ª Raquel Varela
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A história é aquilo que dói, disse Frederic Jameson. Não cabe nem no entusiasmo dos saudosistas do Estado Novo, como o Chega, nem nas celebrações de Estado pilotados pelo PS e pela Associação 25 de Abril. A história do 25 de Novembro não cabe na disputa entre o PS e o Chega, há muito mais mundo lá fora. A história é uma ciência, com teorias, métodos e crítica de fontes, não é uma argamassa de memórias, usadas pelo presente para atirar aos adversários do momento.
O golpe para acabar com a revolução, com o PREC, e retirar poder aos trabalhadores devia "parecer" um golpe de esquerda - explicaram então os seus autores; quem fez o golpe de direita (Soares, Grupo dos 9, Eanes) disse então que era para "salvar o socialismo" - estou a citar; a extrema direita que agora celebra o 25 de Novembro, estava ostracizada, barricada dentro da Igreja Católica e em Madrid, a preparar ataques terroristas com mortos, foi irrelevante em operações no 25 de Novembro, mas foi essencial na mobilização dos retornados e dos camponeses.
Cunhal e a direcção do PCP têm uma posição muito distinta da base do Partido, defendem mesmo na altura (depois de 1989 mudam de análise, mudam aliás 3 vezes) que o 25 de Novembro era uma forma também de acabar com a esquerda militar e com os revolucionários "aventureiros". Não por acaso António Filipe disse agora no debate das eleições que o PCP foi um dos vencedores do 25 de Novembro (ouviu quem quis). Tal como nós estudámos a documentação do PCP sobre o 25 de Novembro, António Filipe sabe que o PCP foi o Partido moderado de então, e que teve um papel, contra a sua base, na decapitação da esquerda militar, como o PCP face à esquerda revolucionária na Catalunha em 1937. A obediência a Ialta era maior do que aos trabalhadores. E que isso levou sectores importante do Partido, entre eles Saramago, a questionar a direcção.
Antes do páras saírem somam-se atentados de direita e mesmo a mobilização de armas para a guerra civil, quer pela direcção do PS quer por organizações como a CAP (Confederação da Agricultura Portuguesa), que se barricam horas antes. A CAP que se preparar para celebrar esse dia, com orgulho e não escondendo o que fez, armar-se para defender os latifúndios. Doa a quem doer.
O 25 de Novembro não foi um golpe pacifico contra a revolução, uma "contenção" democrática como refere o historiador Fernando Rosas, apoiando a visão do PS e mesmo da direcção do PCP de então. Foi um golpe violento contra a revolução que implicou centenas de prisões de oficiais que ficaram sem quaisquer direitos durante meses, sem poder sequer ver as famílias, e seguiram-se, nas horas seguintes, a supressão da democracia e milhares de despedimentos, a começar, logo e principalmente, nos media públicos, afastando o jornalismo auto-organizado nas redacções, um saneamento generalizado de esquerda nas redacções e nos quartéis - dominar as armas e a comunicação era o objectivo da burguesia, que através do PS, recuperava o controlo sobre o aparelho de Estado e mediático.
As conquistas de Abril não se perderam agora, quase todas terminaram até ao final dos anos 1980, quando o Estado Social foi substituído pelo Estado assistencial - fim da gestão democrática nas escolas, 1976, fim do poder das comissões de trabalhadores, 1979, fim da gestão democrática dos hospitais, 1982 e por aí fora, até à entrega das empresas capitalizadas como a Banca, comunicações e transportes a accionistas privados, regressados de Copacabana, num negócio financeiro que ruiu em 2008. E cuja resposta foi a venda de solos do país para salvar os banqueiros salvos em 2008 - há um fio condutor de 25 de Novembro de 1975 até aos dias de hoje.
Logo apresentamos o nosso livro "", com apresentação do Mário Tomé e do Ricardo Cabral Fernandes. Não é a bíblia sobre o 25 de Novembro, porque não acreditamos em bíblias. Mas em debate cientifico, feito de diálogo entre conceitos e evidências, e que certamente gerará controvérsias, dúvidas e questões por resolver. Isso é a história. O que certamente não é, o nosso livro, é a história das "comemorações oficiais", que em grande medida será feita na Gulbenkian num congresso de afirmação da visão do PS sobre o 25 de Novembro, e que hoje é, paradoxalmente, a prova mais evidente do papel do PS então - tentaram ficar longe da direita contra a revolução e acabaram engolidos pela direita, porque só ao lado da revolução poderiam ter evitado chegar aqui, serem o side-car de um governo de extrema direita que criminaliza imigrantes para baixar o preço do seu salário.
2025 11 21
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Joaquim Moedas Duarte
Gosto de ler as suas análises, são um exemplo de como é fácil manipular a História. Basta pormo-nos num lado da barricada e ver tudo com uns binóculos a partir dessa trincheira. Análises que vêm sempre acompanhadas de referências à cientificidade da História, para que o bom povo perceba que, baseadas em muitos estudos e leitura crítica das fontes, estas análises é que desvendam a verdade histórica.
O problema é que a História se ri das ilusões científicas, quando apresentadas como A VERDADE!
O bom Historiador é humilde, põe hipóteses, não faz juízos de valor. Tem consciência de que a História, quanto mais contemporânea, mais amálgama de histórias ela é. O caso do 25 de Novembro de 1975 é um exemplo disso.
Por isso a historiadora Irene F. Pimentel fala do "efeito Rashomon" quando analisa o 25 de Novembro no seu livro "Do 25 de Abril de 1974 ao 25 de Novembro de 1975". O "efeito Rashomon" refere-se a situações onde diferentes pessoas têm percepções e interpretações contraditórias e opostas sobre o mesmo acontecimento, o que impossibilita a definição de uma VERDADE OBJECTIVA sobre ele. O que há são versões da verdade.
Para descrever um cubo é preciso observá-lo sob todos os ângulos, de modo a analisar as suas seis faces.
Irene Pimentel conclui "As opiniões sobre o que se passou em 25 de novembro de 1975 dividem-se consoante o lugar no espectro político em que são expressos":
Nessa perspectiva, ela limita-se a descrever as diferentes interpretações dos que estiveram envolvidos nas movimentações militares e políticas do 25 de Novembro. Não toma partido, .
Quando se toma partido cai-se facilmente na caricatura histórica, como se vê nas "comemorações" do 25 de Novembro promovidas pela direita e pelos coisos fascistas.
Receio que a profª drª Raquel Varela esteja a cair no mesmo, embora com sinal contrário...
Oscar Manuel Carvalho
Oficial de Prevenção no dia. Quartel ligado à esquerda. Na porta de armas fui chamado para acalmar sindicalistas da cintura industrial que exigiam entrar: "nós estivemos na guerra, sabemos melhor que vocês o que há a fazer. Isto é um golpe fascista e o nosso partido mandou-nos para casa"
Carlos Pernes
Um reparo importante: não foram só oficiais, foram milhares de sargentos e praças, membros das coordenadoras do MFA, nas Unidades Militares dos 3 ramos das Forças Armadas. Os oficiais e sargentos do quadro muitos foram detidos e suspensos, os oficiais, sargentos e praças milicianos foram expulsos liminarmente. Foram abertos inquéritos aos militares expulsos para denunciarem outros militares que não inspiravam confiança aos golpistas; uma autêntica caça às bruxas ponto
Margarida Varela
Espero pelo seu livro.Eu vivi-quase chorei-o 25 de Novembro.Estou farta de ouvir teses sobre o que aconteceu.Fico contente por a Raquel,que é historiadora,reponha a verdade.Obrigada
Madalena Marques
Importante este post para se saber a verdade!Mesmo que a direita e alguma esquerda venham oferecer outro ponto de vista.Claro que houve muitos jogadores nisto!
Armando Pinho
Vamos ser claros Raquel Varela queria e ainda quer que Portugal fosse a Cuba da Europa!.....aproveita as viagens low cost e vai para lá....se gostas tanto!
Joao Inacio
Concordo com a Raquel sabendo que o comitê central e seus dirigentes na altura o que fizeram foi evitar uma ameaça de guerra civil.
Deixo aqui o discurso de Álvaro Cunhal de agosto de 1975 .
Deixo também este enxerto que ilucida bem as ameaças que havia na altura.
É uma crise política, com uma vasta e aberta ofensiva terrorista da contra-revolução, com contradições e conflitos internos nos órgãos do poder, com dissidências nas duas componentes essenciais do processo (no MFA e no movimento popular e democrático), com uma vasta e activa oposição ao processo revolucionário conduzida pelos dirigentes do PS, pelo PPD e pelo CDS, com um ambiente de conspiração podendo conduzir a choques armados.
https://www.pcp.pt/intervencao-de-alvaro-cunhal-na-reuniao-plenaria-do-comite-central-do-pcp
Vladimiro Mendes Inacio
Esta senhora vem agora nesta fase da luta fazer alusões ao PCP porquê. Faz-me lembrar o MRPP na altura do PREC com a mesma actuação. Quer ressuscitar o MRPP? Esse partideco, que se apresentava pretenciosamente como educador da classe operária morreu. A luta agora está noutro nível, os trabalhadores não precisam de mais confusão, precisam de unidade e acção contra o pacote laboral. Quer discutir o Marxismo Leninismo ou os eventos do 25 de Novembro no facebook? Tenha paciência e organize-se no seu local de trabalho e não venha agora com cantilenas discutíveis e insinuosas nesta difícil fase da luta contra o grande patronano que tem o apoio do governo e dos partidos de direita.
Victor Barroso Nogueira
A História não é Ciência, é uma interpretação de factos e acontecimentos com "descrições" que resultam do olhar e das lentes de quem os "lê" ou "treslê" e sobre eles se pronuncia. Nunca é bacteriologicamente "pura". A "verdade " histórica não é absoluta mas "tendencial". Quanto muito, uma confluência ou não entre linhas paralelas, divergentes ou convergentes !

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