sábado, 9 de fevereiro de 2013

Janelas verdes para o centro de Lisboa



A mais nova editora em Portugal vai nascer num velho armazém onde o cheiro a livros está entranhado. Fica no centro de Lisboa e entrar ali é ir numa viagem pelo tempo. Estamos no princípio de tudo, ou seja, na génese da Divina Comédia. Desta vez sem Dante, mas com Dante a espreitar as palavras de Alexandre Vasconcelos e Sá. Ele é o homem entre paredes altas e janelas verdes.
Para quem gosta de livros e de tudo o que os rodeia, entrar aqui é como passar a porta para um mundo encantado. A chuva, o frio, os pés molhados, as pernas moídas de subir a calçada íngreme, tudo é esquecido. Fecha-se o guarda-chuva e os olhos já se perderam naquele lugar marcado por umas janelas imensas que vão do chão ao tecto, em arco, e quadrícula estreita, com pequenas vidraças a deixar passar a luz que resta de um dia de Inverno quase a chegar ao fim, quase a ser noite. Lá dentro é quente. O chão é de madeira, tábua corrida e cheia a livros, um cheiro antigo que não é mofo, não é pó. É papel para ler ou que já foi lido.
Estantes, caixotes, secretárias, armários cuja função se perdeu no tempo, escadas que vão dar a uma mezzanine, mais estantes, objectos que, retirados do lugar, parecem peças de museu, um armário de gavetas minúsculas que, quando se abrem, se descobrem capazes de compor palavras. São letras. Todo o abecedário em minúsculos pedaços de chumbo de quando cada página de livro era composta com a paciência e a precisão de um tipógrafo, que lia como quem está demasiado próximo da palavra para entender todo o sentido do texto. Letra a letra. A imaginação procura algumas e encontra. Primeiro o D, maiúsculo, e segue, sempre em maiúsculo até à composição final. DIVINA COMÉDIA. Encontrados todos os caracteres, dispostos lado a lado, a palavra assume um significado. É a mais recente editora fundada em Portugal e em processo de construção ali, num velho armazém no centro de Lisboa. 
O lugar
Alexandre Vasconcelos e Sá não tem dúvidas de que aquele é o lugar. “Este espaço reflecte o que queremos fazer”, sublinha numa sala, que será a de reuniões e já vai sendo, a única forrada a papel novo, as lombadas da obra que antecipou um nascimento que não foi prematuro, mas cheio de significado, segundo o fundador desta editora que quer pôr no mercado entre 80 a 100 livros já este ano, mesmo em tempo de crise.


Saído da Objectiva, Vasconcelos e Sá foi à Feira de Frankfurt, quando estava a ser anunciado o nome do Nobel da Literatura, e encontrou disponíveis os direitos de publicação para Portugal de Mudanças, uma obra autobiográfica de Mo Yan, o chinês que em 2012 conquistou a Academia Sueca e foi anunciado ali mesmo, andava Alexandre às compras, o Nobel. Um livro pequeno que podia colocar no mercado, se acelerasse o processo de edição. Assim foi. Entregou a tradução a Vasco Gato e antes do Natal os portugueses tinham dois livros do Nobel chinês Peito Grande Ancas Largas, que a Ulisseia já tinha editado e que voltou a reeditar, e este Mudanças, capa branca com o símbolo de uma nova chancela. Era a estreia da Divina Comédia.
O editor fala do lugar, do livro que já nasceu, do que vai ser a editora que está a construir com o entusiasmo a contagiar os olhos, enquanto vai pedindo quase desculpa pelo caos à volta. Estamos num antigo armazém de uma antiga editora, um espaço que ele quer construir e adaptar às necessidades da sua nova casa: um lugar aberto ao público, com sessões de debate, lançamentos, festa à volta do livro, onde toda a gente pode entrar.
“As portas vão estar sempre abertas”, garante numa altura em que ainda há muita coisa em segredo, como o catálogo a lançar, os nomes que o compõem, a data precisa para a inauguração. “Gostávamos muito que a festa já pudesse acontecer aqui”, mas não quer prometer. Está quase tudo por fazer, ainda que muita coisa seja para fazer.
O cicerone
Os serviços editoriais, de uma equipa que à partida será de sete pessoas, irão funcionar na mezzanine para libertar o espaço em baixo para o público. Não vai haver livraria, mas há a vontade de receber “amigos” e de fazer exposições, de circular.

Como em casa, Alexandre faz de cicerone. Chega à porta que dá para um pátio agora atulhado de tralha, mas que será liberto para mesas e cadeiras e que se adivinha venha a ser uma sombra no Verão quente de Lisboa. É uma palavra quase sempre presente no discurso do editor. Lisboa. Gosta tanto de livros quanto da cidade onde nasceu e vive e para o centro da qual agora se vê regressar enquanto editor em tempo de crise.
Claro que calculou o risco. Anda nisto há muito anos, como gosta de dizer, apesar de ser novo. Na D. Quixote, primeiro. Foi lá que começou no que viria a ser um “vício” que ganhou ao Direito e a outras possibilidades de vida mais “seguras”. Ele continua a ir pelo risco. Agora sozinho, com a ajuda de uma equipa que trouxe com ele do último sítio por onde passou e que lhe garante a qualidade para avançar num tempo em que quase todos recuam.
“Arriscar num momento destes é dramático, mas já pensei mil vezes no que estou a fazer.” E não pensa a curto prazo. “Queremos que esta marca dure muito anos”, vai dizendo, e é como se o espaço em volta lhe desse algumas garantias. Tudo ali é sólido e é dessa solidez que anda à procura. É com ela que quer construir o catálogo dividido em duas marcas: uma “mais literária, se assim se pode dizer, voltada para um público que não é grande, mas que é fiel aos bons livros em Portugal e que contempla a ficção e o ensaio literários”, e outra "mais de entretenimento, livros bem feitos e a pensar em maior números de vendas."
Descobrir
Ainda não abriu e já lhe vão chegando originais. Quer publicar nomes conhecidos, mas descobrir outros, gente nova, em português, e também gente que merece ser publicada por cá e nunca foi. Descobrir é um verbo a conjugar. Outra nota que vinca sempre: “Tratar muito bem os livros. Editorialmente, graficamente, e ter uma grande proximidade com os autores. Se eles quiserem vir de vez em quando para aqui escrever, queremos que isso seja possível. Esta também é a casa deles.”


Na única mesa de trabalho que ainda existe, as pilhas de papéis são grandes, os computadores pedem licença uns aos outros, tudo se amontoa. Viram-se capas, nada é ainda para revelar. Apenas que já há muito que fazer e muito para ler e decidir no que se refere à edição.
Os olhos, mais uma vez, brilham. Há emoções mais difíceis de esconder do que um nome num quadro. “Por agora é assim. Temos de trabalhar neste cantinho. Muitas vezes levamos as coisas para fazer em casa.
A falta de espaço e o barulho das obras que vão começar assim o exigem, mas é aqui que vamos estar todos, neste primeiro piso”, revela Alexandre com uma panorâmica sobre o espaço que é grande visto dali, pé-direito alto a antecipar dias de luz. E cheio de livros. Outra frase quase tão dita quanto o bom que é regressar ao centro de Lisboa. "É tão bom regressar ao centro da cidade!” Não é ponto final. É exclamação mesmo. E ver gente a passar e a entrar e poder vir a pé de casa, desde o Cais do Sodré, num percurso que tanto pode ser feito pela Rua da Prata dos Douradores, passar pala casa de Carlos Botelho, “o grande pinto de Lisboa”, de que tanto gosta. Ou variar, seguir pelo Príncipe Real, parar nos alfarrabistas da Rua da Misericórdia, descer o Chiado, a Rua do Alecrim. “Percurso inspirador”, ri o editor que quer dar uma gargalhada daqui a uns anos, naquele espaço, aliviado de um dia ter tido a ideia de abrir uma editora só sua, num tempo em que tudo e todos o desaconselhavam a fazê-lo. Porque acredita nos livros. E não vamos agora falar de formato. Estamos num armazém de uma antiga tipografia. para já, é papel.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

As palavras segundo Eugénio de Andrade e Victor Nogueira




  • Diremos prado bosque
    primavera,
    e tudo o que dissermos
    é só para dizermos
    que fomos jovens

    Diremos mãe amor
    um barco,
    e só diremos
    que nada há
    para levar ao coração

    Diremos terra mar
    ou madressilva,
    mas sem música no sangue
    serão palavras só,
    e só palavras, o que diremos.

     

    Eugénio de Andrade – Que Diremos Ainda?

    Vê como de súbito o céu se fecha
    sobre dunas e barcos,
    e cada um de nós se volta e fixa
    os olhos um no outro,
    e como deles devagar escorre
    a última luz sobre as areias.
    Que diremos ainda? Serão palavras,
    isto que aflora aos lábios?
    Palavras?, este rumor tão leve
    que ouvimos o dia desprender-se?
    Palavras, ou luz ainda?
    Palavras, não. Quem as sabia?
    Foi apenas lembrança doutra luz.
    Nem luz seria, apenas outro olhar.

    Eugénio de Andrade
    há 6 horas · Editado · Gosto · 1 
  • Victor Nogueira escrito por um poeta menor


    AS PALAVRAS

    Rede com dois gumes
    letras do nosso pensamento
    são
    os olhos que nós temos
    e os seus lábios os nossos lábios (1)

    as palavras morrem de sede ~ Victor Nogueira

    as palavras
    morrem de sede
    na tua ausência
    enleadas na rede
    com permanência
    um punhal
    sufocante
    no torno das ondas
    .
    redondas
    .
    em remoinho
    o vento nada me traz
    no caminho
    nada se faz e
    tudo mas tudo
    ……..se liquefaz
    .
    Escalavradas
    à parede encostadas
    mal recostadas e recortadas
    paradas
    tumulam as palavras

    em premência
    .
    .
    .
    Setúbal 2011.12.12
    há 6 horas · Gosto · 1

  • Maria Jorgete Teixeira Eugénio sempre...como ele burila bem as palavras...
    Tu, poeta menor? Quem disse? Também és mestre no manejo da pena...


  •  As palavras

    São como um cristal,
    as palavras.
    Algumas, um punhal,
    um incêndio.
    Outras,
    orvalho apenas.

    Secretas vêm, cheias de memória.
    Inseguras navegam:
    barcos ou beijos,
    as águas estremecem.

    Desamparadas, inocentes,
    leves.
    Tecidas são de luz
    e são a noite.
    E mesmo pálidas
    verdes paraísos lembram ainda.

    Quem as escuta? Quem
    as recolhe, assim,
    cruéis, desfeitas,
    nas suas conchas puras?

    Eugénio de Andrade


    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

    Victor Nogueira 


    1. 

    Os livros e as pessoas
    Dizem que os livros são os nossos melhores e maiores amigos.
    Mas os livros não se sentam á nossa beira,
    nem têm olhos, nem sorriem

    nem nos abraçam,
    nem connosco passeiam pela rua, pelo campo.
    Nada podemos dar aos livros
    senão as letras dos nossos pensamentos
    ou um pouco de nós
    para que chegue aos outros.
    .
    Os livros têm os olhos que nós temos.
    E os seus lábios são os nossos lábios.
    Porque se os livros tivessem olhos
    e lábios e mãos e dedos
    seriam talvez pessoas
    mas nunca livros.

    Victor Nogueira (1969)

    • Victor Nogueira
      2. 
      o excerto é este
      «Mas nada disto interessa. Uma presença, um gesto, um sorriso, valem mais que mil palavras.»
      retirado duma das minhas notas no inFaceLock.

      3.

       Comunicamos com os outros essencialmente com as palavras, pontes ou barreiras, clarificantes ou não. Mas também comunicamos através de outros meios, como os gestos, a postura corporal, a mímica, o vestuário, com chaves diferentes ou não conforme o contexto em que surgem ou o meio socio-cultural em que nos inserimos ou de que provimos.


      4.
      A mim o que me interessa são os vivos e a solidariedade ou o gesto que se não recusa, a liberdade que conseguimos fazer nascer nesta teia de constrangimentos e de embaraços.
      • Victor Nogueira

        5.
        Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas?

    quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

    John le Carré e George Smiley


    http://www.johnlecarre.com/books/the-smiley-novels

    Here is a complete list of the novels featuring John le Carré’s much loved master spy, George Smiley.
    Click on the book titles for links to learn more about the novels and read reviews.
    It was less an interview than an amiable conversation over a walk in the park. George Smiley had been sent to speak to a high-ranking civil servant after an anonymous tip-off that he was a security risk. It was a formality – and the two men liked each other. Why then, did it apparently drive the poor man to despair? And why was he found dead the next day, the victim of an unnecessary suicide?


    Call for the Dead is John le Carré’s first novel, and introduced one of fiction’s most famous spies – George Smiley, who is both brilliant and unremarkable.
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    Stella Rode has written two letters to the Christian Voice’s problem column: the first was a tip for preparing pastry; the second declares that her husband may be planning to kill her. And by the time George Smiley is handed the second letter, Stella is already dead. Travelling to the old, cloistered institution of Carne School, Smiley discovers that neither the very respectable people of the school nor the murder are as straightforward as they appear.
    A Murder of Quality is an ingenious mystery – with all of le Carré’s unmatched skill for deft plotting – and a wry, intelligent commentary on class warfare of a particularly bloody kind.
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    Leamas is finished. Every agent he ran in the field has been remorselessly hunted and killed. It is time to come home, to come in from the cold.


    But in the moral ambiguities of the Cold War, nothing is ever as it sems – particularly where George Smiley is involved. With its thrillingly effective atmosphere and lean, brilliant prose, John le Carré’s breakthrough novel is a suspenseful masterpiece, and a gripping insight into the unforgiving ethics of espionage. With it, he changed the rules of the game, and was rocketed to worldwide fame.
    Winner of the Crime Writers’ Association’s Dagger of Daggers in 2005 for the best crime novel in fifty years.
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    The Department has faded since the war, effectively mothballed, without agents or resources. But now, with intelligence of a possible missile threat, it again has a mission. This is a chance to prove its influence to those at the Circus, like George Smiley, who think the Department’s time has passed. The opportunity to reclaim former glory cannot be missed – even though it means putting men’s lives at desperate risk, on foreign soil.


    The Looking Glass War is a gripping story of the amorality of espionage – unflinching in its depiction of the men involved, who are as much full of vanity and fear as of selflessness and courage.
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    The Circus has already suffered a bad defeat, and the result was two bullets in a man’s back. But a bigger threat still exists. And the legendary George Smiley is recruited to root out a high-level mole of thirty years’ standing – though to find him means spying on the spies.


    Tinker Tailor Soldier Spy is brilliant and ceaselessly compelling, pitting Smiley against his Cold War rival, Karla, in one of the greatest struggles in all fiction.
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    It is a beleaguered and betrayed Secret Service that has been put in the care of George Smiley. A mole has been uncovered at the organisation’s highest levels – and its agents across the world put in grave danger. But untangling the traitor’s web gives Smiley a chance to attack his Russian counterpart, Karla. And part-time spy Jerry Westerby is the weapon at Smiley’s disposal.


    The Honourable Schoolboy is remarkable and thrilling, one of three books (together with Tinker Tailor Soldier Spy and Smiley’s People) to feature the legendary clash between Smiley and Karla, two brilliant spymasters on opposite sides of the Cold War.
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    The murdered man had been an agent – once, long ago. But George Smiley’s superiors at the Secret Service want to see the crime buried, not solved. Smiley will not leave it at that, not when it might lead him all the way to Karla, the elusive Soviet spymaster…


    Smiley’s People is a thrilling confrontation between one of the most famous spies in all fiction and his Cold War rival, Karla. Like Tinker Tailor Soldier Spy and The Honourable Schoolboy, it is as tense and unforgettable as only le Carré’s novels can be.
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    The Cold War is over and Ned’s career, if not the whole business of spying, is on the wane. He asks an old mentor – George Smiley – to lecture to the students now in his charge. And the great spy’s speech drives Ned’s thoughts to his own time in the world of espionage: to double agents and proud arms dealers, to a beautiful German terrorist and a royal escort mistaken for an assassin, and to betrayals both clumsy and cold-blooded.


    The Secret Pilgrim is le Carré’s final book to feature his most famous creation – the brilliant yet unremarkable George Smiley. The moral ambiguities of espionage are as thrillingly and commandingly present here as anywhere in modern fiction.
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