Américo Pereira
Povo que lavas no rio
Que talhas com o teu machado
As tábuas do meu caixão.
Pode haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não.
Fui ter à mesa redonda
Bebi em malga que me esconde
Um beijo de mão em mão.
Era o vinho que me deste
Água pura, fruto agreste
Mas a tua vida não.
Aromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição.
Povo, povo, eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida não.
Povo que lavas no rio
Que talhas com o teu machado
As tábuas do meu caixão.
Pode haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não.
Povo que lavas no rio é uma canção portuguesa, um fado, com letra do poetaPedro Homem de Mello, interpretada originalmente por Amália Rodrigues com música de Joaquim Campos.
Depois da proibição do Fado de Peniche na rádio por ser considerado, pelo regime ditatorial em vigor na época, um hino aos presos de Peniche, após a gravação e o lançamento nas rádios, Povo que lavas no rio ganhou dimensão política.
Talvez devido a esse mesmo facto, as opiniões quanto à interpretação da letra dePedro Homem de Mello, poeta português de excelência, divergem em absoluto: enquanto alguns críticos creem que o poema imortalizado por Amália Rodrigues seja um depoimento de amor ao povo português o qual, ainda segundo esta linha de pensamento, enfrentava uma situação de grande pobreza no tempo da ditadurasalazarista, considerando o país da época como sendo rural e economicamente pouco desenvolvido face à industrialização europeia, outras correntes tendem a ver nas suas estrofes uma lírica de cariz fortemente ligado à homossexualidade masculina, acentuada pelos contornos de incursões às tabernas populares, onde o narrador teria procurado os seus parceiros, e visto recusadas as suas investidas ou, mais ainda, qualquer envolvimento sentimental mais profundo.
Daí as referências ao povo, neste caso portuense, que teria inevitavelmente tecido comentários aos seus devaneios, e dificultado a sua vida, ao beijo inconspícuo da partilha do mesmo copo, simbolizando o beijo em público que era, nessa época mais conservadora, absolutamente interdito aos homossexuais e, acima de tudo, a confissão lírica, ao afirmar que teria dormido com eles na cama, e enlameado por ter mantido este tipo de vida proibída. O autor, Pedro Homem de Mello, era ele próprio homossexual, e ter-se-ia assumido,1 não só através deste poema, mas também junto da comunidade que lhe era mais próxima, na Cidade do Porto, onde viveu, tendo sido assíduo frequentador do Café Rialto, em Sá da Bandeira.
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