quinta-feira, 10 de abril de 2025

Margarida Botelho - Crianças, adolescentes e ecrãs



* Margarida Botelho

 (Membro do Secretariado e da Comissão Política)

A ex­po­sição ex­ces­siva de cri­anças e jo­vens a ecrãs lú­dicos tem graves con­sequên­cias

A pro­pó­sito da série «Ado­les­cência» e da vi­o­lação de uma jovem pu­bli­cada nas redes so­ciais, voltou a falar-se muito da re­lação das cri­anças, dos ado­les­centes e dos jo­vens com os ecrãs lú­dicos.

O abuso de ecrãs não é um fe­nó­meno novo. As horas pas­sadas a ver te­le­visão ou a jogar em con­solas pre­o­cu­param pais e edu­ca­dores nas úl­timas dé­cadas. Mas o fe­nó­meno ace­lerou com a ge­ne­ra­li­zação dos smartphones, que co­me­çaram a ser ven­didos em Por­tugal em 2009, das redes so­ciais e dos jogos on­line.

Têm vindo a ser di­vul­gados es­tudos que de­mons­tram que a ex­po­sição ex­ces­siva de cri­anças e jo­vens a ecrãs lú­dicos tem graves con­sequên­cias para a sua saúde (obe­si­dade, pro­blemas de visão, mús­culo-es­que­lé­ticos, car­di­o­vas­cu­lares, an­si­e­dade, de­pressão e per­tur­ba­ções no sono), no com­por­ta­mento (agres­si­vi­dade, pro­blemas de so­ci­a­li­zação e adição), no plano cog­ni­tivo (pro­blemas na lin­guagem, na con­cen­tração e na me­mo­ri­zação), bem como no apro­vei­ta­mento es­colar. As con­sequên­cias au­mentam na razão di­recta do nú­mero de horas a que as cri­anças e jo­vens estão ex­postos, bem como da idade em que o fazem. O ca­rácter vi­ci­ante dos ecrãs afecta o de­sen­vol­vi­mento dos cé­re­bros ainda em cres­ci­mento, com con­sequên­cias mais pro­fundas do que as ge­radas no cé­rebro adulto.

Mais de me­tade dos alunos a partir do se­gundo ciclo passa, pelo menos, quatro horas em frente a um ecrã nos dias de se­mana, re­levou um es­tudo do Mi­nis­tério da Edu­cação. Facto que con­trasta com as re­co­men­da­ções da So­ci­e­dade Por­tu­guesa de Neu­ro­pe­di­a­tria: evicção de ecrãs até aos 3 anos; 30 mi­nutos por dia dos 4 aos 6 anos; uma hora por dia dos 7 aos 11, duas horas dos 12 aos 15 anos e um má­ximo de três horas por dia até aos 18 anos.

Os ecrãs estão pre­sentes cada vez mais cedo na vida das cri­anças, em quase todos os es­paços que fre­quentam e na forma como os adultos os usam. O re­curso a ecrãs lú­dicos para manter cri­anças muito pe­quenas en­tre­tidas é fa­cil­mente vi­sível em res­tau­rantes, nos trans­portes, ou mesmo nas cre­ches e no pré-es­colar, nas horas que an­te­cedem as ac­ti­vi­dades lec­tivas ou en­quanto es­peram que as fa­mí­lias os vão buscar. Nas cri­anças mais ve­lhas, so­bre­tudo a partir do 5.º ano, é fre­quente o seu uso também nos re­creios es­co­lares.

Um pro­blema de toda a so­ci­e­dade
Se as con­sequên­cias fí­sicas, psi­co­ló­gicas e re­la­ci­o­nais deste uso ex­ces­sivo estão es­tu­dadas, a di­mensão do que se perde pa­rado a olhar para um ecrã é mais di­fícil de medir. As brin­ca­deiras que não se ti­veram, os amigos que não se co­nhe­ceram, as pa­la­vras que não se apren­deram, as aven­turas que não se vi­veram, o abraço que não se deu, o con­flito que não se re­solveu, as horas de sono que se per­deram, o sen­tido crí­tico que não se de­sen­volveu, têm con­sequên­cias na cons­trução da per­so­na­li­dade de cada um.

O con­teúdo do que se vê no ecrã também me­rece pre­o­cu­pação. Os pe­didos de ajuda ao ICAD por de­pen­dência de jogos e de In­ternet de jo­vens entre os 12 e os 24 anos cres­ceram 172% em quatro anos. A ex­po­sição de cri­anças e jo­vens a con­teúdos vi­o­lentos e por­no­grá­ficos, bem como a si­tu­a­ções de abuso se­xual, têm le­vado as forças po­li­ciais a emitir avisos às fa­mí­lias e às es­colas. Um es­tudo da Ordem dos Psi­có­logos sobre de­sin­for­mação pu­bli­cado na se­mana pas­sada es­tima que me­tade dos jo­vens de 15 anos não con­siga dis­tin­guir um facto de uma opi­nião que leia na In­ternet. Os im­pactos das redes so­ciais na saúde mental e na auto-imagem cor­poral, so­bre­tudo das ra­pa­rigas, têm sido su­ces­si­va­mente de­nun­ci­ados.

A so­ci­e­dade deve en­frentar os pro­blemas que o uso ex­ces­sivo de ecrãs lú­dicos está a gerar. São ne­ces­sá­rias me­didas para pro­teger as cri­anças e os jo­vens. É pre­ciso que as cri­anças te­nham tempo livre, re­creios ape­la­tivos na es­cola, au­to­nomia e se­gu­rança para viver o es­paço pú­blico. É pre­ciso de­fender o di­reito das cri­anças e dos jo­vens a brincar, a con­viver, à ac­ti­vi­dade fí­sica, a crescer em li­ber­dade, com in­te­resses di­ver­si­fi­cados e con­fi­ança no fu­turo.

Mas o abuso de ecrãs lú­dicos não é um ex­clu­sivo das cri­anças e dos jo­vens. Não é pos­sível mo­di­ficar as suas ati­tudes sem uma al­te­ração dos com­por­ta­mentos da so­ci­e­dade em geral e sem en­frentar os in­te­resses das mul­ti­na­ci­o­nais do di­gital. Culpar as novas ge­ra­ções, es­tig­ma­tizar os ado­les­centes, enchê-los de proi­bi­ções, não é acei­tável e só re­sul­tará em mais so­fri­mento.

 https://www.avante.pt/pt/2680/opiniao/179189/Crian%C3%A7as-adolescentes-e-ecr%C3%A3s.htm

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