Retratos de Cunhal em livro
Intelectuais e artistas como Eduardo Lourenço, José Saramago, Vasco Graça Moura, Siza Vieira, Carlos do Carmo, Ramos Rosa, José Rodrigues ou Urbano Tavares Rodrigues dão corpo a um livro feito de retratos de Álvaro Cunhal.
Valdemar Cruz (www.expresso.pt) 12:14 Terça feira, 24 de novembro de 2009 |
O homem que nunca fez um auto-retrato, nem gostava que o retratassem, tem a partir de hoje mais um livro preenchido na íntegra com retratos que lhe são dedicados, feitos por pintores, escritores, jornalistas ou poetas.
"Retratos de Álvaro Cunhal" é um projecto do editor José da Cruz Santos, com arranjo gráfico de Armando Alves, e será apresentado a partir das 18h30 de hoje por António Borges Coelho, na Biblioteca Museu República e Resistência, em Lisboa.
Quase meia centena de artistas e intelectuais deixam no livro um conjunto de testemunhos que, como assinala o editor, revelam um material de natureza diversa que dá conta "não apenas da dificuldade da tarefa, mas também de um certo cuidado, de um certo melindre, e ainda do escrúpulo e do pudor com que muitos se pronunciam, pois que escrever sobre Álvaro Cunhal nestas circunstâncias corresponde, de certo modo, a dirigir-lhe as palavras registadas".
O retrato de Álvaro Cunhal assinado por Domingos Pinho |
Personalidade ainda hoje geradora de múltiplas reacções, conforme o campo de análise de cada um dos observadores, o ex-secretário geral do PCP assumiu no entanto uma dimensão invulgar no contexto da sociedade portuguesa. Pelo menos é essa a interpretação feita por Cruz Santos, quando refere que algumas renúncias "em participar ou o declinar de um convite não significam necessariamente, nem a discordância com o ideário, nem a intenção de com ele não se comprometerem, mas apenas a dificuldade de abordagem que o estatuto de uma figura como Álvaro Cunhal envolve".
Aproximações em diversos estilos
Por isso são distintas as aproximações feitas. Enquanto Vasco Graça Moura aparece a dissertar sobre o livro de Cunhal "A arte, o artista e a sociedade", Carlos do Carmo prefere contar episódios da sua vivência pessoal com o dirigente comunista, em particular um jantar em que reuniu em sua casa Álvaro Cunhal e a mulher, além de José Saramago e Pilar del Rio.
Num texto intitulado "A Morte de um Comunista", Eduardo Lourenço começa pelo funeral do dirigente do PCP para dizer que "se alguém apreciaria pouco que se falasse da sua morte nos termos publicitários que a imprensa 'burguesa' reserva aos grandes deste mundo seria, sem dúvida, Álvaro Cunhal".
Não era uma questão de modéstia, sublinha Lourenço, "era uma questão de ideário". Segundo o filósofo, Álvaro Cunhal, a partir de uma dada visão do mundo, terá cumprido um serviço "que lhe exigiu o sacrifício do seu destino meramente individual" e passou pela defesa "dos interesses de uma condição e de uma classe que não eram as suas, mas com as quais se iria identificar totalmente sem hesitações. A classe operária e, mais latamente, a dos trabalhadores, menos na sua pureza mítica, pois ele mesmo e muitos outros militantes comunistas dos tempos heróicos da luta contra a ordem salazarista eram pequeno-burgueses e, assumidamente, intelectuais, constituíam esse antimundo burguês destinado a abalar a ordem capitalista e a criar um 'homem novo' e uma sociedade digna dele".
E esta, diz no final Eduardo Lourenço, "é uma vocação rara para que não se respeite, mesmo não a partilhando".
Três metros de altura
Já
Cunhal desenhado por Siza Vieira |
Manuel António Pina, que diz ter partilhado algumas das convicções de Cunhal e ter discordado de muitas outras, ao ponto de não terem estado do mesmo lado sem que estivessem em lados opostos, opta por dar ao seu texto o sugestivo título "Um homem tem três metros de altura", numa evocação de um filme de Martin Ritt "sobre o tamanho da dignidade", como diz uma nota do editor.
Pina confessa que se a sua admiração por Álvaro Cunhal o conduz facilmente à melancolia, "sobretudo em dias como hoje, conduz-me (...) também a desejar absurdamente que homens assim, do mesmo intransigente tamanho por fora e por dentro, renasçam, seja lá de que lado for".
Algumas vezes o militante comunista José Saramago "não esteve de acordo com o secretário-geral que ele foi, e disse-lho. A esta distância, porém, já tudo parece esfumar-se, até as razões com que, sem resultado que se visse, nos pretendíamos convencer um ao outro. O mundo seguiu o seu caminho e deixou-nos para trás", escreve o Prémio Nobel da Literatura.
O livro inclui ainda poemas de, entre outros, Manuel Gusmão, Maria Teresa Horta e Y.K. Centeno, uma fotografia feita por Eduardo Gageiro, além de retratos assinados por artistas tão diversos como Alberto Péssimo, Albuquerque Mendes, Álvaro Siza Vieira, Domingos Pinho, João Abel Manta ou José Rodrigues.
Sem comentários:
Enviar um comentário