«A EUROPA À BEIRA DE UMA GUERRA IRRACIONAL! MAS SEREMOS CAPAZES DE A IMPEDIR?»
* Maria João Caetano
2025 12 14
O filósofo Viriato Soromenho Marques aponta o dedo aos EUA e à Europa pela forma como trataram a Rússia e subestimaram Vladimir Putin. E espera que no meio da escalada a que temos vindo a assistir, os líderes políticos de hoje tenham a inteligência que outros tiveram no passado e saibam dar um passo atrás. Até porque, os desafios que a nossa civilização enfrenta vão muito além da possibilidade de uma guerra: "A guerra nuclear será um ataque cardíaco. Por outro lado, a esclerose generalizada, que é um processo de morte, mas mais lento, é a crise ambiental"
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«Eu fiz as
contas. No dia 12 de janeiro do próximo ano, a guerra na Ucrânia, a tal operação
especial, como dizem os russos, terá mesma duração da guerra da Alemanha com a
Rússia na Segunda Guerra Mundial. São 1.418 dias. De 22 de junho de 1941,
quando Hitler invade a União Soviética até 8 de maio de 1945." No dia 12
de janeiro de 2026, completam-se 1.418 de guerra da Ucrânia. "E não me
parece que neste momento a Rússia esteja esgotada", diz. "Tudo indica
que este esforço de guerra está a acontecer com economia de meios e com
economia de baixas", diz Soromenho Marques. Podemos estar numa escalada
que obrigue a Rússia ou a desistir ou então a passar para a fase seguinte, com
as armas nucleares, antecipa. "A verdade é que não temos nenhum exemplo de
uma guerra nuclear anterior entre potências nucleares. O meu receio é que ninguém
saiba controlar esta escalada».
Foi no passado
dia 12, numa noite de inverno, fria e chuvosa, que um grupo de
"corajosos", como lhe chamou Viriato Soromenho Marques, se juntou no
auditório da Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva para o debate "Guerra
e paz: respostas, causas e soluções de hoje", o último dos três debates do
ciclo "Uma ideia de harmonia", comissariado pela jornalista Alexandra
Carita. Na mesa estava também Tatiana Moura, diretora da plataforma
masculinidades.pt e investigadora do CES - Centro de Estudos Sociais da Universidade
de Coimbra. Mas foi o filósofo e professor da Universidade Nova de Lisboa que,
inegavelmente dominou a conversa.
Em 1983, em
plena Guerra Fria, Viriato Soromenho Marques era um jovem a fazer inter-rail e
passou algum tempo em casa de um amigo em Witten, na Alemanha. A estadia
coincidiu com muitas manifestações pela paz devido à crise dos "euromísseis".
"Nessa altura, a tensão entre o Pacto de Varsóvia e a NATO tinha crescido
de forma exponencial. Novos mísseis estavam a ser colocados, quer no lado do
lado soviético, quer do lado norte-americano e europeu", recorda o filósofo
que tem atualmente tem 68 anos. "Só que nessa altura existia uma literacia
sobre guerra nuclear que hoje está completamente ausente", diz, lembrando,
por exemplo, que a mãe do amigo, que era dona-de-casa, "saía da sua vida e
ia para a rua protestar"; ou ainda que havia uma canção "muito medíocre"
que nesse verão foi um sucesso na Alemanha, intitulada "Besuchen Sie
Europa (solange es noch steht)" - "Visita a Europa enquanto ela ainda
lá está", que falava precisamente dessa ideia de que "isto vai acabar
tudo em breve".
Terá sido esta
vivência que o despertou para o problema da guerra na Europa. Depois dessa
viagem, Viriato começou a pesquisar e a fazer entrevista e, em 1985, publicou o
livro "Europa, o risco do futuro: a incerteza estratégica dos anos
80". O livro foi publicado duas semanas antes de Gorbachev ter tomado
posse, iniciando o caminho para o fim da Guerra Fria.
"Isto que
está a acontecer agora [na Europa], para mim, tem 42 anos. Isto não começou no
dia 24 de fevereiro de 2022", diz, concluindo: "Para mim, isto é um
pesadelo, porque eu, nessa altura, já era ambientalista e olhava para estas
duas grandes ameaças. Por um lado, o ataque cardíaco. A guerra nuclear será um
ataque cardíaco. Por outro, a esclerose generalizada, que é um processo de
morte, mas mais lento, que é a crise ambiental", diz, introduzindo aqui um
tema que é essencial no seu pensamento. Mas já lá vamos. Para entender o que se
passa hoje na Europa o professor recua, precisamente, até à Guerra Fria e ao
modo como esta terminou. E talvez, até, recuar um pouco mais, e perceber porque
é que existem guerras.
AS GUERRAS SÃO
EVITÁVEIS?
"Em toda
guerra existe violência, mas nem toda violência é guerra. Isto é importante
porque a violência pode ser exercida pelo indivíduo, está relacionada,
individualmente, com a agressividade. Mas a condição fundamental para a guerra é
a existência de uma entidade artificial, que é o estado - uma estrutura que é
uma pessoa coletiva, uma estrutura sem paixão, que decide do uso da violência bélica",
explica Viriato Soromenho Marques.
É por isso que
para perceber as guerras é preciso entender o conceito de estado soberano.
"A guerra e a paz entre nações está também associada à teoria do contrato
social, que se parece um pouco com a física atómica", diz. "Temos os
indivíduos que são pequenos átomos e que depois se organizam em moléculas que são
sociedades." Na ordem política e na ordem legal, existe um poder de sanção.
Mas, neste aspeto, "a analogia com a sociedade das nações é imperfeita.
Porque na sociedade das nações não existe esse poder de sanção, é um direito
imperfeito. Isto é, podem existir tribunais internacionais. Há tratados. Há uma
Organização das Nações Unidas. Mas não existe um poder comum capaz de aplicar a
sanção. As grandes potências não são sancionáveis."
Thomas Hobbes,
pensador doa séculos XVI XVII, dizia que "os príncipes e os Estados estão
permanentemente em estado de natureza, ou seja, preparados para a guerra. E não
há nenhum tratado, não há nenhuma lei internacional que leve os príncipes a
dormir descansados. É por isso que têm exércitos permanentes. Porque há uma
desconfiança permanente".
O professor
cita ainda o general prusso Carl von Clausewitz ("uma espécie de Newton da
guerra"), que no século XIX escreveu a obra "Vom Krieg - Da
Guerra", que é, nas suas palavras, "o grande livro contemporâneo
sobre a guerra": "A guerra é uma ação em que a violência é usada como
instrumento de objetivos políticos". Clausovitz diz mais: "A guerra é
a continuação da política por outros meios" - uma frase que já todos
ouviram. O que é que isto significa? "A guerra tem apenas uma gramática, a
política tem a lógica. E deve ser a política que comanda a guerra.
Evidentemente que para fazer a guerra é preciso tecnologia, é preciso treino,
etc. Mas isso é a gramática. E no limite, se fosse possível, atingir esses
objetivos sem a violência, não haveria guerra. Mas sem a violência não há coação.
Agora, o que pode acontecer é que, perante ameaça do uso da força militar, um
Estado pode recuar e conceder. Clausevitz considera que quando a diplomacia
falha é muito improvável que se consiga retomá-la sem o sucesso das
armas."
"Na guerra
existe uma lógica essencialmente de custo-benefício. O pensamento estratégico
militar é um pensamento de custo-benefício. É um pensamento instrumental. A
ideia de uma guerra com as luvas brancas não existe", afirma o filósofo. Não
existe guerra sem danos colaterais e sem crimes de guerra. O que os políticos
que tomam a decisão de iniciar ou entrar numa guerra fazem é tentar avaliar se
vale ou não a pena. Isto, dito assim, pode parecer cruel, mas não é novo.
"Os aliados, que venceram a Alemanha nazi, também cometeram imensos
crimes. Hamburgo foi destruída em julho de 1943 e 40 mil pessoas foram mortas
com bombas de fósforo. Antes das bombas atómicas, que foram crimes de guerra
também, porque visaram populações civis, tivemos 700 mil japoneses que foram vítimas
de bombardeamentos convencionais pela aviação americana. Isso são crimes de
guerra", sublinha.
UMA GUERRA
IRRACIONAL – EM QUE TODOS SAEM DERROTADOS
"Hoje em
dia, a guerra que podemos ter será uma guerra absolutamente irracional",
diz Viriato Soromenho Marques. Porquê? Segundo Clausevitz, a guerra é até 1945,
tinha violência, mas tinha racionalidade. "Ou seja, havia sofrimento, mas
havia a possibilidade da vitória. Os povos perdiam milhões de vidas, mas
atingiam o objetivo e havia vitória. Hoje, é uma das características da guerra
contemporânea, é a possibilidade de uma guerra em que todos saem
derrotados".
Durante os 40
anos da Guerra Fria, houve um consenso entre os dois lados, explica o
professor. A crise dos misseis de Cuba em outubro de 1962, em que o mundo
esteve à beira de uma guerra nuclear, "fez com que tanto Krushov como o
Kennedy percebessem o que seria a irracionalidade da guerra", diz
Soromenho Marques. "O que Kennedy fez a seguir a outubro de 62 foi
fundamentalmente um processo de construção da paz, em colaboração com a União
Soviética: a criação do telefone vermelho, a proibição de testes nucleares e
outras ideias que ele tinha para a frente, de cooperação alargada com a União
Soviética e com os países que estavam no Pacto de Varsóvia e que o assassinato
impediu. No discurso que fez em Washington em 10 de junho de 63, Kennedy dizia
o seguinte: 'Enquanto defendem os seus próprios interesses vitais, as potências
nucleares devem evitar os confrontos que levam o adversário a optar entre uma
retirada humilhante ou uma guerra nuclear. "Adotar esse tipo de atitude,
ou seja, querer insistir numa escalada em potências nucleares, na era nuclear,
seria apenas uma prova da falência da nossa política ou de um desejo coletivo
de morte'."
Ronald Reagan,
que foi presidente dos EUA durante a Guerra Fria, "acolheu positivamente,
com entusiasmo, Gorbachev", diz o professor, contando algo que percebeu ao
ler as memórias do presidente: "Em novembro de 1983, Reagan foi um dos
primeiros americanos a ver até o filme 'The Day After' [filme ficção científica
que imagina o que aconteceria após uma guerra nuclear]. E ele ficou
aterrorizado com o que viu. É interessante que em janeiro de 84 ele faz um
discurso que causou surpresa. Enquanto o discurso do ano anterior tinha sido o
discurso do "Guerra da Estrelas", vamos criar um sistema no espaço, o
discurso de janeiro de 84 dizia que temos de evitar a autodestruição".
O FIM DA UNIÃO
SOVIÉTICA: UMA OPORTUNIDADE DESPERDIÇADA
A Guerra Fria
prolongou-se, com esse jogo de contenção de forças, até à Perestroika. Viriato
Soromenho Marques considera que a transição democrática da União Soviética, com
a "dissolução pacifica do Pacto de Varsóvia", "é o único caso
que temos na História em que um sistema bipolar acaba porque o outro lado
desiste".
Inicialmente,
recorda o filósofo, "houve imensa vontade de estabelecer relações, de
apoiar economicamente a transição da Rússia. O que eles fizeram foi uma coisa
brutal". Mas logo se percebeu que os interesses económicos se iriam
sobrepor aos bem político. Passou-se "de uma economia planificada que não
funcionava, para uma economia de mercado que foi pilhada. O que aconteceu no
tempo do Ieltsin foi uma catástrofe para a Rússia. A Rússia perdeu cinco anos
de esperança de vida. O desemprego galopou. A mortalidade infantil aumentou
imenso. O alcoolismo explodiu. A criminalidade, as mortes violentas. Depois, a
formação dos oligarcas, a privatização com as grandes companhias americanas por
trás. No fundo, a Rússia era um cadáver gigantesco, 17 milhões de quilómetros
quadrados, que estava ali para ser devorado", diz Soromenho Marques.
"Foi uma
tragédia. Não só económica, mas também política." A Europa poderia ter-se
tornado um aliado, um parceiro. "Era preciso criar uma relação de confiança
mútua, e isso não aconteceu. Até porque era preciso ter um inimigo, como é que
nós vendíamos a expansão da Nato se não tivéssemos um papão do lado lá?"
"O
analfabetismo e russofobia é também uma coisa que nos está a envenenar.
Envenena-nos a alma e corrói o pensamento", afirma Soromenho Marques.
QUANDO PUTIN
DEIXOU DE SER UM AMIGO – AS ORIGENS DA GUERRA DA UCRÂNIA
Soromenho
Marques diz que é preciso "admitir o fracasso de todas as políticas que
começaram em 1991, quando os Estados Unidos recusaram integrar a Rússia no
sistema internacional" e decidiram deixar a Rússia de foram da Nato.
"Esta guerra [na Ucrânia] começou porque a Rússia não tinha garantias de
segurança. Pediu primeiramente que a Nato não se alargasse, mas a Nato
alargou-se. Depois pediu para não se alargar para zonas que são estratégicas,
porque as grandes potências têm zonas de segurança, a que se chama zonas de
influência", e, mais uma vez, isso não acontece. Em 2008, em Bucareste, a
Nato ofereceu um convite à Ucrânia. "E Putin, que nessa altura era
convidado a ir às reuniões da Nato, fez um grande discurso a explicar porque é
que isso era uma coisa que não podia ser aceite pela Rússia. Então, Sarkozy e
Merkel falam com Bush e decidem arrastar isso para não arranjar problemas. As
coisas foram-se arrastando assim."
"O ponto
em que as coisas realmente se transformaram foi com a Praça Maidan. Foi aí que
as coisas se tornaram mesmo azedas", diz o filósofo. "Esta guerra
começou aí. A Operação Especial começou na Praça Maidan. O Viktor Yanukovych
foi eleito em eleições reconhecidas por todos os observadores, incluindo os
nossos, da União Europeia, que estiveram lá. A Victoria Nuland, que é a
vice-secretária de Estado, esteve pessoalmente a comandar as operações de
montagem da Praça Maidan. Inclusive ela, no inverno, em dezembro de 2013, faz
uma pequena intervenção, em que chega a dizer que até agora o nosso
investimento na Ucrânia foi de cinco milhões de dólares. Em 2024, o historiador
ucraniano Ivan Katchanovski publicou um livro notável a explicar a Praça
Maidan."
"A
Alemanha foi seduzida pela possibilidade de também tirar algum partido da Ucrânia.
E, além disso, ninguém acreditava que a Rússia tivesse capacidade para fazer
esta guerra. O Biden dizia, em 2017: os russos engolem tudo o que lhe pusermos
pela garganta abaixo", lembra Soromenho Marques. Em 2019, ainda Merkel
estava no poder, e a Ren Corporation, que é o principal think tank da política
externa americana, publica um livro que se chamava "Extending
Russia". Esses analistas diziam que se deviam "criar dificuldades em
muitos pontos à Rússia para que ela se parta. E um dos objetivos do Extending
Russia é impedir a ligação entre a Alemanha e a Rússia. Não só energética.
Avisadamente, eles percebiam que uma boa relação entre a Alemanha e a Rússia ia
causar problemas a quem queria continuar a ser o dono do mundo".
O FIM DO DOMÍNIO
AMERICANO E AS NOVAS RELAÇÕES DE PODER .
"Os
Estados Unidos estão, nesta fase, a passar de interveniente principal, para
algo diferente", afirma Soromenho Marques. "Reconhecem que já não têm
capacidade para aquele pesadelo que foi o unipolarismo. Biden foi o último
representante da ideia tonta de que era possível os Estados Unidos dominarem o
mundo e imporem, com recompensas e com violência e com sanções, o domínio. Hoje
estamos num mundo completamente diferente."
E explica:
"Do ponto de vista económico, os Estados Unidos são uma sombra do que
foram. No auge do poderio americano, no tempo do Truman, 50% do produto interno
bruto era americano. Hoje, os Estados Unidos têm uma percentagem muito menor,
estamos a falar de 20%, 21%. para ser otimista. Por outro lado, do ponto de
vista científico, a situação é absolutamente avassaladora. No ano passado, um
instituto australiano publicou um estudo que era uma análise de 20 anos de
inovação científica no mundo, em 64 tecnologias de ponta. E o contraste é
absolutamente esmagador. Em 2003, os Estados Unidos dominavam 61 das 64. E a
China dominava 3. Em 2023, a China domina 57 das 64. E os Estados Unidos
dominam as outras 7."
"Ou seja,
o que temos hoje é um novo sistema internacional. Estamos numa fase horrível
que é a transição. As transições são sempre terríveis, mesmo na vida dos indivíduos",
diz o professor. Mas há algo positivo nesta situação, que é o facto de os
Estados Unidos "já não considerarem a China como um inimigo com o qual
poderiam entrar em guerra em 15 anos, mas como um competidor. Há uma diferença
entre competidor e inimigo".
Já em relação à
Rússia, na Estratégia de Segurança Nacional (ESN) os EUA assumem o objetivo de
"estabilizar as relações com a Europa, nomeadamente com a Rússia. O que não
parece uma coisa idiota, parece uma coisa até bastante sensata. Não sei como é
que é possível alguém que conheça um pouco da situação atual e da situação histórica
pensar que é possível excluir a Rússia do sistema internacional e do sistema
europeu, para mim é uma ideia completamente absurda", afirma.
E A EUROPA NO
MEIO DE ISTO TUDO?
"Estamos a
viver um desastre do projeto europeu", diz Viriato Soromenho Marques,
lembrando que em 2014 publicou livro sobre a crise do euro que se chamava
"Portugal na queda da Europa". "A tese era que a crise de 2008 não
foi uma crise das dívidas soberanas, como se dizia, foi uma crise do euro. O
euro foi construído sem qualquer mecanismo que o tornasse uma moeda funcional,
não era uma moeda federal. O euro foi criado sem sequer um sistema de prevenção
das crises bancárias, por exemplo. Nada. E os países endividaram-se nessa
altura para socorrer o sistema financeiro, os bancos, que estavam lá soltos. Os
bancos nessa fase inicial faziam o que queriam. Falhámos. O Euro podia ser a
primeira etapa do federalismo europeu, e nós falhámos. Em 2014, a minha
perspetiva era que estávamos a entrar num processo de decadência europeia, de
queda".
"Só que
agora já estamos dentro da queda", admite, dando como exemplo máximo a
forma como a Europa está a conduzir esta guerra na Ucrânia. "Primeiro: não
temos nenhuma providência, nenhum artigo que conceda os poderes que a senhora
von der Leyen se arrogou para funcionar como se fosse a comandante suprema de
uma coisa que não existe, que são as Forças Armadas Europeias. Segundo: existe
uma confusão total entre a União Europeia e a NATO. Chegámos a este ponto.
Confundimos totalmente. Terceiro: o uso de procedimentos, e dia 18 de dezembro
vamos ver se isto vai acontecer ou não, procedimentos que vão conduzir a uma
situação dramática".
Depois de na
passada sexta-feira a União ter aprovado, por maioria e com os votos contra da
Hungria e Eslováquia, uma decisão para manter os ativos russos imobilizados
indefinidamente no espaço comunitário, o tema volta a ser debatido esta semana
pelos ministros europeus dos Negócios Estrangeiros que vão decidir se esse
dinheiro pode ser usado para o empréstimo de reparações à Ucrânia. "Se
isso for roubado à Rússia e entregue à Ucrânia, eu acho que somos nós, os
europeus, que não depositamos mais o nosso dinheiro aqui, são também os
estrangeiros que cá têm dinheiro que vão para outro sítio", antecipa o filósofo.
"A gente do mundo árabe, a gente da África, a gente da América Latina, os
magnatas, etc., vão para outro sítio. E também os portugueses. Vão transformar
esses euros em ienes e vão pô-los na China, ou transformam-nos dólares e põem
nos Estados Unidos."
A ESCALADA
ACTUAL: "NÃO PODEMOS. COMO CIDADÃOS, ACEITAR ESTE DISCURSO DA
INEVITABILIDADE DA GUERRA”
Chegamos,
assim, aos dias de incerteza em que vivemos. Viriato Soromenho Marques
"colecionou" uma série de frases proferidas nos últimos dias por
"altos responsáveis políticos e militares da nossa Europa" e que
mostram bem o estado do mundo:
• 3 de
Novembro: Boris Pistorius, ministro da defesa da Alemanha, falando sobre o
plano de reconstrução armamentista da Alemanha, que está outra vez na corrida
dos armamentos, está a preparar um sistema que permita a rápida passagem para
leste, ou seja, em direção à Rússia de 800 mil soldados da NATO, disse: "Há
quem fale que a guerra vai ser em 2029. Há outros que dizem que vai ser em
2028. Mas há alguns que dizem mesmo que gozámos em 2025 o último verão em
paz".
• 16 de
novembro: o general Fabien Mandon, que era conselheiro do presidente Macron, da
França, diz que "temos de aceitar perder os nossos filhos, sofrer
economicamente".
• 3 de
Dezembro: o almirante Giuseppe Cavo Dragone, chefe do Comité Militar da Nato,
disse ao Financial Times que a NATO deveria considerar a possibilidade de uma ação
preventiva contra a Rússia.
• 11 de
Dezembro: Mark Rutte, secretário-general da NATO, diz que "depois da Ucrânia
nós somos o próximo alvo da revolução. E nós precisamos estar prontos. Devemos
estar preparados para uma guerra da escala dos nossos avós e dos nossos bisavós.
Preparados para a possibilidade de milhões de mortos" e dizendo que, por
isso, nós precisamos gastar 5% do PIB na corrida ao armamento.
• Entretanto,
Vladimir Putin, interrogado numa conferência de imprensa, a seguir às declarações
de Dragone, diz: "Se a Europa começar subitamente, o tal ataque
preventivo, uma guerra contra nós, eu penso que essa guerra acabará
rapidamente. Isso não será a Ucrânia. Com a Ucrânia nós estamos a atuar com
precisão cirúrgica, cuidadosamente, isto não é uma guerra no sentido direto,
moderno da palavra. Se a Europa começar uma guerra contra a Rússia, em breve,
Moscovo não terá ninguém com quem negociar."
•
Perante isto,
Soromenho Marques questiona-se até que ponto é que aquela ideia de Kennedy, que
é fruto do conceito da "destruição mútua assegurada", ainda estará
atualizada. "Na altura de Kennedy existiam 70 mil armas militares. Hoje
existem à volta de 13 mil. Mas 13 mil são suficientes para dar cabo de tudo. E
eu pergunto-vos, será que estas pessoas partilham desta preocupação?",
pergunta.
E ainda, mais
incisivo: "A questão que me parece prioritária é não aceitarmos, como
cidadãos, este discurso da inevitabilidade da guerra", diz.
Na sua
perspetiva, "uma guerra em que fossem usadas armas nucleares representaria
o fim da história". "Mas vamos pensar que haverá ainda alguma sombra
de cuidado com o futuro, e alguma inteligência também, e que não vamos entrar
por aí", diz, recorrendo ao que resta do seu otimismo.
"QUAL A
POSSIBILIDADE QUE TEMOS DE SOBREVIVER A ISTO? (E «ISTO» NÃO É SÓ A GUERRA NA
UCRÂNIA)”
"Este
conflito [na Ucrânia] é o centro do vulcão. Claro que temos conflitos noutros
lugares no mundo, mas a Europa é, mais uma vez, o centro do vulcão e é onde, de
facto, a situação pode ficar completamente fora de controlo. Mas eu pergunto:
será apenas na guerra que estamos fora do controlo? Não me parece."
Viriato Soromenho Marques tem um olhar mais abrangente. "Nós, europeus,
temos muito orgulho na maturidade, com todo o contributo para a ciência e para
a tecnologia moderna, mas realmente os grandes desígnios da modernidade, que
eram a emancipação humana, que era, como no tempo do grefos, vencer um destino,
uma moira, a que estávamos condenados pelos deuses, ou, como dizia depois
Descartes, vencer a vida curta, prolongar a vida humana, impedir as tragédias,
o sofrimento - será que conseguimos isso? A verdade é que nós construímos um
aparato gigantesco para combater esse destino natural, mas temos uma crise
existencial na área do ambiente. Portanto, eu colocaria o nosso debate sobre a
guerra e a paz no quadro de uma interrogação ainda mais penetrante: qual é a
possibilidade que temos de sobreviver a isto? Onde é que erramos? E teremos a
coragem para primeiro identificar as causas fundamentais e depois agir em
consequência? Ou seja, sermos capazes de fazer a renúncia a tanta coisa a que
nos acostumamos a considerar fundamentais?"
A verdade, diz,
"é que estamos numa situação em que, perante os desafios existenciais que
temos, nomeadamente o facto de estarmos a viver num planeta que estamos a
destruir, que estamos a devorar", deveríamos estar preocupados com outros
problemas. "Quando começou a guerra na Ucrânia, surgiu um artigo chamado
'Uma guerra no convés do Titanic'. Nós temos que que fazer o possível para que
ele não afunde. E neste momento não vemos muita gente que esteja preocupada com
isto", lamenta.
Na sua opinião,
seria necessária "uma visão integrada". Em primeiro lugar, deveríamos
"tomar consciência da gravidade da situação. Já não é evitar, não, é de
fazer uma adaptação que permita a continuação da história humana e que permita
uma visão de reconstrução do modo como as nossas instituições, nomeadamente a
nossa economia, que é uma economia primitiva. Nós precisamos de uma economia
ecológica, ou seja, de uma economia que considere que é um subsistema da
ecologia e não o contrário".
Cícero dizia
que «a salvação do povo seja a suprema lei».
«Quando a gente
fala em salvação do povo, está a falar fundamentalmente da vida das pessoas e
da fazenda das pessoas, do que as pessoas têm. A minha preocupação é com a
nossa vida. Porque acho que a fazenda já está perdida».
Wyndham Lewis, «The Waste Land», sobre o poema de T.S. Eliot
https://cnnportugal.iol.pt/guerra/ucrania/nao-podemos-aceitar-este-discurso-da-inevitabilidade-da-guerra-a-europa-esta-a-beira-de-uma-guerra-irracional-mas-seremos-capazes-de-a-impedir/20251215/693fe7afd34e3caad84c62ea





