Home » De Olho na História
Abraham Lincoln e o Discurso de Gettysburg
Publicado por Gabriel Perboni em 1 de março de 2011 – 01:502 Comentários
O discurso de Gettysburg foi, sem sombra dúvida, o mais importante discurso já feito por um presidente dos Estados Unidos em termos de significância e relevância para o momento social, econômico e político de uma época. Realizado em 19 de novembro de 1863, em meio ao caos da Guerra de Secessão e por ocasião da inauguração de um cemitério para vítimas da batalha, o discurso do presidente Abraham Lincoln serviu para acalmar os ânimos e despertar um sentimento patriótico na população que, até então, pelo enorme número de mortes na guerra, estava se voltando contra o governo de Lincoln.
O DISCURSO DE GETTYSBURG, EM PORTUGUÊS
Acompanhe o vídeo com a reconstituição do discurso de Gettysburg enquanto lê a tradução das palavras de Abraham Lincoln.
“Há 87 anos, os nossos pais deram origem neste continente a uma nova Nação, concebida na Liberdade e consagrada ao princípio de que todos os homens nascem iguais.
Encontramo-nos atualmente empenhados numa grande guerra civil, pondo à prova se essa Nação, ou qualquer outra Nação assim concebida e consagrada, poderá perdurar. Eis-nos num grande campo de batalha dessa guerra. Eis-nos reunidos para dedicar uma parte desse campo ao derradeiro repouso daqueles que, aqui, deram a sua vida para que essa Nação possa sobreviver. É perfeitamente conveniente e justo que o façamos.
Mas, numa visão mais ampla, não podemos dedicar, não podemos consagrar, não podemos santificar este local. Os valentes homens, vivos e mortos, que aqui combateram já o consagraram, muito além do que nós jamais poderíamos acrescentar ou diminuir com os nossos fracos poderes.
O mundo muito pouco atentará, e muito pouco recordará o que aqui dissermos, mas não poderá jamais esquecer o que eles aqui fizeram.
Cumpre-nos, antes, a nós os vivos, dedicarmo-nos hoje à obra inacabada até este ponto tão insignemente adiantada pelos que aqui combateram. Antes, cumpre-nos a nós os presentes, dedicarmo-nos à importante tarefa que temos pela frente – que estes mortos veneráveis nos inspirem maior devoção à causa pela qual deram a última medida transbordante de devoção – que todos nós aqui presentes solenemente admitamos que esses homens não morreram em vão, que esta Nação, com a graça de Deus, renasça na liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra.”
CENÁRIO
Entre os dias 1 e 3 de julho de 1863, mais de 170 mil soldados dos Estaodos Unidos e dos Estados Confederados travaram uma batalha que viria a ser o ponto de virada da Guerra de Secessão. O conflito aconteceu em Gettysburg, Pennsylvania, uma cidade que, na época, tinha apenas 2.400 habitantes.
Após a batalha, embora exista alguma controvérsia a respeito dos números, mais de 7 mil soldados e 3 mil cavalos jaziam mortos pelos campos de Gettysburg, deixando em estado de choque a minúscula população da cidade. Ainda sentindo os efeitos morais da batalha e sob um forte cheiro de corpos em decomposição, os poucos milhares de habitantes de Gettysburg decidiram que precisavam, e isso era uma prioridade, dar um fim digno aos soldados e enterrá-los da maneira mais respeitosa possível.
A cidade ia construir um cemitério, enterrar os corpos e cobrar os custos das famílias dos soldados, mas David Wills, rico advogado de Gettysburg, não concordou com essa idéia e escreveu uma carta para o governador da Pennsylvania, Andres Gregg Curtin, sugerindo a criação de um cemitério público, financiado pelo Estado. E assim foi feito!
Abraham Lincoln, então presidente dos Estados Unidos, era apenas um entre muitos convidados para a solenidade e seu curto discurso seria apenas uma mera formalidade protocolar, não fosse pela sagacidade de Lincoln em utilizar o momento para se auto-promover e limpar uma parte da mancha de sangue que encobria seu governo.
VALOR POLÍTICO DO DISCURSO DE GETTYSBURG
Os números da Guerra de Secessão, em agosto de 1863, registravam mais de 250 mil nomes na lista de mortes e isso passou a gerar um grande desconforto no governo de Abraham Lincoln que aumentava cada vez mais conforme aumentavam, também, os sentimentos anti-guerra e, aí sim vem o problema, anti-Lincoln. A “facção pacificadora” do Partido Democrata torcia para o tempo passar depressa, assim chegariam as eleições de 1864 e Lincoln seria derrubado facilmente devido à enorme antipatia que a população vinha alimentando por ele.
Curtin, governador da Pennsylvania, alertou Lincoln sobre os perigos da opinião pública se voltar contra os esforços de guerra, dizendo que as probabilidades dele ser re-eleito eram baixas e que os líderes dos Democratas eram hábeis em discursar com paixão e estavam envenenando a mente da população.
Convencido de que a oposição o derrubaria, Lincoln voltou-se a um projeto pessoal para trazer a opinião pública de volta para si e mostrar a todos que os esforços de guerra eram necessários.
Não podemos afirmar que apenas a realização de um discurso na cerimônia inaugural de um cemitério tenha virado a mesa no jogo da opinião pública, mas a astúcia de Lincoln em invocar os Pais Fundadores da Nação, a independência, a constituição e o espírito de liberdade que dela emana, foi algo genial que, isso sim, iniciou uma mudança no sentimento geral quanto à guerra. Pessoas que antes eram contra os esforços de guerra e bradavam pelo fim das batalhas e concessões aos Estados Confederados, agora achavam que a luta pela liberdade era a única maneira de manter viva a memória e os ideais dos homens que haviam lutado pela fundação de seu país.
Historicamente recente naquela época, a declaração da independência dos Estados Unidos, libertando-se do julgo inglês, foi o principal instrumento que Lincoln usou como ferramenta para manter a guerra viva e a opinião pública positivamente ao seu lado.
O único “erro” do discurso de Lincoln, talvez por falsa modéstia, foi afirmar que suas palavras seriam esquecidas.
.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário