* Diogo Agostinho12.09.2021,
Paula Bobone: “A entrada nas praias deveria ser paga, para se fazer uma certa selecção”
Quem sou eu para determinar o que certas personagens, que aparecem nas televisões diariamente e que dão uns murros, dão com os cotovelos, etc...
Está errado?
Não, eu não me meto na vida alheia, nem sou ditadora de etiqueta e protocolo. Porém, sou altamente, sempre fui, admiradora da cultura nipónica. Sou muito nipónica. O gesto de cumprimentar com a cabeça chega. Não é preciso um touch, um toque. Eu nem à minha filha e às minhas netas cumprimentava. Agora já começo a dar uns beijinhos. Pessoalmente, acho que um gesto vale mais do que mil palavras, um gesto de simpatia, um sorriso, vale muito mais.
Mas agora com máscaras também não é fácil...
Sim, mas os olhos falam. Curiosamente, os olhos agora transmitem uma certa estética, brilham mais - alguns, os de quem não tem os olhos tortos. Mas, basicamente, acho que um gesto e um sorriso bastam. Os homens primitivos, que é de onde nós vimos, nesses tempos viviam juntos e nas cavernas amavam-se. A história da cultura não nos fala da obrigatoriedade de toques. Quer dizer, o erotismo, a relação do homem e da mulher, já deu para mais aproximações físicas, mais sedutoras e fascinantes, que eu acho muito bem, mas este resquício dos abraços... são mais os homens que dão do que as mulheres.
Ou os beijinhos, um beijinho ou dois beijinhos, estamos em Cascais.
[Risos ] Já era outra conversa. Essa problemática desapareceu, mas irá surgir outra, porque as diferenças sociais manifestam-se no nosso dia-a-dia, evoluem. E o mundo mudou. E vai mudar ainda mais.
A pandemia não a inspira a lançar um novo livro sobre etiqueta, nestes tempos que estamos a viver?
Não. Se me encomendarem [esse livro], eu aprofundo e resolvo isso, com as minhas investigações. Tenho sempre interesse em viajar no tempo e perceber para onde estamos a ir. Há sempre uma relação entre o passado e o futuro que não existe, mas que vai existir, pois um dia destes vamos lá estar.
E que futuro é esse que vem aí, a nível de relações humanas e interacção?
O tempo o dirá, porque este problema ainda não está resolvido. Vivemos numa era única, como dizia George Orwell, com o efeito da televisão, que revolucionou o mundo, e agora as redes sociais, mas de qualquer maneira não há futurologia e o globo está a atravessar uma fase tão extravagante que eu acho que ninguém sabe nada e dependemos dos meios de comunicação e de quem tiver poder nos meios de comunicação. A comunicação social está a ser altamente politizada e a politização não tem sido consciente do ponto de vista social, do civismo, das boas maneiras.
Fazem falta as boas maneiras?
Eu acho que têm de existir boas maneiras.
Mas como sente o país?
Sou cumpridora, [no sentido] de não sair de casa. Não vou a casamentos, não vou a festas, não vou a eventos. Mas tudo isto é imprevisível. A nossa cultura, uma herança civilizacional judaico-cristã, tem costumes de bondade muito vantajosos. Ia dizer que não vão desaparecer, mas sei lá, se existirem estas sobreposições culturais que estão a acontecer no mundo... Porém, é muito difícil destruir uma herança que tornou a Europa um continente tão atractivo. Toda a gente quer vir para a Europa. Porquê? O que é que a Europa tem de bom? Somos normais, somos bons, somos civilizados, por isso é que querem vir para cá. Mas não sabemos muito bem como o mundo irá. Na organização dos eventos, o estar à mesa já não existe, ou melhor, existe para quem tem essa raiz.
O jet set ainda existe ?
O jet set foi dos anos 50, quando começaram a aparecer os aviões a jacto. A sociedade americana era uma sociedade sem classes e os novos ricos, os judeus e ricaços, os Rothschilds e por aí fora, todos eram ricos e as mulheres viviam para se divertir e começaram a interagir com a vida lúdica, inventaram os cocktails, e começaram a andar nos aviões a jacto de pessoas podres de ricas para frequentarem festas de caridade em Londres e em Paris. Eram de caridade para não terem críticas do povo, das classes mais baixas. Essas festas tinham de ter uma razão de ser, eram para ajudar quem precisava. Em Londres, nas garden parties da Rainha. Não havia hierarquia de nobreza na América, eram ricos mas tinham uma certa apetência pelos títulos nobiliárquicos e começaram a juntar-se com a sociedade inglesa.
Juntar o nome com o dinheiro?
Sim. Deve dar muito jeito. Dá para muita gente. É um fascínio e é bom, isso é o motor que faz o mundo rodar. As grandes indústrias, o capitalismo, fazem o mundo girar, por mais que certas tendências digam mal do capitalismo. Mas o capitalismo é fundamental, porque dá a descoberta de novos mercados, pelo que produzem. Por exemplo, a moda é uma actividade muito cobiçada por homens e mulheres. Mas não só, também esse jet set que tinha uma vida lúdica [promovia] a indústria das festas, que igualmente era um motor de riqueza - e espero que vocês com o vosso maravilhoso jornal retomem e reavivem festas civilizadas e não só show off.
Hoje há muito show off em Portugal?
Não sei se há. Há, mas eu já não conheço as pessoas.
Retirou-se das festas?
Retirei. Já não há festas, mas retirei. Eu, se disser a verdade da minha vida, fico malvista. Eu só viajava para ir a festas. E só havia festas para eu viajar! Sempre fora de Portugal, eu era muito convidada porque tinha amigas velhinhas que gostavam de mim, nesses países onde havia tradição de grandes festas. Os sítios mais extraordinários da Europa, os Mónacos, Paris, Versalhes, Londres, em palácios, Puerto Banús, eram sítios onde ia. Ia muito a festas, porque gostavam de mim. As minhas amigas velhas - atenção que eu também sou - gostavam muito de mim. No estrangeiro gostam muito de mim.
E cá, não?
Cá, não.
Não é convidada para festas?
Sou, mas agora não vou.
Costuma dizer que há uma arte de receber. Lá fora existe essa arte de receber?
A arte de receber é a naturalidade, é a simplicidade. Porém, as grandes festas onde o protocolo e a etiqueta existem nasceram nos bailes e acolhimentos no Palácio de Versalhes, onde as pessoas iam ver o Rei. Versalhes foi o laboratório do luxo. O luxo é um fascínio, era um sonho para as pessoas, quando não havia televisão e cinema.
Há falta de luxo actualmente, para o povo?
O luxo tem por trás dinheiro. E oportunidade de o exibir. A palavra luxo vem da luz, ser iluminado. Existe um certo exibicionismo, um show off. Estamos em Cascais, a história de Cascais é a história do luxo em Portugal. Foram as festas da realeza que arrastaram para Cascais toda a nobreza. Por isso é que em Cascais há tantos palácios e tão bonitos, tão jeitosos. Agora está um pouco mélange, uma mistura. Eu sou de opinião que a entrada nas praias deveria ser paga, para se fazer uma certa selecção, não pelo valor em si. Em Itália paguei para entrar em certas praias. Todas as pessoas têm direito à praia, mas Cascais é uma coisa de sonho, do ponto de vista da sua história.
Faz falta a monarquia, havia espaço para ela em Portugal?
O que é preciso é gente boa, gente civilizada, gente culta, gente que sabe estar, que é boa, que é boa, que é boazinha. Mas a monarquia... Eu nasci em 1945, portanto [a República] estava instalada, mas quem sou eu para decidir? Isso não pode depender de uma opinião. Cá em Portugal é imprevisível. Eu sou a favor do que eles quiserem. Eu sou obediente e vivo virada para dentro, para ler e estudar e conviver com pessoas simpáticas.
Falava de luxo. Acha que hoje as redes sociais transportam essa ideia de luxo e da monarquia para a vida das pessoas?
É incomparável. Eu tenho alguns contactos com esse mundo, sobretudo da monarquia. A monarquia é um paradigma de civilização e civismo. Porém, também tem as colagens, o ascensorismo social, o alpinismo social, para subirem socialmente. Nada é mais belo que a simplicidade, ser simples e ser culta.
Falta cultura em Portugal?
O problema de Portugal é a falta de cultura.
Como se muda essa falta de cultura?
Eu, por acaso, sei. O problema resolve-se assim: acabar com o Ministério da Cultura e transformá-lo em Ministério da Animação Cultural - pelo que eu tenho o maior respeito, mas aquilo não é bem cultura. A parte do património tem de ser resolvida pelas instituições próprias. Eu andei no Ministério da Cultura, no tempo do Eduardo Prado Coelho. Pela primeira vez em Portugal ia existir uma profissional de relações públicas e ele convidou-me [para o lugar], eu fui a primeira. Estudei o assunto das relações públicas, não é uma ciência, mas é uma prática que nasceu na América. Sabe, eu tenho sempre livros para tudo, menos livros de cheques, que hoje em dia já não têm interesse nenhum, agora são os cartões.
Mas onde ficava a cultura?
Em vez de ser Ministério da Educação, era Ministério da Educação e Cultura, como já foi no tempo de Salazar. A cultura faz parte da educação. Educação lato sensu, quer dizer, o que se aprende, a História, a história da cultura. A cultura pode ser ocidental e oriental.
Mas é ao Estado que cabe dar essa cultura?
Lógico. E, sobretudo, utilizar uma arma fabulosa como é a televisão, mas tem de ser dada de uma maneira apelativa, porque se for chata e for blá-blá-blá, não interessa. Hoje em dia existe uma actividade cultural com o futebol.
O futebol é a nossa cultura?
Não é só nossa. Mas é, porque dá muito dinheirinho. A minha família adora futebol e o Sporting, são pessoas normais e gostam de outras coisas. Mas eu não sou ninguém, viro-me para dentro e faço os meus livrinhos, acho um entretenimento jeitoso.
Acha que falta cultura aos nossos jovens?
Não existe.
E por isso é preciso uma “educação queque” para as nossas crianças?
[Risos] Eu doei os ganhos desse livro [“Educação Queque”] a uma entidade que fazia pesquisa sobre um vírus que entrou nas filhas de uma amiga minha, uma doença raríssima. Debati com o Jaime Cancella de Abreu o título desse livro que eu queria que fosse a basezinha. Depois, “Educação Queque” caiu mal, acho detestável. Mas é o historial desse boom que eu tive, ele desatou a rir às gargalhadas e aí está o livro. O termo “queque” vem de D. Catarina de Bragança e da sua vida em Inglaterra. Eu não gosto nada dessa “educação queque”, porque fazem troça do “queque”.
Concorda com esta cultura do politicamente correcto, da obrigação de se ser politicamente correcto?
Nós, portugueses, não somos. Não somos, nem temos de ser. A falta de cultura é um dos maiores problemas que se pode ter. Não somos nem politicamente, nem socialmente correctos. Eu acho que este Papa tinha uma oportunidade fantástica, porque o problema que está a assombrar o mundo é um problema religioso, da ética religiosa. A religião [consiste em] ligar as pessoas, religio. A ligação das pessoas não está a correr nada bem. Tirando aos budistas e taoístas, esses tipos lá dos Extremos Orientes que não chateiam politicamente ninguém. Eu acho que faz falta educar as pessoas. No livro “Educação Queque”, que é deslumbrante - quem me dera a mim instaurar aquelas normativas para os outros! -, percebe-se que a formação e educação dos mais novos é feita em casa, não na escola. Este livro é para educar os pais para saberem educar os filhos, porque há pais que não sabem educar os filhos e os filhos são aqueles bimbos que a gente vê aí. De qualquer maneira, acho que a boa educação se faz em casa.
Mas qual devia ser o papel do Papa Francisco?
O Papa, do ponto de vista da religião, devia interagir com os chefes das outras igrejas, porque a religião existe para ligar as pessoas, para as pessoas serem boazinhas. O nosso cristianismo, a nossa herança, os dez mandamentos e não só, a catequese tem de ser ensinada para as pessoas serem boas. Porque, se as pessoas são boas, são normais, integram-se socialmente de uma maneira mais fácil e até podem fazer a tal ascensão social. Porquê? Porque com a boa educação nós vamos a qualquer parte. É o “muito obrigado”, “com licença”, “se faz favor”, quem vai primeiro, “ladies first”. O cavalheirismo vem da Idade Média.
Mas agora existe um ataque ao cavalheirismo, na questão da igualdade entre homens e mulheres.
Está bem, mas essa treta... não vou discutir isso. Isso é política e não me meto. Quando politizam coisas que são do nosso quotidiano, dos nossos hábitos de convivência, então aí, mandem vir o ministro!
Como olha para o papel da mulher na sociedade?
Acho um complemento. É jeitosa para o casamento e o homem também. Crescei e multiplicai-vos. Só tive uma filha, quis Deus que eu não tivesse mais. Acho que o ideal das nossas funções é ter filhos para a continuação. A mulher tem um perfil genético e educacional, ainda existem gerações próximas de outras épocas. A mulher é muito de estar em casa. E no trabalho há um grande destaque. Aquela coisa de terem de existir cinco homens e cinco mulheres não me faz sentido. Há mulheres que querem estar em casa, estejam; há homens que querem estar em casa, isso já é mais complicado.
Qual a figura que mais a inspira?
Não conheço ninguém. As minhas amigas velhinhas já morreram todas. Um dos meus projectos agora é fazer uma fotobiografia. Tenho muitas centenas de fotografias com celebridades.
Dava mais um bom livro...
Foi tudo para a Cabral Moncada [Leilões]. Vou fazer um leilão, em Novembro, das minhas roupas de marca e de festas que contam uma história. Não minha, mas de uma época em que eu viajava para ir a festas. Viajar faz muito bem. Hoje em dia, nos aeroportos, é como andar no 28, andar de avião é um frete horroroso. Mas não sei, não admiro assim ninguém. Pontualmente, admiro. Mas gosto muito da minha filha. Da minha família.
E na moda, quem mais a inspira?
Adoro tantos. Adoro a Chanel, adoro Dior. Vou vender as minhas carteiras Dior todas. É a primeira vez que em Portugal se faz um leilão de roupa de uma só pessoa, uma coisa que se faz muito em França e na América. Mas são pessoas de outro patamar. À minha escala, a Cabral Moncada teve este golpe de asa. Eu não posso ter tanta roupa. Eu já não vou a festas, já não tenho saúde. Tenho a vivacidade intelectual. A inteligência está cada vez melhor, a memória não. Mas não conheço ninguém que admire. Da política não os conheço, da televisão não sei quem são. Há as pessoas velhinhas amigas que admiro, para uso meu, ou já partiram. Mas eu gosto das velhas. Porquê? Porque traziam a herança do passado. Não é por serem ricas ou pobres, a herança civilizacional era mais interactiva. Eu sou de outra geração. O que eu gosto é de sentido de humor, mas os portugueses não têm. Peço desculpa, mas não têm. Faz-me pena. Eu gosto de rir com as pessoas que sabem rir.
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