The Magic Lantern
Book, 1987
Stockholm: Norstedts Förlag, 1987
Bergman's first autobiography. The book has a non-chronological structure, with altering chapters on childhood, theatre work, the tax affair in 1976, marriage crises, teenage summers in Nazi Germany, encounters with artists like Laurence Olivier, Greta Garbo, and Herbert von Karajan. Despite the title, the book contains quite little information on Bergman's filmmaking.
ARTES
'Lanterna Mágica' os laços de família de Ingmar Bergman
pedro mexia13 Janeiro 2005
Na sua autobiografia Lanterna Mágica (1988, ed. port. Caravela, trad. Alexandre Pastor), Ingmar Bergman não surge afastado e obscuro, mas apostado numa evocação directa, frontal, acessível, mesmo um pouco crua nos detalhes e na linguagem. Depois do resumo feito em Fanny e Alexandre (1984), Bergman acrescenta uma adenda escrita sobre o seu mundo pessoal, certamente marcado pelo remorso e «desprovido de qualquer alegria» mas estranhamente próximo e humano, feito de «amor, patetice, traição, ira, comicidade, tédio».
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Escrito em saltos cronológicos sucessivos, Lanterna Mágica acumula anotações, recordações de infância, sonhos, episódios aparentemente soltos. No começo está essa «lanterna mágica» que Ingmar, em criança, trocou com o irmão ao preço de uns tantos soldadinhos. É a imagem de uma vida dedicada à imagem, bem como de uma constante transfiguração de motivos pessoais, mágicos mas dolorosos. Desse modo, encontramos ao longo destas páginas o retrato complexo do pai, severo pastor protestante, e o retrato magoado da mãe, feito a partir de fotografias. A iniciação sexual de Bergman. Os seus problemas de saúde. Os casamentos e infidelidades. O teatro, da paixão por Strindberg à burocracia estatal. O incessante combate com Deus. As simpatias da família pelo nacional-socialismo. A perseguição fiscal movida pela Suécia ao cineasta de sucesso O assassinato de Olof Palme. O mestre Sjostrom. O encontro com Chaplin e Garbo. O elogio a Tarkovsky. A musa Liv Ullmann.
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Bergman não se detém sobre os seus filmes em termos de «temas» e «significados». Porém, nas detalhadas referências pessoais encontramos quase todos os «temas» e «significados» que serão depois continuamente retomados, filme após filme. Em dois momentos Lanterna Mágica assume mesmo uma feição cinematográfica, de ficção de câmara opressiva mas surdamente poética. Numa cena real (com o pai) e noutra imaginária (com a mãe), Bergman enfrenta o psicodrama familiar que define tantos dos seus filmes. De forma sempre brutal, com «máscaras em vez de rostos, histeria em vez de sentimentos, vergonha e culpa em vez de ternura e perdão».
Música e Cinema, não necessariamente nessa ordem.
Lanterna Mágica, biografia de Ingmar Bergman.
14/12/2010 por Rodrigo Fisher
Terminei essa semana a leitura de “Lanterna Mágica”, autobiografia do diretor Ingmar Bergman. E como se já não bastassem os comentários apaixonados que teci no twitter durante as duas últimas semanas que estive em companhia do livro, vou, aqui, dar-lhes minhas impressões finais.
Após assistir três filmes do diretor – O Sétimo Selo, Morangos Silvestres e Juventude – tive a impressão da qual muitos falam: para se ter a plenitude na interpretação de seus filmes, deve-se compreender a vida de Bergman.
Lançada por uma acanhada editora no Brasil – a Editora Nórdica – a edição do livro que não contêm mais que 300 páginas é, mesmo com todos os erros, louvável. Louvável porque o idioma original é sueco, portanto, por dificuldades lingüísticas, a distância entre o leitor e o autor seria grande – pelo menor desleixo do tradutor. Salvo alguns erros de datilografia e notas de tradutor inconvenientes, a Editora Nórdica cumpre bem seu papel.
Pois bem. Escrito em 1989, já isolado na Ilha de Färo, o diretor relembra-sa de particularidades da juventude e de sua experiência como cineasta. No início da leitura já podemos observar um assunto que tanto perdura na filmografia do diretor: a morte. Relatando sua infância, Bergman é carinhoso ao lembrar de sua ama-de-leite que desapareceu – divulgando-nos depois, que a mesma suicidou-se após descobrir estar grávida. A morte do irmão é, com pesar, relatada – mesmo que numa breve passagem. Mas o falecimento que causa mais remorso no autor é o de sua mãe. Dedicando o último capítulo à mesma, é com melancolia que se lembra de sua submissão perante o marido agressivo. O que pode ser visto no longa-metragem intitulado “Karin’s Face”, por meio de fotografias pessoais de sua mãe.
A joi de vivre que, depois do casamento, deram lugar a passividade e melancolia.
E é também pelo pai, que Bergman retrata suas particularidades no livro. Os castigos e humilhações por este empregado, foram constantes e resultaram no que ele chama de “personalidade bergmaniana”. A frieza e falta de empatia para com seus parentais. O que causa remorso no filho pedante e, posteriormente, no pai ausente.
E em meio às relações amorosas turbulentas, uma paixão sucintamente detalhada pelo autor é o teatro. Suas passagens à vários teatros como diretor, seu perfeccionismo, atores preferidos… E Strindberg, romancista tão venerado pelo autor – e tão encenado em suas peças. E a tal “Lanterna Mágica”, também. Uma espécie de projetor que o garoto Bergman troca com o irmão por soldados de chumbo e que lhe proporcionam pequenas experiências cinematográficas importantes.
O caminho percorrido até se tornar diretor de cinema, a desilusão com a Hollywood americana, o processo do Estado da Suécia contra o diretor, o isolamento na ilha de Färo. Tudo dito sem pudores.
É indiscutível que vários diretores empregam vivências pessoais na concepção de seus filmes, mas Bergman foi o que mais fez uso de tal façanha. Os elementos oníricos que tanto vemos presentes em suas obras foram criados em base de experiências do diretor – como a cena inicial de “Morangos Silvestres”.
Por fim: a sinceridade com a qual o autor se abre no relato de sua vida faz com que “Lanterna Mágica” não seja apenas um livro para os interessados na carreira cinematográfica. São relatos humanizados – os mesmos que fazem de “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, uma obra venerada.
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Ingmar Bergman (1918- ) - O cinema transcendental
A obra de Ingmar Bergman compõe um dos mais ricos e essenciais capítulos da história do cinema. Como poucos, o diretor se apropriou da linguagem para realizar um conjunto significativo que transcende a própria experiência cinematográfica. Abordando temas intrínsecos à existência humana – como desejo, morte e religiosidade –, o cineasta rompeu as fronteiras do cinema sueco e atingiu a universalidade.
A relação de Bergman com o cinema antecede seu trabalho como profissional. Antes de estrear na tela, já havia descoberto o cinema como forma de expressão e até de sobrevivência. Aos 9 anos, no natal de 1927, não resistiu à tentação de ver o irmão presenteado com um projetor e sugeriu uma barganha definitiva para o futuro de sua vida: trocou um exército de chumbo pelo cinematógrafo.
Filho de pastor luterano, amargou uma criação autoritária, baseada em conceitos relacionados ao pecado, confissão, castigo, perdão e indulgência. Em sua autobiografia, Lanterna mágica, Bergman faz relatos impressionantes. Sempre que contava uma mentira recebia castigos constrangedores, como desfilar vestido de menina ou ser trancafiado num armário. É nesse período que vivencia sentimentos como vergonha ou humilhação, tão explorados em seus filmes.
A iniciação profissional do diretor se deu através de um dos patriarcas do cinema sueco, Victor Sjostrom, homenageado em
Morangos Silvestres, em que Sjostrom interpreta o protagonista que perde a noção da memória face à iminência da morte.
Do mestre, diretor do clássico O Vento, com Lilian Gish, Bergman herdou a compreensão da natureza como elemento de sustentação drmática. É o que ocorre, por exemplo, em Monika e o Desejo, onde o verão inunda a trama de sensualidade.Foi esse filme, por sinal, que despertou o interesse de Woody Allen pelo diretor sueco.
Embora Bergman seja quase sempre lembrado por suas obsessões mais frequentes, como o passar do tempo, a morte e a impossibilidade de comunicação, presentes em filmes como
Luz de inverno, O Sétimo Selo,
O Silêncio, Persona e tantos outros, o conhecimento mais aprofundado de sua obra revela um autor de talentos múltiplos.
O Olho do diabo, Sorrisos de uma noite de Amor e
Para não falar de todas essas mulheres são filmes de um bom-humor surpreendente, sobretudo quando se sabe que são filmes do mesmo autor de
Vergonha, Face a face e
Da Vida das Marionetes.
Com larga experiência teatral (foi diretor do Teato Municipal de Goteborg , do Teatro de Malmoe e até hoje continua encenando), Bergman trabalhou em seus filmes com uma equipe que praticamente não se alterou. Harriet Andersson, Erland Josephson, Max Von Sydow, Ingrid Thulin, Liv Ullman e o insuperável Gunnar Bjornstrand são apenas alguns dos nomes imortalizados pelo seu cinema.
Sem eles, não existiria essa obra feita a base de rostos, gritos, silêncios e sussurros. Apesar da fama mundial, Bergman não usufrui do mesmo prestígio na terra natal, a Suécia. Acusado de burlar o fisco, em meados da década de 70, caiu em desgraça. Desde então, vive recluso na ilha de Faro, de onde só sai para encenar suas peças teatrais ou realizar especiais para a tevê. Fanny e Alexander, Oscar de 1985, foi seu último trabalho para o cinema.
Ricardo Cota, 33, é crítico de cinema do Jornal do Brasil há oito anos, com passagens pelas revistas Cinemin, Set, Tabu, Cinema e IstoÉ, além do jornal O Dia. Foi autor dos cursos Bergman/Woody Allen: Dois Cineastas Face a Face; Huston/Coppola: Os jogadores;e O Cinema Cantado, Breve História dos Musicais.