sábado, 9 de março de 2013

Era de noite e levaram, Catarina

AO RETRATO DE CATARINA
 (Carlos Aboim Inglez)


 Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
... Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta

Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido

Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura

Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto
 
 
*****
 

Rosa de Sangue
(António Ferreira Guedes)
.
 
Os olhos dos camponeses
são fogos na madrugada
Mal o seu corpo tombou
a noite ficou cerrada.
...
Tiros soaram longe
no silêncio da campina
Rosa de sangue brotou
dos seios de Catarina.

Maduro se faz o trigo
em terra sem ser regada
Quem no sangue semeou
há de colher uma espada.

Os olhos dos camponeses
são fogos na madrugada
Mal o seu corpo tombou
a noite ficou cerrada.


 
 
 *****
Luísa Basto.
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 






 
 
CANÇÃO DE CATARINA
(Papiniano Carlos)


Na fome verde das searas roxas
Passeava sorrindo Catarina
Na fome verde das searas roxas
Ai a papoila cresce na campina!
Na fome roxa das searas negras
Que escondes, Catarina, em tua fronte?
Na fome roxa das searas negras
Ai devoraram corvos o horizonte!

Na fome negra das searas rubras
Ai da papoila, ai de Catarina!
Na fome negra das searas rubras
Trinta balas gritaram na campina

Trinta balas te mataram a fome

A fome, Catarina
 
 
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ERA DE NOITE E LEVARAM
(Luís Andrade)
 
Era de noite e levaram
Era de noite e levaram
Quem nesta cama dormia
Nela dormia, nela dormia

Sua boca amordaçaram
Sua boca amordaçaram
Com panos de seda fria
De seda fria, de seda fria

Era de noite e roubaram
Era de noite e roubaram
O que na casa havia
na casa havia, na casa havia

Só corpos negros ficaram
Só corpos negros ficaram
Dentro da casa vazia
casa vazia, casa vazia

Rosa branca, rosa fria
Rosa branca, rosa fria
Na boca da madrugada
Da madrugada, da madrugada

Hei-de plantar-te um dia
Hei-de plantar-te um dia
Sobre o meu peito queimada
Na madrugada, na madrugada
 
 
 
 *****
 
ABANDONO (FADO DE PENICHE)
(David Mourão-Ferreira)
 
Por teu livre pensamento
foram-te longe encerrar.
Tão longe que o meu lamento
não te consegue alcançar.
E apenas ouves o vento.
E apenas ouves o mar.

Levaram-te a meio da noite:
a treva tudo cobria.
Foi de noite, numa noite
de todas a mais sombria.
Foi de noite, foi de noite,
e nunca mais se fez dia.

Ai dessa noite o veneno
persiste em me envenenar.
Ouço apenas o silêncio
que ficou em teu lugar
Ao menos ouves o vento!
Ao menos ouves o mar!
 

*****
 

À MEMÓRIA DE CATARINA EUFÉMIA

(Alexandre O'Neill)

 Podes mudar de nome, carrajola
 pôr umas asas brancas, arvorar
... um ar contrito,
 dizer que não, que não foi contigo,
 disfarçar-te de andorinha, de sobreiro ou de velhinha,
 podes mudar de nome, carrajola,
 de aldeia, de vila ou de cidade
— és como um percevejo num lençol!


 Quando tivermos Portugal nos braços
 e pudermos amá-lo sem sofrer,
 quando o Alentejo se puser a rir,
 Catarina Eufémia, minha irmã,
 então o teu filho há-de nascer!




O’Neill, Alexandre, Coração Acordeão, Lisboa: O Independente, 2004

(previamente publicado na Flama, 24 de Maio de 1974)
http://asfolhasardem.wordpress.com/2011/01/04/alexandre-oneill-um-poema-que-circulou-na-clandestinidade/
 
 
 

*****
.
Portugal ressuscitado
(José Carlos Ary dos Santos)
.
(...)
Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação
uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.
(...)
.
Podes ouvir aqui este excerto, na voz de Ary dos Santos
.
`*****
.



Cartaz para a libertação dos presos políticos no Chile de Pinochet


Forte de Caxias


 
Campo de Concentração do Tarrafal - a frigideira


 
Libertação dos presos políticos, que a Junta de Salvação Nacional presidida por Spínola tentou impedir, ao mesmo tempo que tentava manter a PIDE e a proibição dos partidos políticos, incluindo o PCP





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