* Eça de Queiroz
“Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, que se lamentam em vão. Estes homens são o POVO.
Estes homens estão sob o peso de calor e de sol, transidos pelas chuvas, roídos de frio, descalços, mal nutridos, lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua força, para criar o pão, o alimento de todos. Estes são o POVO, e são os que nos ALIMENTAM.
Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos. Estes homens são o POVO, e são os que nos VESTEM.
Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respiram mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias. Estes homens são o POVO, e são os que nos ENRIQUECEM.
Estes homens, nos tempos de lutas e crises, tomam as velhas armas da Pátria, e vão, dormindo mal, como machas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento. Estes homens são o POVO, e são os que nos DEFENDEM.
Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuídos e desprezados. Estes homens, são os que nos SERVEM.
E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes homens que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem? Primeiro, despreza-os; não pensa neles, trata-os como se fossem bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos, não lhes melhora a sorte, cerca-os de obstáculos e de dificuldades, forma-lhes em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga, não lhes dá proteção; e, terrível coisa, não os instrui, deixa-lhes morrer a alma. É por isso que os que têm coração e alma, e amam a JUSTIÇA, devem lutar e combater PELO POVO.
E ainda que não sejam escutados, têm na amizade dele uma consolação suprema.”
Eça de Queirós (1845-1900)
* Almeida Garrett
(...)
Eu coroarei de trevo a minha espada,
de cenoiras, luzerna e beterrava.
Para cantar Harmódios e Aristógitons,
Que do tirano jugo vos livraram
Da ciência velha, inútil, carunchosa.
Que elevava da terra, erguia, alçava
O que no homem há do Ser divino,
E para os grandes feitos e virtudes
Lhe despegava o espírito da carne...
Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazei caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos.
Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?
— Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas. que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.
Logo a nação mais feliz, não é a mais rica. Logo o princípio utilitário não é a mamona da injustiça e da reprovação. Logo...
There are more things in heaven and earth, Horatio.
Than are dreamt of in your phylosophy
A ciência deste século é uma grandessíssima tola.
E, como tal. presunçosa e cheia de orgulho dos néscios.
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(...)
Almeida Garrett, 1799-1854
(Viagens na Minha Terra)
Van Gogh - Os comedores de batatas
Comentários
Ana Albuquerque E assim vou continuar. Denunciando!! Já que estou velha para pegar noutras armas que não sejam as palavras! Abraço.
Ana Estrela Eça de Queiroz e Garrett sempre atual nas suas duras criticas a esta sociedade de consumo em k estamso enterrados até ao pescoço! gostei muito da montagem
De Castro Barros Orlanda muito obrigada amigo Victor Nogueira,Soube-me tão bem lêr tudo isto...senti-me de novo em outros tempos...mil vezes obrigada amigo.
Maria Célia Correia Coelho Victor, obrigada, não conhecia estes textos do Eça e Almeida Garrett, infelizmente continuam actuais!!!
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