Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
terça-feira, 23 de abril de 2024
Edgar Silva - A religião e os valores humanistas na obra de José Saramago
quinta-feira, 18 de abril de 2024
Manuel Loff - Uma festa muito prática
Por mais que tentem descafeinar a Revolução, as direitas deste país não têm motivos para querer comemorá-la.
* Manuel Loff
17 de Abril de
2024
Nos 50 anos do
25 de Abril e da democracia em Portugal, é de novo a direita que está no
Governo. Parece a maldição dos anos terminados em 4: salvo nos 25 anos (1999),
os aniversários redondos da democracia foram comemorados em contracorrente com
governos de direita que se sentiram sempre incomodados com quase tudo quanto o
25 de Abril significou nas nossas vidas. Foi assim em 1994 (Cavaco) e em 2004
(Durão); duas das comemorações (1984, Bloco Central PS/PSD, e 2014, Governo
Passos PSD/CDS) coincidiram com os dois piores períodos de devastação social
provocada por políticas de austeridade que obrigaram a reavaliar o que restava
da democracia que o 25 de Abril criara.
Por mais que
tentem descafeinar a Revolução, as direitas deste país não têm motivos para
querer comemorá-la. A memória da Revolução continua a irritá-las de
sobremaneira (veja-se 25 de Abril. Revolução e mudança em 50 anos de memória,
livro que está prestes a sair e que coordenei com Miguel Cardina). A libertação
de Portugal e das colónias não foi simplesmente uma mudança de regime com o
desmantelamento da polícia política (ao contrário da transição espanhola, por
exemplo) e o reconhecimento da independência dos novos países africanos – o que
já não seria pouco! O 25 de Abril foi a conquista de direitos dos trabalhadores
das cidades e dos campos, “A terra a quem a trabalha!”, o direito à habitação,
o início do longo processo de emancipação das mulheres (ainda que muito ficasse
por conquistar nos direitos sexuais reprodutivos) – justamente o que enfurece a
falange de ressentidos que Passos juntou há dias em torno de um livro rançoso.
O 25 de Abril foi a derrota do autoritarismo e da violência de Estado nas suas
formas herdadas do fascismo dos anos 30; e foi o fim da guerra, produto da
denúncia do colonialismo, que mudou, ainda antes da Revolução, a forma como a
imensa maioria dos jovens imaginavam Portugal e se definiam como portugueses. Na
admirável síntese que o Presidente Costa Gomes fez em 1974 perante as
Nações Unidas, tomara-se a decisão coletiva de “não mais admitir trocar a
liberdade de consciência coletiva por sonhos grandiosos de imperialismo
estéril”.
O 25 de Abril
não foi de forma alguma um “golpe de Estado” clássico. Resultou da iniciativa
de uma geração de jovens capitães, 30 e poucos anos, formados todos nas escolas
militares impregnadas de colonialismo, nacionalismo autoritário e lições mal
aprendidas da Argélia e do Vietname, valores que, em África, na guerra,
começaram a repudiar. Derrubada a ditadura, sustentada, afinal, apenas sobre o
medo da repressão e a opção irreversível pela guerra, mas sem que ninguém se
quisesse bater por ela, a Revolução irrompe pela força irreprimível de todo
aquele povo que, contra a vontade (ou a expectativa) do MFA, invadiu não apenas
as ruas, entre cravos e aplausos, mas cercou a sede da PIDE/DGS e as prisões
políticas para exigir a libertação dos presos. Da mesma forma, se se chegou, ao
fim de poucos dias, a um cessar-fogo nas colónias, foi por vontade dos oficiais
e soldados que, na mata, desesperavam por uma solução política para a guerra, e
dos guerrilheiros africanos que não ficaram à espera do que se decidisse em
Lisboa. O MFA vinha prometer o fim da guerra (era essa a mensagem essencial do
seu programa); mas o calendário que alguma vez terá imaginado foi antecipado
pela vontade das centenas de milhares de jovens empurrados, ano após ano, para
África. O 25 de Abril foi a vontade simultânea dos capitães de fazer a paz e a
perceção do povo português de se ter aberto uma oportunidade única de
democracia genuína, sem medo e sem guerra.
Desde Sá
Carneiro, que comparou aqueles anos a uma “opressão siberiana”, até Cavaco, que achava que quem fez a Revolução
era “gente [que] não [estava] boa da cabeça” e que Portugal se “[parecia] um
país de loucos” (Autobiografia Política, 2002), as direitas continuam a
detestar o 25 de Abril. Nada de mais natural: a nossa democracia nasceu num
“dia inicial inteiro e limpo” que abriu as portas de uma Revolução. E é por
isso que comemorá-la não é, nem por um minuto, um ritual oco e sem utilidade.
Nos tempos que correm, poucas festas podem ter mais valor prático!
sexta-feira, 12 de abril de 2024
Tiago Franco - Este é melhor não, que é coisa para queimares o arroz que está ao lume
* Tiago Franco
ESTE É MELHOR
NÃO, QUE É COISA PARA QUEIMARES O ARROZ QUE ESTÁ AO LUME |
Quem me conhece
razoavelmente bem sabe que o meu sonho, desde há muito, muito tempo, é dar a
volta ao mundo. Desde que me lembro que é assim. Há duas razões mais ou menos
simples para isso. A primeira é por gostas de estar em sítios onde aconteceu
algo que apenas vi num livro de história. Era a minha disciplina favorita na
escola e julgo que se tivesse crescido num país de primeiro mundo, com empregos
e salários decentes, provavelmente teria ido por aí. A outra é que eu gosto
genuinamente de ver as diferencas culturais entre os povos, até para perceber
melhor o meu próprio contexto cultural. No fundo, um acumular de padrões para
não ficar fechado e bloqueado num continente que cada vez mais levanta muros em
vez de os destruir.
Raramente volto
como fui e procuro, sempre que posso, o mais diferente possível daquela que é a
minha história. Nesta fase da vida já não tenho paciência para Venezas, Paris e
Londres. Quero Kigalis, Vientianes e Managuas. Poucas vezes viajei sozinho porque
detesto a solidão e quando o fiz, nunca foi algo que quisesse guardar como
memória. A vida, na forma como a imagino, é para ser vivida com afecto,
sorrisos e companhia.
Quando não
estou a viajar estou a pensar no próximo destino. Não o consigo evitar. Podemos
estar entre guerras, pandemias ou crises financeiras. Pode até o meu emprego
estar na linha como está, permanentemente, desde que decidi trabalhar por
contratos temporários (ou seja, quase toda a minha vida profissional). Mas todo
o santo dia eu abro o Google Maps (até porque faz parte do meu trabalho) para
procurar caminhos novos.
Ora, tenho a
sorte de ter por perto quem me vá aturando nestes sonhos e repita, com alguma
frequência, "ok Tiago, qual foi a ideia desta vez?". Eu sonho
acordado.
Sou um péssimo
companheiro de deslocacão (porque odeio voar) mas acho que compenso quando
metemos os pés no chão e as mochilas nas costas. Ir de A para B de carro,
comboio ou barco é, de longe, o mundo ideal.
Esperei 11 anos
para regressar ao Sudoeste Asiático. Tempo a mais para uma vida que é sempre
curta. Parti de um sítio frio, de céu cinzento, onde estava a pressão laboral e
a corrida contra o tempo para agradar a mercados capitalistas. Onde todos
trabalhamos a troco de salários altos que são absolutamente devorados pelos
juros dos créditos à habitacão ou a elevadíssima carga fiscal. Deixei para
trás, por uns dias, a sociedade que produz e que se esfola diariamente para
conseguir pagar as contas, ditadas por um banco em Frankfurt ou uma guerra que
alguém escolheu alimentar em meu nome.
Do outro lado
estava um mundo relativamente diferente, com mais sorrisos, com outros
problemas certamente mas também com outras solucões. De alguma maneira a vida
parece mais fácil debaixo de sol, com sumos de fruta fresca a toda a hora, mar
quente, budistas e uma gastronomia que não aborrece nem envergonha. Dizia-me um
dos companheiros que por lá já se sentia em casa: "já reparaste que eles
estão sempre a sorrir?"
Mesmo com
história dramáticas e traumas recentes (por exemplo o genocídio no Cambodia que
arrasou com 25% da populacão), aquele pessoal consegue, aparentemente, ter a
alegria e a forca de focar nas coisas básicas e importantes da vida. E não
pensemos que estamos a falar dos pobrezinhos e coitados. O sudoeste asiático já
não é apenas o sítio onde as multinacionais vão coser roupa. Não vi mais gente
a dormir nas ruas de Banguecoque do que, por exemplo, no centro de Lisboa,
Paris ou Roma.
É dificil
explicar a sensacão de viver no aparente caos destas cidades super povoadas. Eu
não me importo com a confusão, a enxurrada de gente ou o barulho. Sinto-me
acompanhado em ambientes desses. Mas há algo de especial em estar o dia todo na
agitacão para, de seguida, dar de caras com uma praia deserta, daquelas que
vemos nos postais. Ou entrar numa rua escura ao calhas e uma senhora abrir a
cozinha para nos fazer o último pad thai da noite. O que estou a tentar dizer é
que, parece-me, por aqui cada dia conta e é vivido de forma intensa. Ainda
assim, sem grande pressão ou horários definidos. Tudo se arranja, tudo se
desenrasca, há sempre alguém que conhece alguém.
Regresso de um
mundo onde tudo vibrava, tinha cor e cheiros para o meu espaco. O tal ocidente
civilizado, velho continente que ensina os demais a viver. E o que vejo? Em
Portugal voltam-se a discutir temas de 1950, desenterrados por um livro
apresentado por Passos Coelho e escrito, entre outros, por fachos como o Jaime
Nogueira Pinto. Um idiota daquele partido que teve 100 000 votos sem querer,
afirma que as neves do Kilimanjaro ainda lá estão, portanto, isto do
aquecimento do planeta é uma tanga.
Parece que
ficamos mais estúpidos quanto mais informacão nos disponibilizam. Eu estive no
cume do Kilimanjaro em 2008. Os glaciares já eram muito menores nessa altura do
que em décadas anteriores. É só ver as imagens aéreas para perceber. Os lagos
reduziram o seu tamanho, os glaciares também mas...o facto de existirem, ainda
que menores, não quer dizer nada. É tudo uma conspiracão.
Na televisão
vejo velhos que, na sua juventude fugiram à guerra colonial, dizerem que o
apoio à Ucrânia não pode parar e que é tempo de enviar soldados. Isto porque,
claro, já não são as costas deles que lá vão bater. Já para não falar do
genocídio em Gaza que nem nos rodapés aparece. Será também estudado daqui a 20
anos.
No meu bairro,
em Gotemburgo, há casas a serem vendidas em hasta pública por execucão
bancária. Algo que eu nunca tinha visto em 20 anos. Famílias que, por causa das
taxas do BCE e a eterna desculpa da Ucrânia, passaram a pagar 3, 4 ou 5000
euros pelas prestacões ao banco e simplesmente...estouraram. Eu já nem consigo
perceber como é que se sobrevive em Portugal quando nos países ricos comecam a
ficar depenados.
E depois...tudo
em nome de quê? Chegamos a meio da nossa vida, eu pelo menos espero ter
chegado, a trabalhar dia e noite para pagar contas, sustentar guerras,
patrocinar a corrupcão e sermos governados por entidades como o BCE.
Eu, que sou um
ferrenho apoiante do estado social e da solidariedade, trabalhei 20 anos para
entregar mais de 50% do meu rendimento em impostos e, mesmo assim, ser
extorquido mensalmente pela banca, sem que os governos eleitos facam
absolutamnete nada. A Europa transformou-se numa zona muito pouco recomendável
onde, sem darmos por isso, ficámos acorrentados a um jogo cujas regras mudaram
no espaco de 4 anos (desde 2020) e que foram decididas, a meias, entre a banca
e a comissão europeia. Nada ou ninguém que eu me lembre de ter eleito para
falar ou decidir em meu nome.
A desilusão é
tal que, aos poucos, vou desligando as notícias, perco a vontade de escrever,
simplesmente não quero saber. Não importa, não interessa. Isto já não é a vida
que vinha no guião do "vai estudar e esforca-te para seres o melhor
possível no teu local de trabalho". Isto é apenas uma merda.
A vida devia
ter menos Ursulas, Putins, Zelenskis e Venturas e mais momentos em família,
fotos para a posteridade, recordacões que nos fazem pensar que valeu a pena
passar pelo planeta.
Digo isto
várias vezes aos meus filhos e é algo em que acredito profundamente. Depois da
educacão que será a ferramenta deles para enfrentarem o futuro, tudo o que lhes
quero dar são momentos. Experiências, paisagens, um pouco de mundo. Algo que
lhes fique na memória e que lhes permita ter um conceito de "bairro"
mais alargado quando comecarem, sozinhos, a definir o seu. É esse, para mim, o
verdadeiro sentido da vida. É conhecer em vez de acumular. É ir em vez de
esperar. É, no fundo, perceber onde estamos e o que fazemos aqui, como dizia o
poeta em tempos de má memória.
Em resumo, eu
quero que a Ucrânia se foda, que a Rússia se foda, que a Ursula se foda, que a
Lagarde se foda, que o Trump se foda, que os fachos se fodam, que os idiotas
que apoiam o genocídio em Gaza se fodam ou que os burros que acham que uma
Europa com muros é a solucão, se fodam.
No fundo era só
isto, mas o poder de síntese nunca fo o meu forte.
2024 04 12
sexta-feira, 5 de abril de 2024
Miguel Tiago - Mil vezes Abril
- Miguel Tiago
- 26 MARÇO, 2024
- Em 2022, o CDS desapareceu do parlamento português e só foi ressuscitado pela necessária bondade de um PSD perdido, querendo estender a mão à direita mais reaccionária e retrógrada, mas sabendo que isso lhe custaria votos. Não se ouviram nem leram, por essa altura, tantos cântigos fúnebres como os que ouvem os comunistas desde a sua fundação.
- A extinção eleitoral do CDS, não apenas não mereceu dos donos disto tudo e seus papagaios a exaltada e estafada celebração da decadência eleitoral e o anúncio de morte, como lhes assegurou a continuidade da sua presença em diversos órgãos de comunicação social, com honras de comentadores em horário nobre, sem direito a contraditório, sem questionamento, levando para casa os seus milhares de euros para regurgitarem o volutabro que nos pretendem enfiar pelas cabeças abaixo. Nunca houve hora da morte nem certidão de óbito para o cadáver mais evidente da democracia portuguesa, pelo contrário, houve dois anos de custosa e penosa reanimação. Já o PCP, ainda o muro de Berlim não havia caído e tinha a sua morte traçada e decidida.
- A inexorável morte do PCP, que traduziria o triunfo dos capitalistas que usam o nosso país como mais um dos seus quintais, é decidida nos conselhos de administração das cotadas em bolsa, da banca, nas mais altas instâncias da União Europeria, nas redacções dos jornais, rádios e tvs, mas isso ainda não a tornou realidade. Sabemos que eles estão habituados a decidir tudo: que decidem para que lado sopram os ventos da chamada “esquerda” e da chamada “direita”, que decidem o que diz cada partido, que decidem quando um se extingue e outro se acende. Nós sabemos que a comunicação social dominante, às ordens dos que lhes pagam os anúncios publicitários e dos que lhe capturaram a função por lhe deterem o capital social, tem a capacidade de destruir personalidades, de criar novas e inquestionáveis personalidades de reputada capacidade de mastigar opiniões para no-las dar já macias, semi-digeridas. Também sabemos que a comunicação social tem a capacidade de determinar quanto tempo, com que tom, com que cor e qualidade de imagem, tem cada agente económico, cada marca, cada partido, cada evento político ou social e que, com isso, influencia o conhecimento e opinião que cada um de nós tem sobre a nossa envolvente social, cultural, política e económica.
- As administrações dos grupos económicos, os grandes accionistas, os monopólios e seus partidos decidem a duração dos contratos dos seus trabalhadores, ou mesmo a ausência de contratação; decidem o horário e decidem se o trabalhador tem direito ou não a ver os seus filhos; decidem quanto o trabalhador leva para casa e decidem quanto querem pagar de impostos; os grupos económicos decidem quanto dinheiro dão a cada partido; quantas horas de televisão vai ter cada líder partidário; decidem em quem bate a polícia; a taxa de juro; o custo da habitação; quem vive na periferia e quem vive na metrópole; quem cá trabalha legalmente e quem cá trabalha ilegalmente; decide quem condenam os tribunais; decide se a guerra é boa ou má; o valor de uma vida negra, de uma criança árabe ou de milionários enlatados no fundo do mar; e por isso se compreende que estejam habituados a que os seus desejos sejam profecias autorrealizáveis. O capitalismo faz navegação à vista no imediato, mas planifica bem a gestão do longo-prazo e tem a elite académica, os intelectuais orgânicos de um extremo ao outro do espectro dominante, do wokismo ao neo-fascismo, dispõe de uma capacidade criativa capaz de torcer temporariamente até algumas regras do seu próprio funcionamento e dispõe de um aparelho global de destruição militar que influencia determinantemente a divisão internacional do trabalho.
- Podendo contorcer-se nas suas próprias regras, o que o capitalismo não pode contornar, contudo, são as leis da história. As leis que regem o movimento histórico, com fluxos e refluxos, com acelerações e desacelerações, são um substrato universal em que até o mais poderoso império é forçado a viver.
- Declarada que está há décadas a morte do comunismo e, em Portugal, do Partido Comunista Português, essa profecia nunca será cumprida na medida em que, existindo um sistema de exploração, nada pode impedir o alargamento em número da classe de explorados e o aumento do seu poder real. Mesmo uma eventual extinção de um partido operário não significará em momento algum a extinção da força da classe que o criou, porque essa força material é crescente, independentemente de ser consciente. Estando cada vez mais consolidadas as condições objectivas para uma revolução, o capital aposta na desmobilização das condições subjectivas, numa dialética de forças que é uma batalha constante, em cada lugar de trabalho, em cada rua, em cada cidade.
- O êxtase com que todos os quadrantes de comentadores e quase todos os partidos, mais ou menos assumidamente, festejam o resultado negativo da CDU e do PCP nas eleições portuguesas de 2024 é a celebração indisfarçável dos que anunciam o colapso das ideias revolucionárias e do PCP, dos mesmos que focam nas forças mais reaccionárias a sua atenção, seja ela por simpatia ou por simulacro de apaixonado combate.
- Não é nosso papel, nem isso nos aproveitaria, bater no peito afirmando ter orgulho nos nossos erros. Mas também não é nosso papel interiorizar todas as responsabilidades em torno de resultados eleitorais ou organizacionais que não vão ao encontro das nossas legítimas e justas expectativas. Do que o povo e os trabalhadores precisam, agora mais do que nunca ao longo das últimas décadas, é de uma linha política de afirmação de um caminho novo, claro e inequívoco, que centre na capacidade criativa das massas populares, na sua capacidade de gestão e resolução dos seus próprios problemas, o rumo para a ruptura com o lodaçal em que a grande burguesia tem afundado o país, sacrificando os trabalhadores, os jovens, as mulheres e os reformados.
- Terá, porventura, existido uma compreensão de que o PCP e a CDU disputavam um lugar de influência sobre o PS, quando esse não é o campeonato em que jogam estas forças: estão no parlamento e nas ruas para levar a voz dos trabalhadores a todos os cantos da democracia e para construir uma alternativa política que não se constrói de remendos, mas de rupturas. Não se candidataram para ser voz da consciência de um PS decrépito e degradado, comprometido com novembro e os grupos económicos até à medula, mas para criar as condições necessárias para o fim da alternância entre os partidos que estão ao serviço da grande burguesia. Claro que não desperdiçarão, e nem podiam, neenhuma oportunidade para melhorar as vidas dos que aqui vivem e trabalham, mas o seu projecto é de grande fôlego e não se contém em “programas mínimos”.
- Do que precisamos é de clarificar o que nos divide, o que nos distingue, evitando a tibieza e a flagelação, de cara erguida com a certeza de que cada um de nós dará tudo o que tem pela liberdade, pela democracia e pelo progresso. Dissipar as dúvidas criadas pelas novas nuvens de confusão lançadas sobre o que significa ser “de esquerda” ou “de direita”, clarificar que a verdadeira distinção se coloca entre os que se posicionam do lado do trabalho e os que se põem do lado do capital, entre os revolucionários e os conservadores, os que pretendem ultrapassar o actual modo de produção e os que pretendem mantê-lo às custas da exploração do trabalho, do sangue das guerras, da submissão do neocolonialismo e da destruição do planeta e exaustão dos seus recursos.
- Mais do que nunca é preciso distinguir o que define o projecto revolucionário e concretizar as linhas de objectivos imediatos, concretizáveis e alcançáveis à escala da vida dos trabalhadores de hoje: romper com a submissão à classe dominante organizada em União Europeia, abandonar a subordinação à grande burguesia nacional e internacional que esmaga os trabalhadores e parte significativa da pequena-burguesia, assumir a nacionalização dos sectores estratégicos da economia como primeiro passo para qualquer ruptura real, e acertar o passo com 1974, sem ignorar que a revolução ficou inacabada, o que significa que deve ser terminada.
- Abril vive nos corações dos portugueses, da juventude, dos trabalhadores, dos homens e mulheres que aqui vivem, incluindo dos 70% dos portugueses que tinham menos de 5 anos ou ainda não eram nascidos porque muitas das conquistas ainda vivem na nossa realidade. Mas isso não significa que necessariamente viva com esse nome (muitos sentem Abril e não lhe sabem o nome): ir ao concreto, avaliando e estudando o passado, olhos postos no futuro, ultrapassar a incompreensão e, nos cinquenta anos da revolução, mais do que dizer mil vezes Abril, afirmar como objectivos a recuperação da força dos trabalhadores na política, a participação directa dos trabalhadores na gestão das empresas e do estado e a colocação do estado e dos seus instrumentos ao serviço do povo e do país. As formas para atingir mais organização e mais luta – que são as mesmas, interdependentes e interpenetrantes – são bem conhecidas dos que lutam num colectivo supra-centenário: organizar para lutar e organizar na luta em torno da questão salarial, dos problemas da juventude, pelos serviços públicos e pela cultura, pelo ambiente e pela produção nacional, pela habitação e pela paz.
- Por mais voltas que demos, a pandemia e a guerra intercapitalista na Ucrânia, demonstram como os adversários dos trabalhadores aproveitam e aproveitarão cada oportunidade para corroer o mais forte instrumento político da sua classe, pelo que nada, como sempre soubemos, substitui o contacto directo, a organização no local de trabalho, a penetração nos bairros e nas comunidades, a chamada das margens para o trabalho unitário, alargando o caudal de descontentamento organizado. Além de ser o único caminho para o fortalecimento da resposta de massas e o único para vencer os obstáculos comunicativos, é a mais poderosa força contra os projectos mais reaccionários e saudosistas que acolhem a simpatia da comunicação social e do capital. Independentemente dos resultados eleitorais, que pretendemos os melhores e mais correspondentes ao esforço real que se faz, é impossível destruir um projecto cujo trabalho é uma extensão das aspirações e anseios das massas trabalhadoras. É preciso garantir que o é. ~