* Miguel Esteves Cardoso
CRÓNICA - 11 de Agosto de 2020, 0:15
Um dos grandes segredos da gastronomia portuguesa é o canal horeca. Sabe o que é o canal horeca? Eu também não.
Isto do distanciamento tem prejudicado o acesso a uma das minhas fontes principais: as conversas noutras mesas.
Infelizmente, as pessoas passaram a falar ainda mais alto, para que as palavras delas galgassem os metros de separação com a sonoridade intacta.
Só assim pude descobrir um dos grandes segredos da gastronomia portuguesa: o canal horeca. Sabe o que é o canal horeca? Eu também não. Nem sabia que se escrevia com agá. Para ser sincero, nem sequer sabia que eram duas palavras. Pensava que era só uma: Canalóréca, com maiúscula e tudo.
“É tudo melhor no Canalóréca”, dizia um senhor rotundo mas curto com um cachecol de poliéster ao pescoço.
As coisas mais banais – os pacotinhos de manteiga, o açúcar amarelo, o chouriço, as moedas de chocolate – eram melhores no Canalóréca. Muitas delas estavam determinantemente vedadas aos cidadãos vulgares. Só se vendiam no Canalóréca e boa sorte a quem as procurasse para ter em casa, há há há.
Seria um bairro de Veneza? Uma loja do Canal Caveira? Um canal de Aveiro? Uma armazém sueco que se escreve Kanalorekkà?
Perante a descrença do desanimado interlocutor, o Mister Cash Call insistia: “É melhor porque é para profissionais, estás a ver? Tu, no Canalóréca, não te vendem nada...”
“Ópá, no Canalóréca vêm trazer-te tudo. Nunca mais tens de ir a uma loja. Nem à Makro sequer. Os gajos trazem-te as coisas e ainda por cima é ao preço da chuva.”
Ainda não fui investigar o canal horeca e o mundo fabuloso em que ele desagua – mas já faltou mais.
Desafio quem quer que seja a penetrá-lo.
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