sexta-feira, 23 de maio de 2008

Portugal era o império da fé e do medo


A INQUISIÇÃO MOSTRA O SEU ÓDIO:
não satisfeita em lançar livros à fogueira, comprazia-se em queimar gente.








F a s c í c u l o 4
Portugal era o império da fé e do medo

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A Inquisição foi criada no século XIII, um momento da História em que religião e Estado se confundiam em muitas nações européias. A fé do soberano tinha de ser adotada por todos os súditos, sob pena de severas punições. De início apenas um organismo ligado ao Papa, com a finalidade de combater os hereges albigenses e valdenses no sul da França, a Inquisição ganhou mais tarde a atribuição de defender a fé católica onde fosse preciso. Portugal, no entanto, demorou a entrar no esquema. O país era um dos poucos em que os judeus costumavam ser deixados em paz.

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A situação mudou no final do século XV. A vizinha Espanha, em 1480, instalou seu primeiro tribunal da Inquisição, em Sevilha. Os judeus espanhóis foram expulsos em 1492, e cerca de 120 mil se transferiram para Portugal, que a princípio os acolheu muito bem - e melhor ainda ao seu dinheiro.

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Foi d. Manuel, o Venturoso, pressionado pelos reis da Espanha, seus sogros, quem começou a perseguir judeus e mouros. Em 1497, ordenou que se convertessem ao catolicismo ou saíssem de Portugal. A essa altura, ao fanatismo religioso da população influenciada pelo clero juntava-se o olho gordo de quem estava interessado nos bens dos não-cristãos. Houve muitas crueldades contra eles nas décadas seguintes, nem sempre endossadas pelos governantes ou pelos religiosos. A Inquisição só entrou em cena mesmo em 1536.

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Naquele ano, instalaram-se os tribunais do Santo Ofício em Portugal. Oficializava-se o ódio contra os "hereges seguidores de Moisés". A legislação baixada pelo inquisidor-geral, cardeal d. Henrique, em 1572, apertou ainda mais o cerco, incentivando o aparecimento da figura do dedo-duro: quem tinha conhecimento da conduta irregular de alguém e não o denunciava era considerado tão culpado quanto ele. As delações vinham em cascata. As listas de livros proibidos enchiam páginas e páginas, a um alto custo para a cultura.

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"A censura inquisitorial não só aniquilou a tradição humanística do nosso Renascimento, e cortou a comunicação de Portugal com a cultura européia, mas ainda desanimou e esterilizou (...) a criação literária e científica", diz o historiador português Antônio José Saraiva. O poeta Antônio Ferreira (1528-1569) se lamentava a certa altura, dando o tom da época: Em medo vivo, em medo escrevo e falo,/ tenho medo de falar comigo mesmo,/ até em medo penso e em medo calo. Nem nomes consagrados como o dramaturgo Gil Vicente e o poeta Luís de Camões estavam livres de suspeitas. Foi nessa época que ocorreu a primeira "visita" ao Brasil.

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Heitor Furtado de Mendonça, ex-desembargador real e ex-capelão do rei, já passara por 16 investigações de limpeza de sangue para comprovar sua condição de católico puro, autêntico cristão-velho. Desembarcou na Bahia em junho de 1591. Sua missão não era apenas descobrir marranos. A Igreja estava interessada também em punir os envolvidos em crimes de bigamia, poligamia, adultério, sodomia e bestialismo (sexo com animais).

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Em setembro de 1593, Mendonça se transferiu para Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Não teve tempo de ir para o Sul: em fevereiro de 1595, a visitação foi interrompida e o inquisidor chamado de volta a Lisboa. Ele exorbitara de suas funções. Prendia gente sem motivo, processava réus que deveriam ser julgados na metrópole (o Brasil, sem tribunal do Santo Ofício, estava subordinado ao de Lisboa), liberava pessoas com forte presunção de culpa e sentenciava outras que tudo indicava serem inocentes.

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D. João IV - primeiro rei português depois do término do domínio espanhol, em 1640 - afrouxou as rédeas do Santo Ofício e provocou a ira da Igreja. Resultado: foi excomungado depois de morto, em 1657, e os julgamentos e autos-de-fé retornaram em grande estilo. Na primeira metade do século XVIII, cresceu o número de padres e freiras julgados por heresia. D. José I assumiu o trono em 1750 e nomeou primeiro-ministro o marquês de Pombal, velho inimigo dos jesuítas. A Inquisição ainda arreganhava os dentes, perseguindo gente como o escritor Francisco Manuel do Nascimento e o poeta Bocage, mas Pombal pouco a pouco lhe tirou a força. O último "relaxado" - condenado entregue à justiça comum para ser executado - é de 1767.

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Os invasores franceses, para ganhar o apoio do povo, suspenderam o Santo Ofício em Portugal em 1808. O Governo o enterrou definitivamente em 1821, com a população de Lisboa, em festa, pondo abaixo o edifício do tribunal, no Rossio. Comemorava-se o fim de uma das mais brutais instituições da História, que em 285 anos de eficiente atuação em Portugal processou centenas de milhares, torturou dezenas de milhares e queimou ou garroteou mais de duas mil pessoas.

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No Brasil, ao longo dos quase 200 anos de atuação da Inquisição, 400 pessoas foram condenadas a penas variadas - 21 foram queimadas ou garroteadas, entre elas o autor teatral Antônio José da Silva, cuja história foi contada pelo jornalista Alberto Dines no livro "Vínculos do fogo".

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