Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Poesia de Brecht
Nada É Impossível De Mudar
Desconfiai do mais trivial ,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
...
Elogio da Dialética
A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.
Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.
Só a força os garante.
Tudo ficará como está.
Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.
No mercado da exploração se diz em voz alta:
Agora acaba de começar:
E entre os oprimidos muitos dizem:
Não se realizará jamais o que queremos!
O que ainda vive não diga: jamais!
O seguro não é seguro. Como está não ficará.
Quando os dominadores falarem
falarão também os dominados.
Quem se atreve a dizer: jamais?
De quem depende a continuação desse domínio?
De quem depende a sua destruição?
Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o "hoje" nascerá do "jamais".
...
Elogio do Revolucionário
Quando aumenta a repressão, muitos desanimam.
Mas a coragem dele aumenta.
Organiza sua luta pelo salário, pelo pão
e pela conquista do poder.
Interroga a propriedade:
De onde vens?
Pergunta a cada idéia:
Serves a quem?
Ali onde todos calam, ele fala
E onde reina a opressão e se acusa o destino,
ele cita os nomes.
À mesa onde ele se senta
se senta a insatisfação.
À comida sabe mal e a sala se torna estreita.
Aonde o vai a revolta
e de onde o expulsam
persiste a agitação.
...
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar."
...
Expulso Por Bom Motivo
Eu cresci como filho
De gente abastada. Meus pais
Me colocaram um colarinho, e me educaram
No hábito de ser servido
E me ensinaram a dar ordens. Mas quando
Já crescido, olhei em torno de mim
Não me agradaram as pessoas da minha classe e me juntei
À gente pequena.
Assim
Eles criaram um traidor, ensinaram-lhe
Suas artes, e ele
Denuncia-os ao inimigo.
Sim, eu conto seus segredos. Fico
Entre o povo e explico
Como eles trapaceiam, e digo o que virá, pois
Estou instruído em seus planos.
O latim de seus clérigos corruptos
Traduzo palavra por palavra em linguagem comum,
Então
Ele se revela uma farsa. Tomo
A balança da sua justiça e mostro
Os pesos falsos. E os seus informantes relatam
Que me encontro entre os despossuídos, quando
Tramam a revolta.
Eles me advertiram e me tomaram
O que ganhei com meu trabalho. E quando me corrigi
Eles foram me caçar, mas
Em minha casa
Encontraram apenas escritos que expunham
Suas tramas contra o povo. Então
Enviaram uma ordem de prisão
Acusando-me de ter idéias baixas, isto é
As idéias da gente baixa.
Aonde vou sou marcado
Aos olhos dos possuidores.
Mas os despossuídos
Lêem a ordem de prisão
E me oferecem abrigo. Você, dizem
Foi expulso por bom motivo.
...
Louvor ao Estudo
Estuda o elementar: para aqueles
cuja hora chegou
não é nunca demasiado tarde.
Estuda o abc. Não basta, mas
Estuda. Não te canses.
Começa. Tens de saber tudo.
Estás chamado a ser um dirigente.
Freqüente a escola, desamparado!
Persegue o saber, morto de frio!
Empunha o livro, faminto! É uma arma!
Estás chamado á ser um dirigente.
Não temas perguntar, companheiro!
Não te deixes convencer!
Compreende tudo por ti mesmo.
O que não sabes por ti, não o sabes.
Confere a conta. Tens de pagá-la.
Aponta com teu dedo a cada coisa
e pergunta: "Que é isto? e como é?"
Estás chamado a ser um dirigente.
...
Esse Desemprego!
Meus senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego!
Com satisfação acolhemos
Toda oportunidade
De discutir a questão.
Quando queiram os senhores! A todo momento!
Pois o desemprego é para o povo
Um enfraquecimento.
Para nós é inexplicável
Tanto desemprego.
Algo realmente lamentável
Que só traz desassossego.
Mas não se deve na verdade
Dizer que é inexplicável
Pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer
A confiança das massas
Para nós imprescindível.
É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido!
Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego!
Ou qual a sua opinião?
Só nos pode convir
Esta opinião: o problema
Assim como veio, deve sumir.
Mas a questão é: nosso desemprego
Não será solucionado
Enquanto os senhores não
Ficarem desempregados
...
Precisamos De Você
Aprende - lê nos olhos,
lê nos olhos - aprende
a ler jornais, aprende:
a verdade pensa
com tua cabeça.
Faça perguntas sem medo
não te convenças sozinho
mas vejas com teus olhos.
Se não descobriu por si
na verdade não descobriu.
Confere tudo ponto
por ponto - afinal
você faz parte de tudo,
também vai no barco,
"aí pagar o pato, vai
pegar no leme um dia.
Aponte o dedo, pergunta
que é isso? Como foi
parar aí? Por que?
Você faz parte de tudo.
Aprende, não perde nada
das discussões, do silêncio.
Esteja sempre aprendendo
por nós e por você.
Você não será ouvinte
diante da discussão,
não será cogumelo
de sombras e bastidores,
não será cenário
para nossa ação
...
Perguntas De Um Operário Que Lê
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilònia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sòzinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitòria.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas
...
Os que lutam
"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."
...
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Poesia
terça-feira, 18 de setembro de 2012
A palavra e a oratória do Pe Antóno Vieira, sj ou A Arte de Furtar
* Pe Antópnio Vieira, sj
Sermão do bom ladrão
Cuidam ou devem cuidar alguns príncipes que, assim como são superiores a todos, assim são senhores de tudo, e é engano (...). A rapina ou roubo é tomar o alheio violentamente contra a vontade de seu dono; os príncipes tomam muitas coisas a seus vassalos violentamente, e contra sua vontade: logo, parece que o roubo é lícito em alguns casos, porque, se dissermos que os príncipes pecam nisto, todos eles, ou quase todos se condenariam: (...)
.
Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim. — Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? — Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.
.
O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento, distingue muito bem S. Basílio Magno: Não são só ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. — Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam.
.
Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: — Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes?
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~~~~~~~~~~~~~~~~~~
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES
(...) Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado, já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.
E para que vejais como estes comidos na terra são os pequenos, e pelos mesmos modos com que vós comeis no mar, ouvi a Deus queixando-se deste pecado: Nonne cognoscent omnes, qui operantur iniquitatem, qui devorunt plebem meam, ut cibum panis? «Cuidais, diz Deus, que não há-de vir tempo em que conheçam e paguem o seu merecido aqueles que cometem a maldade?» E que maldade é esta, à qual Deus singularmente chama maldade, como se não houvera outra no Mundo? E quem são aqueles que a cometem? A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os pequenos: Qui devorant plebem meam, ut cibum panis.
Nestas palavras, pelo que vos toca, importa, peixes, que advirtais muito outras tantas cousas, quantas são as mesmas palavras. Diz Deus que comem os homens não só o seu povo, senão declaradamente a sua plebe:Plebem meam, porque a plebe e os plebeus, que são os mais pequenos, os que menos podem e os que menos avultam na república, estes são os comidos. E não só diz que os comem de qualquer modo, senão que os engolem e os devoram: Qui devorant. Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos senão que devoram e engolem os povos inteiros: Qui devorant plebem meam. E de que modo os devoram e comem? Ut cibum panis: não como os outros comeres, senão como pão.
A diferença que há entre o pão e os outros comeres, é que para a carne, há dias de carne, e para o peixe, dias de peixe, e para as frutas, diferentes meses no ano; porém o pão é comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come: e isto é o que padecem os pequenos. São o pão quotidiano dos grandes; e assim como o pão se come com tudo, assim com tudo e em tudo são comidos os miseráveis pequenos, não tendo nem fazendo ofício em que os não carreguem, em que os não multem, em que os não defraudem, em que os não comam, traguem e devorem: Qui devorant plebem meam, ut cibum panis.
Parece-vos bem isto, peixes? Representa-se-me que com o movimento das cabeças estais todos dizendo que não, e com olhardes uns para os outros, vos estais admirando e pasmando de que entre os homens haja tal injustiça e maldade! Pois isto mesmo é o que vós fazeis. Os maiores comeis os pequenos; e os muito grandes não só os comem um por um, senão os cardumes inteiros, e isto continuamente sem diferença de tempos, não só de dia, senão também de noite, às claras e às escuras, como também fazem os homens.
Se cuidais, porventura, que estas injustiças entre vós se toleram e passam sem castigo, enganais-vos. Assim como Deus as castiga nos homens, assim também por seu modo as castiga em vós. Os mais velhos, que me ouvis e estais presentes, bem vistes neste Estado, e quando menos ouviríeis murmurar aos passageiros nas canoas, e muito mais lamentar aos miseráveis remeiros delas, que os maiores que cá foram mandados, em vez de governar e aumentar o mesmo Estado, o destruíram; porque toda a fome que de lá traziam, a fartavam em comer e devorar os pequenos (...)
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quinta-feira, 13 de setembro de 2012
Egito Gonçalves - Convite
Nesta fase em que só o amor me interessao amor de quem quer que seja
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdade
o estar à janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calma
nesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braço
nesta fase em que o amor é não ler os jornais
podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
- aqui está uma janela acolá voam as pombas -
podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz
porque o amor meu amor é este equilíbrio
esta serenidade de coração e árvores
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdade
o estar à janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calma
nesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braço
nesta fase em que o amor é não ler os jornais
podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
- aqui está uma janela acolá voam as pombas -
podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz
porque o amor meu amor é este equilíbrio
esta serenidade de coração e árvores
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terça-feira, 11 de setembro de 2012
Poesia de GLORIA FUERTES - AUTOBIOGRAFÍA
ATLAS DE POESÍA
http://atlasdepoesia.blogcindario.com/2008/10/00250-gloria-fuertes.html
Viernes, 24 De Octubre De 2008
GLORIA FUERTES.
AUTOBIO.
Nunca vi claro lo del clero,
ni siquiera de niña en el colegio
cuando te lo crees todo.
Cuando era pequeña,
tampoco me creí lo de la cigüeña.
AUTOBIO.
Nací a muy temprana edad.
dejé de ser analfabeta a los tres años,
virgen, a los dieciocho,
mártir, a los cincuenta.
Aprendí a montar en bicicleta,
cuando no me llegaban
los pies a los pedales,
a besar, cuando no me llegaban
los pechos a la boca.
Muy pronto conseguí la madurez.
En el colegio,
la primera en Urbanidad, Historia Sagrada y Declamación.
Ni Álgebra ni la sor Maripili me iban.
Me echaron.
Nací sin una peseta. Ahora,
después de cincuenta años de trabajar,
tengo dos.
AUTOBIO.
Mi niñez y juventud
fue de ataúd,
fue injusta y dura
(y no me hizo dura).
Y veo que hay gente,
que su vida fue cómoda y blanda
y son duros y agreden.
AUTOBIO.
Pronto me di cuenta
que era una errata eso
de que los niños venían de París.
A los seis años cambié la ese por erre.
Los niños vienen de Parir
-escribí en la pizarra de las monjas-.
Y me echaron.
AUTOBIO.
Cuando yo nací,
el padre de servidora
ganaba al mes,
lo que mi limpiadora
gana ahora a la hora.
Éramos nueve hermanos,
quedamos tres,
-los más fuertes-
La mayoría de mis hermanitos
murieron de mortandad infantil
o de guerra civil.
AUTO.
…Ahora vivo a base de vida.
Vivo de dar, de darme.
(Ahora que nadie me da nada)
sobre todo nadie me devuelve amor,
-claro que no le presté, lo di, lo doy.
(No debo sentirme huérfana, vive Dios y Él es mi Padre.)
Vivo de milagro.
Porque es un milagro cuando sólo se vive de vivir.
AUTOBIO.
Os digo en prosa:
Nunca pedí dinero,
comida, sangre o ropa.
Empecé a trabajar de niña de niñera.
Fui criada de mi casa propia.
(Yo misma fui mi primer muñeca.)
Luego de mayor,
lo único que pedí prestado
fue amor,
lo devolví con creces,
hoy estoy arruinada.
AUTO.
-Desde los quince años vivo del libro.
-¿Ya escribías?
-No, vendía los libros que robaba.
AUTOBIO.
…Por entonces,
trabajaba de cuentahuevos en una granja.
Me daban una peseta por centena que empajaba
y me descontaban los cascados.
Hasta que me cansé
de pagar yo los huevos rotos.
AUTOBIO.
No hay nada más “naif” que un culo en pompa.
Yo también nací un domingo.
Aunque cuando “me hacían”
mis padres ya no se querían,
(a mí tampoco).
Pasaron quince años desde el primer biberón
al primer beso de amor.
AUTOBIO.
Los primeros pendientes que tuve,
fueron dos sabañones en ambos lobulillos,
debidos al frío del sótano,
-hoy diría al frío y a la avitaminosis esa-
AUTOBIO.
Mi primera amiga,
fue una muñeca que nunca tuve.
Mis primeros pendientes,
fueron dos sabañones (ya os lo dije).
Mi primer juguete, una máquina de escribir
(alquilada), con la que trabajaba
copiando direcciones,
me pagaban un céntimo por cada sobre.
A veces me sacaba un duro al día.
Mis ojos olían a hambre
y soñaban con triciclos imposibles.
Mis hermanos llevaban sandalias,
A mi me compraban zapatillas.
AUTOBIOGRAFÍA.
¡Jamás hice novillos!
AUTO.
No quiero irme del todo
de mi infancia,
porque mi infancia no era la infancia
de los niños de ahora.
AUTOBIO.
Yo era feliz cuando era niña.
Cuando llevaba los zapatos rotos
y el corazón entero.
Después…
ya todo roto.
AUTOBIO.
Calle Tres Peces, 3, 4, 8,
Segundo piso (sin ascensor)
eran noches de quinqué,
patatas viudas-pimentón.
Mi madre me hacía soplar
las encinas del carbón.
Yo tenía
manía,
a mi hermano Angelín,
-casi le odiaba-
porque le querían un poco,
(a mí nada).
AUTOBIO.
Yo empecé en esto de inventar,
muy pronto,
mire usted, señor periodista,
cuando se me ocurrió el primer poema,
me caí de la cuna de risa.
Publicado Por Goizeder @ 19:42 | Gloria FUERTES
http://atlasdepoesia.blogcindario.com/2008/10/00250-gloria-fuertes.html
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segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Sá de Miranda - sonetos, redondilhas e uma carta
1
Ó meus castelos de vento
que em tal cuita me pusestes,
como me vos desfizestes!
Armei castelos erguidos,
esteve a fortuna queda,
e disse:– Gostos perdidos,
como is a dar tão grã queda!
Mas, oh! fraco entendimento!
em que parte vos pusestes
que então me não socorrestes?
Caístes-me tão asinha
caíram as esperanças;
isto não foram mudanças,
mas foram a morte minha.
Castelos sem fundamento,
quanto que me prometestes.
quanto que me falecestes!
2
Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.
Com dor, da gente fugia,
antes que esta assi crecesse;
agora já fugiria
de mim, se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo,
tamanho imigo de mim?
1
O sol é grande: caem coa calma as aves,
Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.
Esta água que de alto cai acordar-me-ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
Qual é tal coração que em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
Vi tantas águas, vi tanta verdura,
As aves todas cantavam de amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
Também mudando-me eu fiz doutras cores.
E tudo o mais renova: isto é sem cura!
2
Aquela fé tão clara e verdadeira,
A vontade tão limpa e tão sem mágoa,
Tantas vezes provada em viva frágua
De fogo, i apurada, e sempre inteira;
Aquela confiança, de maneira
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água,
Por que eu ledo passei por tanta mágoa,
Culpa primeira minha e derradeira,
De que me aproveitou? Não de al por certo
Que dum só nome tão leve e tão vão,
Custoso ao rosto, tão custoso à vida.
Dei de mim que falar ao longe e ao perto;
E já assi se consola a alma perdida,
Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.
Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho.
Que, tornando ante vós, senhora, tal,
Quando m'era mister tant' outr' ajuda,
de que me valerei, se alma não val?
Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.
O sol é grande, caem coa calma as aves, Do tempo em tal sazão que sói ser fria: Esta água, que d'alto cai, acordar-me-ia, Do sono não, mas de cuidados graves. Ó coisas todas vãs, todas mudaves, Qual é o coração que em vós confia? Passando um dia vai, passa outro dia, Incertos todos mais que ao vento as naves! Eu vi já por aqui sombras e flores, Vi águas, e vi fontes, vi verdura; As aves vi cantar todas d'amores. Mudo e seco é já tudo; e de mistura, Também fazendo-me eu fui doutras cores; E tudo o mais renova, isto é sem cura.
Carta
Rei de muitos reis, se um dia, Se uma hora só mal me atrevo Ocupar-vos, mal faria, E ao bem comum não teria Os respeitos que ter devo. Que em outras partes da esfera, Em outros céus diferentes, Que Deus até agora escondera, Tanta multidão de gentes Vossos mandados espera. Que sois vós tal, que eles sós, justo e poderoso rei, Ou lhe desdais os seus nós, Ou cortais; porque entre nós Vós sois nossa viva lei. Onde há homens há cobiça, Cá e lá, tudo ela empeça, Se a santa, se a igual justiça Não corta, ou não desempena O que a má malícia enliça. Senhor, que é muito atrevida, E onde ela nós cegos deu, Cortar é coisa devida; Exemplo o justo de Mida, Que el-rei vosso avô fez seu. Ora eu, que respeito havendo Ao tempo, mais que ao estilo, Irei fugindo ao que entendo; Farei como os cães do Nilo, Que correm, e vão bebendo. A dignidade real, Que o mundo a direito tem, Sem ela ter-se-ia mal, É sagrada, e não leal quem limpo ante ela não vem. Não falemos nos tiranos, Falemos nos reis ungidos; Remedeiam nossos danos; Socorrem os afligidos; Cortam pelos maus enganos. As vossas velas, que vão, Dando quase ó mundo volta, Raramente contarão Gente doutro algum rei solta; Sem cabeça o corpo é vão. Dignidade alta e suprema, Que há que a não reconheça? Viu-se em Marco Antônio tema De pôr real diadema A César sobre a cabeça. Que nome de imperador Dantes a César se dera Sem suspeita, e sem temor; Que inda então muito mais era Ser cônsul, ser ditador. Um rei ao reino convém; Vemos que alumia o mundo; Um sol, um Deus o sustém: Certa a queda, e o fim tem O reino onde há rei segundo. Não ao sabor das orelhas, Arenga estudada e branda; Abastam as razões velhas: A cabeça os membros manda; Seu rei seguem as abelhas. A tempo o bom rei perdoa; A tempo o ferro é mezinha: Forças e condição boa Deram ao leão coroa De sua grei montezinha. Às aves, tamanho bando Doutra liga, e doutra lei, Por vencer todas voando, A águia foi dada por rei, Que o sol claro atura olhando. Quanto que sempre guardou David lealdade e fé A Saul, quanto o chorou! Quanta maldição lançou Aos montes de Gelboé! Onde caíra o escudo De seu rei, inda que inimigo, Inda que já mal sisudo Saindo de tal perigo, E subindo a mandar tudo. O senhor da natureza, De quem céu e terra é cheia, Vindo a esta nossa baixeza, Do real sangue se preza: Por rei na cruz se nomeia. Sobre obrigações tamanhas Velem-se contudo os reis Dos rostos falsos, das manhas Com que lhe querem das leis, Fazer teias das aranhas. Oue se não pode fazer Por arte, por força ou graça, Salvo o que a justiça quer; Senhor, não chamam valer, Salvo ao que lhes val na praça. E por muito que os reis olhem, Vão por fora mil inchaços, Que ante vós, senhor, se encolhem Duns gigantes de cem braços Com que dão, e com que tolhem. Quem graça ante el-rei alcança, E lhe fala o que não deve, Mal grande da má privança, Peçonha na fonte lança, De que toda a terra breve. Quem joga, onde engano vai, Em vão corre e torna atrás; Em vão sobre a face cai: Mal hajam as manhas más Donde tanto dano sai! Homem de um só parecer, Dum só rosto, uma só fé, Dantes quebrar que torcer, Ele tudo pode ser, Mas de corte homem não é. Gracejar ouço de cá De quem vai inteiro e são, Nem se contrafaz mais lá; Como este vem aldeão, Que cortesão tornará? As santidades da praça, Aqueles rostos tristonhos, Cos quais este, e aquele caça; Para Deus, senhor, é graça; Para nós tudo são sonhos. E os discursos que fazemos, Pode ser, não pode ser, Mais diante o entenderemos: Agora mortos por ver; Então todos nós veremos. Senhor, hei-vos de falar (Vossa mansidão me esforça) Claro o que posso alcançar; Andam para vos tomar Por manhas, que não por força. Por minas trazem suas azes Os rostos de tintureiros, Falsas guerras, falsas pazes; De fora mansos cordeiros; De dentro lobos roazes. Tudo seu remédio tem E que assim bem o sabeis, E ao remédio também; Querei-los conhecer bem, No fruto os conhecereis. Obras, que palavras não: Porém, senhor, somos muitos, E entre tanta multidão Tresmalham-se-vos os frutos, Que não sabeis cujos são. Um que por outro se vende, Lança a pedra, e a mão esconde; O dano longe se estende; Aquele a quem dói e entende, Com só suspiros responde. A vida desaparece, E entretanto geme e jaz O que caiu: e acontece, Que dum mal, que se lhe faz, Outro mor se lhe recresce. Pena e galardão igual O mundo a direito tem, A uma regra geral; Que a pena se deve ao mal, E o galardão ao bem. Se alguma hora aconteceu Na paz, muito mais na guerra, Que a balança mais pendeu, Faz-se engano às leis da terra; Nunca se faz às do céu. Entre os lombardos havia Lei escrita, e lei usada, Como se sabe hoje em dia; Que onde a prova falecia, Que o provasse a espada. Ali no campo às singelas, Enfim morrer ou vencer, Fosse qual quisesse delas: Não era melhor morrer A ferro, que de cautelas? Ao nosso alto e excelente Dom Dinis, rei tão louvado, Tão justo, a Deus tão temente, Falsa e maliciosamente, Foi grande aleive assacado. Ele posto em tal perigo, Rei que rei fez e desfez; Contra o malicioso inimigo, Foi-lhe forçado esta vez Chamar-se a esta lei que digo. E juntamente às cidades A quem cumpriu de acudir, Pelas suas lealdades: Que tão más são as verdades Às vezes de descobrir! Neste tempo quem mal cai, Mal jaz; e dizem que à luz Por tempo a verdade sai; Entretanto põem na cruz O justo, o ladrão se vai. Da mesma casa real, Em verdade um grande infante Tratado às escuras mal, Bradava por campo igual, E inimigos claros diante. Enfim vendo a indústria e arte Quanto que podem, chamou Um leal conde de parte; Só com ele se apartou; Foi viver a melhor parte. Onde tudo é certo e claro, Onde são sempre umas leis; Príncipe no mundo raro, Sobre tanto desamparo Foram três seus filhos reis. Ó senhor! quantos suores Passa o corpo e alma em vão Em poder de envolvedores! Enfim, batalhas que são? Salvo desafios mores. Com a mão sobre um ouvido Ouvia Alexandre as partes, Como quem tinha entendido, Por fazer certo o fingido, Quantas que se buscam d'artes. Guardava ele o outro inteiro A parte não inda ouvida: Não vai nada em ser primeiro: Quem muito sabe duvida; Só Deus é o verdadeiro. A tudo dão novas cores Com que enleiam os sentidos: Ah maus! ah enliçadores! Ante os reis vossos senhores, Andais com rostos fingidos! Contais, gabais, estendeis Serviços e lealdades: olhai que não os daneis: Falai em tudo verdades A quem em tudo as deveis. Senhor, nosso padre Adão Pecou, chamou-o o juiz, Tenha que dizer ou não; E sua fraca razão, Porém livremente diz. Sempre foi, sempre há de ser, Que onde uma só parte fala, Que a outra haja de gemer: Se um jogo a todos iguala, As leis que devem fazer? Vidas e honras guardais Debaixo de vosso amparo De estranhos e naturais; Suspiram, não podem mais, E às vezes não muito claro. Também após aquela arde A cobiça da fazenda Por mais que se vele e guarde; Tinha ela melhor emenda Se não fosse mal e tarde. Geralmente é presunçosa Espanha, e disso se preza, Gente ousada e belicosa, Culpam-na de cobiçosa: Tudo sabe vossa alteza. Pensamentos nunca cheios, Não têm fundo aqueles sacos; Inda mal, porque têm meios Para viver dos mais fracos, E dos suores alheios. Que eu vejo nos povoados Muitos dos salteadores, Com nome e rosto de honrados? Andar quentes e forrados Das peles dos lavradores. E, senhor, não me creiais Se as não acham mais finas, Que as de lobos cervais, Que arminhos, que zebelinas, Custam menos, cobrem mais. Ah senhor! que vos direi Que acode mais vento às velas; Nunca se descuide o rei; Que inda não é feita a lei, Já lhe são feitas cautelas. Então tristes das mulheres, Tristes dos órfãos coitados, E a pobreza dos misteres, Quem nem falar são ousados Diante os mores poderes. Os quais quem os assim quer, Quem os negocia assim, Que fará quando os tiver? Nossos houveram de ser; Tomaram-nos para si. Ora já que as consciências O tempo as levou consigo, Venhamos às penitências, Senhor, se eu vira castigo Boas são as residências. Mas eu vejo cá na aldeia Nos enterros abastados, Muito padre que passeia, Enfim, ventre e bolsa cheia Absoltos de seus pecados. Se se hão de reconciliar, Uns cos outros têm seu trato; Basta-lhes só acenar: Não nos fazem tão barato Ao tempo de confessar Senhor, esta vossa vara Em quais mãos anda, tal é: A boa é ave mui rara; Sabei que esta nunca é cara, Que seja muita a mercê. Livre de toda cobiça, A Deus temente, e a vós, Sem respeito, e sem preguiça, Vara direita sem nós, Se quereis que haja justiça. Tomai, senhor, o conselho Do bom Getro ao genro amigo: É verdade, é evangelho, (Como disse aquele velho) Humildemente vos digo. Que estas leis justinianas, Se não há quem as bem reja, Fora de paixões humanas, São um campo de peleja Com razões francas e ufanas. Morre o nobre Conradino Co parceiro em tudo igual: Cada um de morte indino, Pelo pesado ou malino Doutor, que interpreta mal. Diz o texto: "O sangue cesse; Por batalha a guerra finda." Vem com grosa outro interesse; Diz que ande o cutelo, ainda Que em prisão certo o tivesse. Mas, senhor, melhor o temos Sendo vós o que mandais: Todos nós revolveremos, Os que tanto não podemos, E aqueles que podem mais. Que por amor se encadeia, (Não é nome errado ou novo) Se por livre se nomeia; Não tem rei amor de povo Tanto, em quanto o mar rodeia. Aqui não vemos soldados; Aqui não soa o tambor; Outros reis, os seus estados Guardam de armas rodeados, Vós rodeado de amor. Achar-nos-ão as divinas No meio dos corações Entalhadas vossas Quinas: Estas são as guarnições De vós, e dos vossos dinas. Tem na verdade o francês A seu rei amor aceso; Não lho nega o português; Porém traz guarda escocês, Que não é de pouco peso. O padre-santo assim faz, A quem certo se devia Alto assossego, alta paz; Mas tem guarda, todavia, Com que vai seguro e jaz. Que se pode ir mais avante, Com quanto alcança o sentido Sem ferro, ou fogo que espante: Com duas canas diante És amado, e és temido. Uns sobre os outros corremos A morrer por vós com gosto: Grandes testemunhas temos Com que mãos, e com que rosto Por Deus, e por vós morremos. Outrossim para os reveses (Queira Deus que não releve) Em vós têm os portugueses O bom rei de atenienses Codro, que outrem algum não teve. Do vosso nome um grão rei Neste reino lusitano, Se pôs esta mesma lei, Que diz o seu pelicano: Pola lei, e pola grei. Mas eu sou duns guarda-cabras Que se vão de ponto em ponto; Querem só duas palavras; Que dos gados, que das lavras Depois não tem fim, nem conto. Assim que seja aqui fim; Tornem as práticas vivas; Perdestes meia hora em mim, Das que chamam sucessivas Estes que sabem latim.
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José Craveirinha - Eu sou o carvão
Grito negro - José Craveirinha
Eu sou carvão!
Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.
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domingo, 9 de setembro de 2012
Luís Pacheco - O QUE É O NEO-ABJECCIONISMO
pachecos de antigamente
Chamo-me Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco, ou só Luiz Pacheco, se preferem. Tenho trinta e sete anos, casado, lisboeta, português. Estou na cama de uma camarata, a seis paus a dormida. É asseado, mas não recebo visitas. Também não me apetece fazer visitas. A Ninguém. Estou bastante só. Perdi muito. Perdi quase tudo.
Perdi mãe e perdi pai, que estão no cemitério de Bucelas. Perdi três filhos – a Maria Luísa, o João Miguel, o Fernando António –, que estão vivos, mas me desprezam (e eu dou-lhes razão). Perdi amigos. Perdi o Lisboa; a mulher, a Amada, nunca mais a vi. Perdi os meus livros todos! Perdi muito tempo, já. Se querem saber mais, perdi o gosto da virilidade; se querem saber tudo, perdi a honra. Roubei. Sou o que se chama, na mais profunda baixeza da palavra, um desgraçado. Sou, e sei que sou.
Mas, alto lá! sou um tipo livre, intensamente livre, livre até ser libertino (que é uma forma real e corporal de liberdade), livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português.
Até aos trinta e sete anos, até há bem pouco tempo ainda, portanto, julguei que podia, era possível, ser livre e salvar-me sozinho, no meio de gente que perdeu a força de ser (livre e sozinha), e já não quer (ou mui pouca quer) salvar-se de maneira nenhuma. Julgava isto, creiam, e joguei-me todo e joguei tudo nisto. Enganava-me. Estou arrependido. Fui duro, fui cruel, fui audaz, fui desumano. Fui pior, porque fui (muitas vezes) injusto e nem sei bem ao certo quando o fui. Fui, o que vulgarmente se chama, um tipo bera, um sacana. Não peço que me perdoem. Não quero que me perdoem nada. Aconteceu assim.
Eu para mim já não quero nada, não desejo nada. Tenho tido quase tudo que tenho querido, lutei por isso (talvez o merecesse). Agora, já não quero nada, nada. Já tudo, tanto me faz; tanto faz.
Agora, oiçam: tenho dois filhos pequenos, o Luis José, que é o meu nome, e a Adelina Maria, que era o nome de minha Mãe. O mais velho tem 4, a pequenita dois, feitos em Fevereiro, a 8. Durmo com uma rapariga de 15 anos, grávida de sete meses, e sei que ela passa fome. É natural que alguns de vocês tenham filhos. Que haja, talvez, talvez por certo, mães e pais nesta sala. Não sei se já ouviram os vossos filhos dizerem, a sério, que estão com fome. É natural que não. Mas eu digo-lhes: é essa uma música horrível, uma música que nos entra pelos ouvidos e me endoidece. Crianças que pedem pão (pão sem literatura, ó senhores!) pão, pãozinho, pão seco ou duro, mas pão, senhores do surrealismo, e do abjeccionismo, e do neo-realismo e mesmo do abstraccionismo! Este mês de Março que vai acabar ou já acabou, pela primeira vez, eu ouvi os meus filhos com fome. E pela primeira vez, não tive que lhes dar. Perdi a cabeça, para lhes dar pão (ainda esta semana). Já não tenho que vender, empenhei dois cobertores, e um nem era meu. Tenho uma máquina de escrever, que é a minha charrua, e não a posso empenhar porque não a paguei; e tenho uma samarra, que no prego não aceitam porque agora vai haver calor e a traça também vai ao prego… Já não tenho mais nada. Tenho pedido trabalho a amigos e a inimigos. Humilhei-me, fiz sorrisos. Senti na face, expelido com boas palavras e sorrisos, o bafo da esperança, da venenosa esperança; promessas; risinhos pelas costas. Pedi trabalho aos meus amigos: Luís Amaro, da Portugália Editora; Rogério Fernandes, de Livros do Brasil; Artur Ramos; Eduardo Salgueiro, da Inquérito; dr. Magalhães, da Ulisseia; e Bruno da Ponte, da Minotauro, aqui presente, decerto. Alguns têm-me ajudado; mas tão devagarinho! tão poucochinho!
Sim, porque eu não faço (já agora, na minha idade!) todos os trabalhos que vocês querem! Só faço, já agora, coisas que sei e gosto: escrever umas larachas; traduzir o melhor que posso; mexer em livros, a vendê-los ou a fazê-los.
Nem quero vê-los a vocês, todos os dias! Ah! Não! Era o que me faltava! Vocês têm uma caras! Meu Deus, que caras que nós temos! Conhecem a minha? Vão vê-la ali ao canto, na folha rasgada do meu passaporte (sim, porque viagens ao estrangeiro (uma…) também já por cá passaram…) Viram? É horrível!… A mim, mete-me medo! Mas é uma cara de gente. E isso não é fácil.
Dizia eu: eu quero trabalhar na minha máquina, sozinho, ou rodeado da minha Tribo: os miúdos, uma mulher-criança, grávida. E, às tardes, ir passear pela Avenida Luísa Todi ou na ribeira do Sado. Acho que nem era pedir muito. E para mim, é tudo.
Já pedi trabalho a tanta gente, que já não me custa (envergonha) pedir esmola. Confesso-lhes: até já o fiz, estendi a mão à caridade pública, recebi tostões de mãos desconhecidas, de gente talvez pobre. E tenho pedido emprestado, com a convicção feita que não o poderei pagar. É assim.
Eu para o Luiz Pacheco, repito, não quero nada, não desejo nada, não preciso de nada; mas para os bambinos! E para o bebé que vai nascer! Roupas; leite; pão; um brinquedo velho… Dêem-me trabalho! Ou: dêem-me mais trabalho.
E para findar esta Comunicação, remato já depressa:
Peço uma esmola.
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Literatura,
Luís Pacheco
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