* Eugénio de Andrade
Cantas. E fica a vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
em redor é tudo teu;
mas quando cessa teu canto
o silêncio é todo meu.
Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
segunda-feira, 22 de maio de 2017
Philip Larkin - A casa está tão triste
* Philip Larkin
A casa está tão triste. Permanece tal como a deixaram,
Feita ao conforto dos últimos que partiram
Como se para os reconquistar. Ao invés, privada
De alguém a quem agradar, definha assim,
Sem ânimo para esquecer o roubo
E voltar-se novamente para o que começou
Como uma jubilosa tentativa de como tudo deveria ser,
Há muito falhada. Pode-se ver como era:
Repare-se nas fotografias e nos talheres
A música no banco do piano. Aquela jarra.
A casa está tão triste. Permanece tal como a deixaram,
Feita ao conforto dos últimos que partiram
Como se para os reconquistar. Ao invés, privada
De alguém a quem agradar, definha assim,
Sem ânimo para esquecer o roubo
E voltar-se novamente para o que começou
Como uma jubilosa tentativa de como tudo deveria ser,
Há muito falhada. Pode-se ver como era:
Repare-se nas fotografias e nos talheres
A música no banco do piano. Aquela jarra.
Etiquetas:
Philip Larkin,
Poesia,
Vasco Gato
sexta-feira, 19 de maio de 2017
Gina Saraceni - Devolveu ao mar
* Gina Saraceni
Le devolvió
las piedras al mar,
las piedras guardadas por años
en frascos de mermelada.
Fue el vacío
lo que queda
en su lugar.
Igual que un abandono:
dura todavía.
Le devolvió
las piedras al mar,
las piedras guardadas por años
en frascos de mermelada.
Fue el vacío
lo que queda
en su lugar.
Igual que un abandono:
dura todavía.
* Gina Saraceni
Devolveu
ao mar as pedras,
guardadas anos e anos
em frascos de marmelada.
No lugar delas
foi o vazio
o que ficou.
Tal como um abandono,
ainda dura.
(Trad. A.M.)
.
PUBLICADA POR ALBINO M
Etiquetas:
Gina Saraceni,
Poesia
terça-feira, 16 de maio de 2017
António Ramos Rosa - Facilidade do ar
* António Ramos Rosa
Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha ebriedade é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo, não sei. Amo. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida. Estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra
Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha ebriedade é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo, não sei. Amo. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida. Estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra
Etiquetas:
António Ramos Rosa,
Poesia
terça-feira, 9 de maio de 2017
Jaan Kaplinski - O silêncio aqui
* Jaan Kaplinski
O silêncio está sempre aqui e em toda a parte;
ouvimo-lo por vezes com maior nitidez:
paira uma bruma pelos prados, a porta do celeiro está aberta,
um tordo-pisco canta ao longe e uma
borboleta branca não pára de esvoaçar
em torno do ramo de um ulmeiro que
balança ao de leve com o poente em fundo.
O crepúsculo despoja tudo de rosto ou caligrafia,
sobra apenas a diferença entre luz e escuro --
não há senão a própria noite estival
e um velho relógio de bolso começa de repente
a fazer tiquetaque sobre a secretária,
muito alto.
O silêncio está sempre aqui e em toda a parte;
ouvimo-lo por vezes com maior nitidez:
paira uma bruma pelos prados, a porta do celeiro está aberta,
um tordo-pisco canta ao longe e uma
borboleta branca não pára de esvoaçar
em torno do ramo de um ulmeiro que
balança ao de leve com o poente em fundo.
O crepúsculo despoja tudo de rosto ou caligrafia,
sobra apenas a diferença entre luz e escuro --
não há senão a própria noite estival
e um velho relógio de bolso começa de repente
a fazer tiquetaque sobre a secretária,
muito alto.
Jaan Kaplinski, versão de Vasco Gato
Etiquetas:
Jaan Kaplinski,
Poesia,
Vasco Gato
quinta-feira, 4 de maio de 2017
Herberto Helder - (Ciclo-V)
* Herberto Helder
Uma noite acordarei junto ao corpo infindável
da amada, e meu sangue não se encantará.
Então, rosa a rosa murcharão meus ombros.
Quer dizer que a sombra carregará meus sentidos
de distância como se tudo fosse o cheiro
que as ervas pungentemente perdem
através do silêncio.
Plácido chegarei à mesa, e de súbito
o coração se atravessará de gelo puro.
O vinho? perguntarei. Flores de sal cobrirão
a luz poderosa do meu olhar.
Tempo, tempo. Eu próprio perguntarei no recente
pasmo da carne: o vinho?
Rosa a rosa murcharão meus ombros.
Então lembrarei a vermelha resina, o espesso
murmúrio do sangue,
o acre e sobrenatural aroma das acácias.
Tentarei encontrar uma forma.
Com beijos antigos um momento ainda queimarei
o corpo solitário da amada, direi palavras
de uma ternura de azebre.
E uma vez mais me perderei, dizendo: o vinho?
Rosa a rosa murcharão meus ombros.
Uma noite acordarei junto ao corpo infindável
da amada, e meu sangue não se encantará.
Então, rosa a rosa murcharão meus ombros.
Quer dizer que a sombra carregará meus sentidos
de distância como se tudo fosse o cheiro
que as ervas pungentemente perdem
através do silêncio.
Plácido chegarei à mesa, e de súbito
o coração se atravessará de gelo puro.
O vinho? perguntarei. Flores de sal cobrirão
a luz poderosa do meu olhar.
Tempo, tempo. Eu próprio perguntarei no recente
pasmo da carne: o vinho?
Rosa a rosa murcharão meus ombros.
Então lembrarei a vermelha resina, o espesso
murmúrio do sangue,
o acre e sobrenatural aroma das acácias.
Tentarei encontrar uma forma.
Com beijos antigos um momento ainda queimarei
o corpo solitário da amada, direi palavras
de uma ternura de azebre.
E uma vez mais me perderei, dizendo: o vinho?
Rosa a rosa murcharão meus ombros.
HERBERTO HELDER
A Colher na Boca
(1961)
Etiquetas:
Herberto Helder,
Poesia
segunda-feira, 1 de maio de 2017
Adalberto Monteiro: Primeiro de Maio
1 de maio de 2017 - 15h34
O poeta e jornalista Adalberto Monteiro homenageia os trabalhadores do mundo com o poema Primeiro de Maio.
Leia o poema na íntegra:
Nesta manhã de Primeiro de Maio,
Não há por que invejar o sol.
Éramos algo sem nenhuma importância coletiva,
Indivíduos, nada mais.
Nos transformamos num gigante coração
A marchar pelas avenidas.
Nossas reivindicações eram apenas pedidos,
Menos do que isso, gemidos,
Aguardando audiências e despachos.
Agora a voz de cada um faz parte
De um canto cantado por um coral de milhares.
Não somos indivíduos nem multidão,
Somos um povo unido.
Adalberto Monteiro
As delícias do amargo & uma homenagem: poemas
Editora Anita Garibaldi – 1ª edição 2006
Fonte: Fundação Maurício Grabois
http://www.vermelho.org.br/noticia/296259-1
Etiquetas:
1º de Maio,
Adalberto Monteiro,
Diogo Rivera,
Mural,
Poesia,
Vermelho
Subscrever:
Mensagens (Atom)