos viver a herança dos sentimentos maus fomentados.

Hoje interessa à extrema-direita alimentar o ressentimento e o ódio. Encontrar novos e velhos culpados por tudo o que nos corre mal. Oportunistas e cobardes, atacam os que já são mais vulneráveis. André Ventura quer expulsar os imigrantes, mas fica atrapalhado quando se lhe pergunta por que motivo não fala sobre os milionários extrativistas. Não fala porque não lhe convém, porque sabe que é mais fácil construir em cima de ódios reprimidos. O Chega pede três Salazares para “pôr ordem” em Portugal. Mente sobre o passado para iludir sobre o presente e reza para que ninguém veja estes documentários, que mostram os discursos sinistros e enganadores do próprio Salazar, a negar as evidências, corrupto, a mentir sobre o que se passava em África.

Não precisamos de nenhum Salazar, mas precisamos de muitos jornalistas como a Joana Gorjão Henriques. Que sai da espuma dos dias para investigar e mostrar o que não vemos nas bolhas do privilégio em que estamos. Que sabe onde estão os imigrantes todos os dias. São os que cuidam de nós. Os que já se foram embora quando chegamos aos nossos locais de trabalho e fizeram tudo o que nenhum português quer fazer. Andam nos transportes em sentido contrário e não têm direito de ver os seus filhos acordar, porque ainda não chegaram a casa. Para cada entrevista a André Ventura, façam duas entrevistas às vítimas do seu racismo. Hoje como ontem, começa-se a encolher os ombros a cada disparate dito pelos amigos do Chega, como se fosse apenas mais um. O problema é que, de cada vez que encolhemos os ombros, voltamos a banalizar este ódio pela cor da pele do outro.

Para cada Ventura, três Joanas, porque três Venturas não valem um terço de Joana. Para pôr ordem neste mal, para nos lembrar que é pela informação e pelo conhecimento que vamos. Levem documentários como este às escolas e ajudem os mais jovens a perceber a diferença entre a profundidade da investigação e a boçalidade irresponsável dos tik-tok da extrema-direita.
 2025 12 02

https://expresso.pt/opiniao/2025-12-02-tres-joanas-gorjao-henriques-para-cada-ventura-60cb83a5

Rui Pereira - O CANTO DA SEREIA LIBERAL E OS PUXADORES DE CARROÇA


Publicação de Rui Pereira


2025 12 01

Quando a 18 de novembro deste ano (2025) Miguel Maya, presidente do BPI, reivindicou maior liberdade para despedir, alegou que “há muita gente nas empresas que não puxa a carroça" [1]. Outros banqueiros disseram coisas parecidas, num seminário promovido pela sua imprensa, Jornal de Negócios, sob o título, “A Banca do Futuro”.

Pela mesma altura em que o banqueiro tratava os trabalhadores como bestas de carga, e igualmente embalado pelo extremismo da direitização da vida política do país, o candidato “liberal” a PR, João Cotrim de Figueiredo, em diálogo na CNN com os comentadores residentes da estação, Pedro Costa e Francisco Rodrigues dos Santos, defendeu, por exemplo e sem se rir, que uma maior liberdade de despedimentos produz uma melhoria do nível salarial.

Já em debate com o candidato comunista, António Filipe, o “liberal” Cotrim de Figueiredo meteu a viola no saco e, escandalizando os mais hardcore defensores da selvajaria neoliberal em Portugal, recuou em toda a sua linha habitual de argumentação “liberal”. Quem duvidar volte atrás, como eu fiz, e veja a emissão, incluída a reação de Miguel Pinheiro (ex- O Diabo e hoje diretor executivo do “Observador) que, sobressaltado de indignação, sublinhou como o Papa liberal “concordou com o PCP”, rematando com um eloquente “quero lá saber do Cotrim de Figueiredo”, entre outros mimos com que lhe atribuiu uma copiosa “derrota” no debate com Filipe.

Tem e não tem razão, Miguel Pinheiro. Tem razão, Miguel Pinheiro, do seu ponto de vista de propagandista cujo salário lhe é pago pelos seus patrões liberais, independentemente de “O Observador” dar lucro ou prejuízo, porque o seu negócio é outro. Não tem razão Miguel Pinheiro do ponto de vista de quem tem de, árdua e mentirosamente, ganhar os votos que asseguram eleitoralmente o sistema que permite aos patrões de Miguel Pinheiro pagarem-lhe o ordenado, como é o caso, entre outros, de João Cotrim de Figueiredo.

O motivo é simples. É que tanto nos nossos dias como historicamente, o liberalismo podia inspirar qualquer história do tipo “A Bela e o Monstro”, sendo a primeira a doutrina e o segundo a sua prática. Profundamente antidemocrático (ver de Benjamin Constant “A liberdade dos antigos comparada à dos modernos”, de 1819, ou o Alexandre Herculano, que bem se proclamava “liberal dos quatro costados e antidemocrata" [2]), o liberalismo nunca passou de uma cobertura lírico-doutrinária para sustentar, ocultando-as, as novas e tremendas modalidades de exploração do trabalho pelo capital industrial primeiro e industrial-tecno-financeiro por fim.

Da “mão invisível” de Adam Smith, na Teoria dos Sentimentos Morais (de 1759) à regra de não intervenção estatal na fixação dos salários, de David Ricardo, passando pelo John Locke do Relatório para a Comissão do Comércio de 1699 em que prescrevia que “os vagabundos válidos de 14 a 50 anos apanhados a pedir deveriam ser condenados a servir três anos na Frota, para os que vivem nos condados junto ao mar, ou a trabalhar três anos na workhouse, para os restantes” e que “os pedintes com menos de 14 anos deviam ser chicoteados e colocados numa escola de trabalho” [3], todos estes dispensam o mal-amado liberal e melhor-esquecido reverendo Malthus, para quem “um homem que nasceu num mundo já partilhado, se não pode obter dos seus pais a subsistência que justamente lhes pode pedir, e se a sociedade não tem necessidade do seu trabalho, não tem nenhum direito de reclamar a mais pequena porção de alimento e, de facto, está a mais. No grande banquete da natureza não há lugar vago para ele. […] o rumor de que há alimentos para todos que chegarem enche a sala de numerosos reclamantes. A ordem e a harmonia da festa são perturbadas, a abundância que aí reinava transforma-se em escassez e a felicidade dos convivas é destruída pelo espectáculo da miséria e do embaraço que reinam em toda a sala”[4].

Em “A Grande Transformação”, Karl Polanyi descreveu esta guinada histórica como uma “mutação antropológica” em que a humanidade inscreveu pela primeira vez na sua história a (livre) hipótese da morte por inanição. Esse é o grande feito do capital que o liberalismo pretende ocultar, com a sua teologia genérica de uma "liberdade" em abstrato, que sempre que procura concretizar se vê tansformada num bem de consumo. E, para o conseguir, não pode investir com o seu argumentário de plástico contra a solidez de um candidato de origem comunista, bem preparado, como António Filipe. Sei que Cotrim lamenta, caro Miguel Pinheiro. “Mas, da próxima vá lá você ou peça a algum banqueiro para o fazer por si”, pensará o liberal Cotrim com os seus botões, entre muitas outras cogitações que decerto não deixará de fazer.

[1] Para as declarações de Maya: https://www.tsf.pt/.../banca-defende-reforma-da.../18021216

[2] Citado em Sottomayor Cardia (1998) Cinco Tipos de Democracia Institucional (p. 314). In Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n.° 12, Lisboa, Edições Colibri (pp. 309-316)

[3] Beaud, Michel (1992], História do Capitalismo de 1500 aos nossos dias. Teorema p. 42

[4] Beaud, id. p. 105.

 https://www.facebook.com/ruiampereira/posts/ 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Presidenciais 2026 - Entrevista a André Ventura

Ventura assume que falhar segunda volta das eleições presidenciais "é mau e é uma derrota"

Líder do Chega assume que, para 18 de janeiro, objetivo é "ganhar" ou garantir passagem à segunda volta. "Não há como mascarar a realidade se isso [não passar à segunda volta] acontecer", assume.

* Agência Lusa, Texto

O candidato presidencial André Ventura admite que não passar a uma segunda volta das eleições de janeiro será uma derrota e que, se lá chegar, será uma batalha difícil, porque estarão “todos contra” si.

“Eu estou a levar esta eleição em duas etapas. Há uma meta que é o dia 18 [de janeiro], nessa meta nós queremos vencer ou passar à segunda volta das eleições. Portanto, isto significa ou primeiro ou segundo lugar, e acho que estamos bem encaminhados para isso”, afirmou.

Em entrevista à agência Lusa no âmbito das eleições presidenciais de 18 de janeiro, o candidato a Belém admitiu que, se não conseguir cumprir o objetivo de passar a uma eventual segunda volta, “é mau e é uma derrota”.

“Se não estiver [na segunda volta], é sinal de que o Chega e eu próprio não atingimos nesta eleição o objetivo. Não há como mascarar a realidade se isso acontecer, porque é praticamente impossível ter um valor próximo das legislativas e não ir à segunda volta”, disse, referindo que “não atingir um valor próximo significaria que houve um voto de não acompanhamento por parte do eleitorado”.

“É uma derrota, só em partidos estalinistas ou leninistas é que as derrotas se tornam vitórias. Há momentos que são de derrota e há momentos que são menos bons na vida política. Saber assumi-lo é também um ato de grandeza democrática”, sustentou André Ventura.

O candidato a Presidente da República e líder do Chega indicou que o partido “continuará o seu caminho” e ele próprio fará “a avaliação que tiver que fazer disso”.

“Saberei ler os sinais que o eleitorado transmitir, mas evidentemente que se não for à segunda volta não foi um resultado positivo. Mas estou mesmo convencido que isso não vai acontecer, estou mesmo convencido que vamos ter uma segunda volta e que eu estarei nessa segunda volta”, salientou.

Ventura considerou que essa será a “batalha mais difícil, talvez da [sua] vida toda”, porque acredita que “se vão juntar todos” contra si, que “o sistema todo vai se juntar contra a candidatura”.

“Eu acredito que seja possível ganhá-la, mas vai ser uma luta muito difícil para mim e para o país”, admitiu.

“Seja quem for o adversário, mesmo que o adversário fosse, ou venha a ser, António José Seguro, tenho praticamente a certeza de que o PSD vai recomendar o voto em António José Seguro, porque sabe que eu sou uma ameaça ao ‘statu quo’ e uma ameaça ao domínio das instituições por estes dois partidos”, disse, antecipando que pode acontecer o mesmo com Gouveia e Melo ou até António Filipe.

O candidato mostrou-se também curioso sobre o que fará o PS caso venha a disputar uma segunda volta com Luís Marques Mendes: “Não que eu queira o apoio do PS, o mais distante disso possível, mas é curioso verificar se o PS vai entrar na segunda volta dizendo para se votar em Marques Mendes”.

André Ventura disse também não ter um adversário preferencial para a segunda volta, mas está convencido de que será Henrique Gouveia e Melo, e assumiu-se como “o adversário mais difícil na primeira volta”, mas “o mais fácil” de derrotar numa segunda.

Ventura dissolve Parlamento se houver “suspeita de corrupção grave” envolvendo primeiro-ministro

O candidato presidencial André Ventura dissolvia o parlamento e convocava eleições antecipadas perante um caso de “suspeita de corrupção grave” sem explicação convincente, envolvendo um primeiro-ministro, mesmo que o Governo fosse suportado por uma maioria absoluta.

“Para ser o mais claro e não estar aqui com reservas mentais, se um primeiro-ministro, por muita estabilidade que tivesse, inclusive se tivesse uma maioria absoluta, for suspeito de corrupção, não conseguir explicar essas suspeitas, e a informação que for dada ao Presidente da República é de que estas suspeitas são sérias, fundamentadas, fundadas e com indícios fortes, então eu acho que, nesse caso, com uma suspeita de corrupção grave, nós devemos dissolver a Assembleia da República e chamar o país a votos”, afirma o candidato a Belém em entrevista à agência Lusa.

Ventura admite que, perante novas eleições, o país poderia renovar a confiança no mesmo primeiro-ministro, criando “um drama institucional para um Presidente da República”.

“Eu tenho um perfil ativo, enérgico, e é assim que eu espero ser até ao final da minha vida. E, portanto, se tivesse que agir num caso de corrupção, agiria. Mas serei o mais ponderado possível para garantir que não lanço o país na instabilidade”, assegura.

O também líder do Chega refere-se a um cenário abstrato, apesar de o seu ponto de partida ser o caso da antiga empresa do primeiro-ministro, Luís Montenegro, que este passou aos filhos depois de uma polémica mediática que levou o Ministério Público a abrir um inquérito preliminar ainda sem resultado conhecido.

André Ventura considera que, no caso Spinumviva, acima de tudo “tem faltado a este primeiro-ministro” explicações.

“O caso Spinumviva tem características graves devido às suspeitas, não estou a dizer que elas são reais ou não, mas às suspeitas, enfim, de recebimento do indivíduo de dinheiro, etc. Isso é grave. Se eu fosse Presidente da República e o processo vier a desenvolver-se nos termos em que venha a desenvolver-se e o Ministério Público entender que deve avançar para um inquérito, o que significa que o primeiro-ministro será constituído arguido, acho que era importante, e é o que eu direi ao primeiro-ministro, que dê explicações não só em sede de justiça, mas também ao país”, precisou, acrescentando: “Eu avaliarei a sustentabilidade dessas declarações do ponto de vista da sua razoabilidade e da credibilidade que elas mereçam”.

“Não sou eu o juiz, evidentemente, mas é o Presidente da República, em funções naquele momento, que tem que dar uma palavra ou de confiança ou de entender que as instituições estão em causa e que não deve continuar”, sustenta.

“Eu tenho muitas críticas ao primeiro-ministro atual, mas consigo ter uma conversa com o primeiro-ministro. Acho que conseguiria dizer ao primeiro-ministro ‘isto são suspeitas graves, o que o primeiro-ministro tem que fazer é explicá-las e dar uma explicação sobre elas’ e exigir-lhe que fizesse isso”, acrescenta.

Ventura considera que “seria possível” levar o primeiro-ministro e evitar “um cenário de deterioração permanente”.

Caso se chegasse “a um ponto, enfim, que o primeiro-ministro fosse, tal como outros atores políticos, acusado, aí até há trâmites legais que são próprios, mas se as suspeitas fossem condensadas, evidentes e notórias, então eu acho que nem era preciso dizer ao primeiro-ministro para sair, eu acho que sairia pelo seu próprio pé”.

“Se eu for Presidente da República, espero que nunca aconteça e também não vejo nenhum motivo para isso, e houvesse uma acusação contra mim de corrupção, de desvio de dinheiro público, de enriquecimento ilícito, eu próprio, chegando ao momento de ver que havia coisas fundadas e reais, não tinha outra forma senão ir-me embora e sair”, conclui André Ventura.

Durante a entrevista, o candidato questionou a forma de nomeações para as instituições do Estado e empresas públicas, que considerou deverem ser repensadas, inclusivamente o caso do procurador-geral da República, apesar da consideração que disse ter para com o atual titular, Amadeu Guerra.

“Mas quando temos um sistema que nomeia o procurador-geral da República e é este procurador-geral da República, depois, que vai investigar quem o nomeou, é sempre um sistema frágil e é sempre um sistema que gera dúvidas de independência e de imparcialidade”, sustenta, alegando que o mesmo se passa com os titulares dos tribunais superiores e do Tribunal Constitucional.

“Faz sentido que o tribunal que controla os partidos políticos, e eu agora estou à vontade porque até somos o segundo maior partido, podíamos ter interesse em manter isto como está, derive destes próprios partidos políticos. Não seria de pensar isto como um todo, do ponto de vista de garantir a independência e a imparcialidade destas pessoas? Poderia ser o Presidente?”, questiona, concluindo: “Acho que temos que repensar um sistema que dê garantias de menor interferência política.

Ventura quer revisão constitucional para tornar Presidente um “ator político decisivo”

André Ventura defende uma revisão constitucional que reforce os poderes do Presidente da República, transformando-o num “ator político decisivo”, e promete “conduzir o país politicamente” a partir do Palácio Belém, designadamente com propostas concretas para a Justiça.

“A Constituição tem que consagrar um presidente que tem que ser mais do que um moderador. O presidente tem que ser um ator político decisivo, porque tem uma legitimidade política decisiva” que lhe advém de ser eleito diretamente com mais de 50% dos votos, justifica André Ventura, em entrevista à agência Lusa no âmbito da campanha para as eleições de 18 de janeiro.

O também líder do Chega considera que, no sistema atual, o “poder real” do Presidente da República “é o poder de veto, o poder de promulgar ou não promulgar, e esse poder, se não for utilizado, ou se não tiver capacidade e extensão de ser utilizado, nos casos mais dramáticos da vida nacional, acaba por ter pouca expressão”, tornando o chefe de Estado numa “espécie só de reduto de influência”.

“Se queremos levar a sério o cargo de presidente e justificar o salário que lhe pagamos, e o que gastamos com a presidência da República, então o presidente também tem que ter poderes concretos e reais”, sustenta.

Ventura entende que o presidente “não deve estar a ser um bloqueio, nem uma marioneta, nem uma muleta do Governo”, mas “deve ter os poderes mais especificados do ponto de vista do controlo, do escrutínio, da fiscalização” para que se saiba claramente “em que águas se move”, alegando que “isso hoje não é absolutamente claro”.

A partir de Belém, o também líder do Chega admite que não pode fazer propostas de revisão da lei fundamental, mas pode influenciá-lo.

“Se for Presidente da República, não terei o poder de fazer leis no parlamento, isso é uma evidência. Mas estou convencido de que não há nenhuma outra figura com tanta legitimidade e capacidade de influenciar o parlamento, até num processo de revisão constitucional, como o Presidente da República”, advogou.

Entre críticas a Marques Mendes e a “conversas de chacha” de Marcelo Rebelo de Sousa, André Ventura defende que seria importante eleger, pela primeira vez, um chefe de Estado “fora deste sistema partidário PS-PSD”, que nos 50 anos de vida democrática tem feito pactos na Saúde, Finanças, banca, “em tudo o que é setor público ou com influência pública”. Seria “uma garantia de independência e de luta contra o sistema”.

Mais do que romper com o sistema, o deputado e líder do Chega considera que “talvez a independência aqui até seja mais relevante”, aproveitando para atacar o seu adversário e ex-líder do PSD, Luís Marques Mendes, por “estar sempre a falar de independência”, mas ser “a linha direta, o apoio de Luís Montenegro, que é primeiro-ministro”.

“Ora, os portugueses gostam e querem um presidente que fiscalize a ação do governo, não um presidente que seja ou um pau-mandado, ou alguém condicionado pelo governo”, argumenta, acrescentando: “se é um presidente que tem conluio com o governo, isso não é bom para a democracia, é mau. E por isso eu percebo esta ansiedade [de Marques Mendes], automaticamente, em tentar desligar-se do Governo agora”.

Do mesmo modo, pretende combater a ideia de que o presidente é “uma espécie de senador reformado”.

“Eu não vou ser o Presidente da união fácil, de palavra certa e barata, confortável em todos os momentos. Nós não podemos tapar as clivagens, a polarização, os problemas com conversa de atleta”, disse.

Ventura promete travar uma batalha para convencer a opinião pública de que não é “nem uma jarra de enfeitar”, nem que irá estar “a dizer aquelas coisas banais, politicamente corretas”.

“Se votarem em mim no dia 18 de janeiro, vai haver uma mudança no estilo de Presidente da República”, assegura.

A partir de Belém, terá como prioridades a Justiça, as comunidades e os jovens, não se limitando a alertar que são precisas reformas, mas indicando ele próprio um caminho.

“Quero dar um sinal à reforma da justiça que ela tem que ser feita. E tem que ser feita em que sentido? Temos que garantir o fim destas penas suspensas que existem para muitos crimes, garantindo que as pessoas ficam presas em casos de abusos sexuais de menores, violência doméstica, que é um flagelo que temos em Portugal, o chamado crime contra o património, considerado às vezes pequeno crime, mas que é esse pequeno crime que vai gerando a insegurança nas pessoas”, aponta.

Segundo o candidato, todos os presidentes defendem reformas da Justiça, mas nunca dizem qual. “Eu ao menos digo qual é. É limitar recursos, porque nós temos recursos que nunca mais acabam, e temos que garantir que a pessoa tem direitos e que têm direito a uma justiça que funcione, imparcial, mas não pode ter direito a fazer mil recursos garantindo que as decisões nunca são efetivadas”, concretiza, numa alusão implícita ao processo Marquês.

“Acho que é preciso uma reforma da justiça e o presidente tem que ser o principal protagonista dela do ponto de vista político”, sublinha.

Segundo André Ventura, isso “não é governar, é conduzir o país politicamente”. “Eu estaria a ser um mau presidente e defraudaria completamente as expectativas das pessoas se lhes desse uma entrevista um dia ou dois depois de ser eleito Presidente da República e a minha conversa passasse a ser que temos que agregar vontades, temos que nos juntar todos, pensar a justiça a médio prazo e a longo prazo”, argumenta.

No decorrer da entrevista, quando abordava questões relacionadas com o processo Marquês, que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates, Ventura reitera críticas à imprensa portuguesa, sem apontar casos concretos, sobretudo ao que chamou o ativismo de muitos jornalistas.

“E acho que também os jornalistas, em grande parte, não são bons. E acho que temos um ativismo muito grande no jornalismo, é a minha opinião. Mas eu seria o último a condicionar a liberdade da imprensa. Mais, digo-lhe outra coisa. Podia ser o órgão de comunicação, não é o caso da Lusa, mas podia ser o órgão de comunicação que eu menos gostasse, eu tudo faria para garantir que ele não é nem censurado, nem silenciado, nem ameaçado com questões económicas ou de natureza societária”, disse.

https://observador.pt/2025/11/30/ventura-assume-que-falhar-segunda-volta-das-eleicoes-presidenciais-e-mau-e-e-uma-derrota/

Prabhat Patnaik - A propósito da "civilização ocidental"


Prabhat Patnaik [*]

De acordo com uma reportagem publicada no Times of India (23 de novembro), os Estados Unidos pediram aos países europeus que restringissem a imigração a fim de preservar a "civilização ocidental". Muitos no Terceiro Mundo considerariam o termo "civilização ocidental" ridículo, especialmente se for usado no sentido de denotar algo precioso e que vale a pena preservar. As atrocidades cometidas pelos países imperialistas ocidentais contra povos de todo o mundo ao longo dos últimos séculos foram tão horrendas que usar o termo "civilização" para encobrir tal comportamento parece grotesco. Desde o colonialismo britânico, que provocou fomes na Índia que mataram milhões na sua tentativa voraz de extrair receitas de camponeses infelizes, até à brutalidade indescritível do rei Leopoldo da Bélgica contra o povo do que antes se chamava Congo, passando pelos campos de extermínio alemães na Namíbia que liquidaram tribos inteiras, é uma história de crueldade horrível infligida a pessoas inocentes sem outra razão senão a pura ganância. Não é surpreendente, neste contexto, que Gandhi, quando questionado por um jornalista sobre o que achava da "civilização ocidental", tenha respondido ironicamente:   "seria uma ideia muito boa".

Mas vamos ignorar toda essa crueldade e concentrar-nos apenas no avanço material alcançado pelo Ocidente. Este progresso material foi alcançado com base numa relação de exploração que os países imperialistas ocidentais desenvolveram em relação ao Terceiro Mundo, uma relação que deixou este último num estado tal que os seus habitantes hoje estão desesperados para dele escapar. A prosperidade ocidental não é um estado separado e independente alcançado apenas através da diligência ocidental; foi alcançada através de um processo de dizimação das economias dos países de onde os imigrantes estão a fugir. O que é ainda mais impressionante é que o imperialismo ocidental não quer apenas impedir o afluxo de imigrantes; quer impedir, mesmo através de intervenção armada, qualquer mudança na estrutura social dos países de origem dos imigrantes que possa levar a um desenvolvimento que impeça esse afluxo de imigrantes.

O meu argumento pode, naturalmente, ser descartado como exagero. Afinal, as economias ocidentais têm sido caracterizadas pela introdução de inovações notáveis que aumentaram drasticamente a produtividade do trabalho, o que, por sua vez, possibilitou um aumento dos salários reais e dos rendimentos reais das populações ocidentais. É essa capacidade de inovação que distingue o Ocidente e que falta ao Terceiro Mundo; ela constitui a differentia specifica entre as duas partes do mundo, a causa fundamental dos seus desempenhos económicos divergentes, devido aos quais os migrantes procuram mudar-se de uma parte para outra.

No entanto, há duas coisas a serem observadas sobre as inovações. Primeiro, as inovações são normalmente introduzidas quando se espera que o mercado para o produto que resultaria da inovação se expanda, razão pela qual as inovações não são introduzidas durante as depressões. Segundo, as inovações por si só não aumentam os salários reais; elas só o fazem quando há uma escassez no mercado de trabalho que surge por razões independentes. Durante um longo período da história, a expectativa de expansão do mercado para os produtos ocidentais foi gerada pela conquista dos mercados do Terceiro Mundo. A Revolução Industrial na Grã-Bretanha, que deu início à era do capitalismo industrial, não poderia ter sido sustentada se não houvesse mercados coloniais onde a produção artesanal local pudesse ser substituída pelos novos produtos fabricados por máquinas. O outro lado da inovação ocidental foi, portanto, a desindustrialização das economias coloniais, que criou enormes reservas de mão-de-obra nessas regiões.

Mesmo nos países onde foram introduzidas inovações, também foram criadas reservas de mão-de-obra devido ao progresso tecnológico, mas essas reservas foram reduzidas devido à migração em grande escala de mão-de-obra para regiões temperadas de colonização no estrangeiro, como o Canadá, os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia e a África do Sul, onde massacraram e deslocaram as tribos locais das terras que ocupavam e cultivavam. Dentro dos países inovadores, portanto, a escassez foi introduzida no mercado de trabalho por meio dessa emigração em grande escala, devido à qual os salários reais puderam aumentar juntamente com as inovações que aumentaram a produtividade do trabalho. As reservas de mão-de-obra criadas nas colónias e semicolónias, no entanto, não puderam migrar para as regiões temperadas; elas foram mantidas confinadas às regiões tropicais e subtropicais, presas num síndrome de baixos salários, por meio de leis de imigração restritivas que perduram até hoje. Se o capital da metrópole pudesse ter fluído a fim de aproveitar os seus baixos salários para produzir bens para o mercado mundial com as novas tecnologias, então a diferença salarial poderia ter desaparecido. Mas isso não aconteceu. Apesar dos seus baixos salários, o capital das regiões temperadas não entrou nessas economias, exceto nos setores produtores de commodities primárias; e os bens manufaturados produzidos por produtores locais, utilizando essa mão-de-obra mal remunerada e adotando as novas tecnologias, não puderam entrar nos mercados das regiões temperadas devido às altas tarifas. Em suma, a inovação ocidental produziu prosperidade material na metrópole, porque foi complementada por uma estrutura segmentada da economia mundial.

Isso não é tudo. A difusão do capitalismo verificou-se dentro dessa estrutura segmentada:   juntamente com a mão-de-obra da Europa que migrou para as regiões temperadas, como a América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, o capital da Europa também começou a ser investido nessas novas terras como complemento à migração de mão-de-obra. No entanto, este capital foi extraído das colónias e semicolónias tropicais e subtropicais através da apreensão gratuita das suas receitas cambiais proveniente do resto do mundo, que constituíam grande parte do seu excedente económico, um processo que ficou conhecido como a "drenagem" do excedente.

A difusão do capitalismo durante o "longo século XIX" da Grã-Bretanha para a Europa Continental, Canadá e Estados Unidos assumiu a forma de manutenção de mercados britânicos abertos para os bens dessas regiões e de, em simultâneo, exportações de capital para elas; ou seja, a Grã-Bretanha tinha tanto um défice na conta corrente como na conta de capital em relação a essas regiões. O défice total, somando as contas correntes e de capital, da Grã-Bretanha em relação a essas três regiões mais proeminentes em 1910 era de 120 milhões de libras. Metade desse montante, de acordo com as estimativas do historiador económico S.B.Saul, foi liquidado às custas da Índia, através da apropriação pela Grã-Bretanha de todo o excedente de exportação da Índia em relação ao resto do mundo, e também do pagamento pela Índia das importações desindustrializantes da Grã-Bretanha que excediam as commodities primárias que vendia à Grã-Bretanha. Se considerarmos apenas a Europa Continental e os EUA, o défice total da Grã-Bretanha era de 95 milhões de libras, dos quais quase dois terços foram liquidados desta maneira às custas da Índia.

Assim, todo o desenvolvimento do capitalismo ocorreu historicamente através da criação de um mundo segmentado. A inovação que supostamente está na base da prosperidade material do Ocidente também ocorreu através dessa segmentação. Portanto, não é a inovação que explica por que o Ocidente se tornou próspero enquanto o Terceiro Mundo estagnou e entrou em declínio, mas sim esse facto da segmentação. Afinal, mesmo teorias como a de Joseph Schumpeter, que enfatizam as inovações como a causa da prosperidade material, mostram que todos os trabalhadores se beneficiam das inovações. Mas se apenas alguns trabalhadores são os beneficiários (além dos capitalistas, é claro), enquanto outros pertencentes a uma região diferente são excluídos desses benefícios, então a causa dessa divergência deve estar em outro lugar, não no fato de a inovação estar confinada a apenas uma região. A essência dessa segmentação era a exclusão deliberada de uma região do processo de desenvolvimento material, através da imposição de barreiras tarifárias contra os seus produtos, da proibição de impor barreiras tarifárias próprias contra os produtos da região metropolitana e da aquisição gratuita por parte desta última de uma parte do excedente económico produzido.

Os dias do colonialismo acabaram; além disso, o capital da metrópole agora está disposto a fluir para o Terceiro Mundo para produzir bens para o mercado mundial usando mão-de-obra local mal remunerada e novas tecnologias. Por que, então, a pobreza do Terceiro Mundo continua a permanecer nesta nova situação? Voltamos aqui à proposição de que as inovações, como tais, não aumentam os salários reais; teorias como a de Schumpeter, que afirmam o contrário, assumindo uma tendência espontânea do capitalismo para esgotar as reservas de mão-de-obra e avançar para o pleno emprego, estão simplesmente erradas. O progresso tecnológico no Terceiro Mundo através da disseminação de inovações, seja sob a égide do capital metropolitano ou do capital local, que tende tipicamente a economizar mão-de-obra, não reduz, portanto, o tamanho relativo de suas reservas de mão-de-obra e, consequentemente, a magnitude relativa da pobreza. A mão-de-obra do Terceiro Mundo não tem como migrar para as regiões temperadas.

Dois fatores irão agravar esta situação nos próximos tempos:   um são as tarifas de Trump que procuram exportar o desemprego dos EUA para o resto do mundo, especialmente para o Terceiro Mundo; e o outro é a introdução da Inteligência Artificial no quadro do capitalismo.

30/Novembro/2025

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2025/1130_pd/apropos-“western-civilisation”

sábado, 29 de novembro de 2025

António Guerreiro - Dos debates aos comentários

* António Guerreiro~

Os debates na televisão entre os vários candidatos à Presidência da República seguem um modelo que se aproxima do stand-up. Mesmo que os candidatos nada façam para cumprirem os protocolos e as exigências desta forma de espectáculo, eles são coercivamente enquadrados nele e avaliados pelo grau de competência demonstrado na performance por um júri que representa o papel da opinião pública e encena uma versão abreviada daquilo que desde o Iluminismo se chama “espaço público”. O júri é composto por um conjunto de pessoas designadas como “comentadores” cuja tarefa é encerrar o espectáculo com os seus juízos críticos e apreciações quantificadas.

Neste modelo de debate procura-se um ganhador e um perdedor. E ganha sempre quem revela mais destreza na eloquência, quem consegue ter alguma habilidade para argumentar e um certo sentido da dialéctica (qualidades, aliás, cada vez mais escassas) naquele ambiente muito pouco favorável a tais realizações. Ali, muito embora pareça que se trata de política, a despolitização é a regra.

O júri cumpre um papel essencial: é ele que, em última instância, dá sentido às performances. Sem ele, o espectáculo da contenda ficaria incompleto e seria muito mais desinteressante. É preciso sublinhar o clash, promovê-lo, encontrar no discurso político um sentido agónico. As polarizações que caracterizam o ambiente político em que vivemos, os tropismos que fazem emergir os extremos, têm os seus utensílios retóricos reconhecidos e valorizados. São eles os mais valorizados e a eles recorrem com frequência os participantes nestes debates porque têm uma eficácia táctica. Esses instrumentos tácticos dominam os debates e asseguram a vitória a quem melhor se servir deles. E a táctica é o que os comentadores observam com mais facilidade, logo, o que garante nota alta.

Na época em que a crítica literária e da arte tinha adquirido uma enorme pujança, impôs-se a ideia de que os juízos sobre a poesia têm mais valor do que a própria poesia (e poesia vale aqui pela arte em geral). Hegel, nas suas lições de Estética, explica porquê: porque a obra de arte deixou de satisfazer as necessidades “espirituais” que nela tinham encontrado as épocas precedentes; e, por isso, na sua “suprema destinação”, a arte chegou ao seu fim. Assim é hoje com a política e o debate político: manifestações de um final de festa.

Em tempos de despolitização, o que tem algum valor e suscita o interesse da audiência são os juízos sobre os debates e as performances dos seus protagonistas. Os comentadores mostram, mesmo se não têm consciência disso, o estado de exasperação do discurso político. São convocados por um vazio que lhes coube em jeito de missão preencher. E são afectados pelo demónio da reversibilidade: eles comentam o discurso dos candidatos ou estes calculam o seu discurso para resultar num comentário? Quando a noção de época correspondia a um tempo histórico muito mais longo e a um “espírito” que a autonomizava e lhe conferia sedimentação, instituiu-se a ideia de que há períodos de decadência; e a proliferação do comentário seria a marca mais conspícua desses períodos (refiro-me, evidentemente, a um género de comentários cuja manifestação é uma literatura e uma filosofia secundárias). O barroco trans-histórico e os finais de século serviram com alguma verosimilhança essa ideia de decadência.

A desvalorização da linguagem política é o sintoma de uma doença, um mal-estar da democracia.

O conceito de pós-democracia, como sabemos, fez o seu caminho com alguma indefinição, mas, ainda assim, de maneira útil. Já estamos habituados a que, sempre que o prefixo “pós” se impõe como declinação de algo novo, mas que resulta de uma profunda inflexão do antigo, a certa altura se comece a pensar em modo “des”. É o que já está a acontecer com a democracia: a pós-democracia já começa a ser um conceito pouco útil e já há quem coloque a hipótese da “des-democracia” (devemo-la às análises da autoria da norte-americana Wendy Brown, professora de Ciência Política na Universidade da Califórnia).

A desdemocracia já se manifesta de outra maneira que não é a de um mal-estar da democracia: não é um mal infligido por causas exteriores, mas uma doença interna que decorre do seu desenvolvimento interior. A ascensão de sentimentos fascistas e o desejo autoritário, isto é, de uma ordem governada por uma personalidade autoritária (fazendo coincidir a política com uma psicologia), configuram uma desdemocracia em curso, uma democracia que se está a desfazer a partir do seu interior, num processo de degenerescência que faz nascer o desejo autoritário.

in Público, 28/11/2025

https://www.publico.pt/2025/11/28/culturaipsilon/cronica/debates-comentarios-2155997