sexta-feira, 8 de março de 2013

Catarina, o Pintor morreu !

Victor Nogueira a Sexta-feira, 8 de Março de 2013 às 21:48
 
 
CANTAR ALENTEJANO
Vicente Campinas*
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Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer
Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou
Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou
Aquela pomba tão branca
Todos a querem p’ra si
Ó Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti
Aquela andorinha negra
Bate as asas p’ra voar
Ó Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar
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* Este poema foi musicado por José Afonso, no álbum «Cantigas de Maio», editado no Natal de 1971
Podes ouvi-lo a seguir
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RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA
José Carlos Ary dos Santos
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Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.
Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.
Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do solna culatra da noite.
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Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.
 
 
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CATARINA EUFÉMIA
Sophia de Mello Breyner Anderson
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O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente
Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos
Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua.
 
 
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Margem Sul (canção Patuleia)
Urbano Tavares Rodrigues
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Ó Alentejo dos pobres
Reino da desolação
Não sirvas quem te despreza
É tua a tua nação. 
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Não vás a terras alheias
Lançar sementes de morte
É na terra do teu pão
Que se joga a tua sorte.
 .
Terra sangrenta de Serpa
Terra morena de Moura
Vilas d'angústia em botão
Dor cerrada em Baleizão.
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Ó margem esquerda do verão
Mais quente de Portugal
Margem esquerda deste amor
Feito de fome e de sal.
 .
A foice dos teus ceifeiros
Trago no peito gravado
Ó minha terra morena
Como bandeira sonhada.
 .
Terra sangrenta de Serpa
Terra morena de Moura
Vilas d'angústia em botão
Dor cerrada em Baleizão.
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Podes ouvir aqui interpretado por Adriano Correia de Oliveira
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Catarina Eufémia (1928 – 1954)
Personifica o exemplo de coragem e tenacidade na luta pela liberdade. Trabalhadora rural, Catarina Eufémia reivindicava pão e melhores salários quando foi assassinada em terras de Baleizão pelas forças do regime salazarista. Viviam-se tempos difíceis no Alentejo. Com condições de vida precárias, os camponeses [assalariados rurias] saíram à rua para protestar. Catarina Eufémia - que se supõe ter sido militante comunista - liderava o movimento. Era o símbolo da dedicação aos ideais, como a justiça e a igualdade, um símbolo da resistência do proletariado rural alentejano à repressão e à exploração do salazarismo e, ao mesmo tempo, um símbolo do combate pela liberdade e da emancipação da mulher portuguesa. A sua trágica história tornou-se numa lenda e inspirou vários poetas ao longo de décadas.
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Todo o país estava em luta. Os trabalhadores sofriam a repressão e a exploração económica. Lutavam por condições mais dignas e melhores salários. Sentiam na pele o regime ditatorial de Salazar. No Alentejo, os trabalhadores agrícolas estavam em greve. Já se recorria a mão-de-obra de outras zonas do País que se sujeitava às condições precárias que ofereciam os empresários. A década de 50 foi um período de grandes tensões sociais. E a PIDE estava à espreita, assim como a GNR, que tinha postos nas próprias herdades.
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Em 19 de Maio de 1954, a situação agravou-se. Os assalariados rurais de Baleizão abordaram abertamente um grupo de trabalhadores recém-chegados para que, também eles, reivindicassem melhores condições de trabalho. Os ânimos aqueceram. Catarina Eufémia, uma ceifeira analfabeta, estava à frente do movimento. Mulher de coragem e determinação, lutava por uma sociedade mais justa e, como a própria afirmava, por “pão e trabalho”. Ao ser abordada pelo tenente Carrajola, da GNR, Catarina respondeu com autoridade. No mesmo momento levou vários tiros e morreu. Tinha 26 anos e três filhos. Crê-se que estava grávida. A notícia chocou o País. Catarina Eufémia morreu como uma resistente, exigindo mais dignidade para os trabalhadores agrícolas.
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[Não me parece que a censuira permitisse a notícia da morte de Catarina, assim como não noticiava as lutas e reivindicações dos trabalhadores - VN]  (...)
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retirado do site da RTP - Concurso Os Grandes Portugueses
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Foto de Catarina
litogravura de José Dias Coelho, dirigente do PCP assassinado pela PIDE em 1961 [1] 
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Publicada por Victor Nogueira à(s) Sexta-feira, Fevereiro 23,
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2007   http://kantoximpi.blogspot.pt/2007/02/cantar-alentejano-vicente-campinas.html
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José Dias Coelho, escultor, militante e dirigentte do PCP, forçado à clandestinidade, foi assassinado pela PIDE em 19 de Dezembro de 1961. É dele que fala .Zeca Afonso - A Morte Saiu À Rua
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A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome para qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue de um peito aberto sai
O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o Pintor morreu
Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina, à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou
Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada à covas feitas no chão
E em todas florirão rosas de uma nação
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Podes ouvi-lo aqui


 
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Catarina Eufémia (1928-1954) - assassinada pela GNR a 19 de Maio (Baleizão)
 

 
José Dias Coelho (1923-1961) - assassinado pela PIDE a 19 de Dezembro /Lisboa)



 
Assassinato de Catarina Eufémia, litogravura por José Dias Coelho


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