Levar o telemóvel para todo o lado, até “para a casa de banho”, pode ser sinal de alerta. A Ordem dos Psicólogos sugere estas estratégias
A Ordem dos Psicólogos lançou um manual que aborda os benefícios e os riscos do uso de ecrãs, bem como os principais sinais que podem indiciar uma utilização excessiva e as estratégias para uma utilização segura. Dirige-se a mães e pais, mas não só: também há informação para adultos e idosos, que enfrentam igualmente riscos
Levar o telemóvel para todo o lado, até “para a casa de banho”, pode ser sinal de alerta. A Ordem dos Psicólogos sugere estas estratégias
Helena Bento
Jornalista
As tecnologias digitais vieram, em vários aspetos, melhorar a nossa vida, mas também trazem riscos e perigos. Como é que pais e mães podem garantir, por exemplo, que os filhos utilizam ecrãs de forma segura e benéfica?
Equilibrar o tempo de uso de ecrãs, utilizando-o como “recompensa” e não como um “dado adquirido ou um direito”, incentivar e realizar atividades que não envolvam tecnologia, fazer as refeições sem smartphones ou consolas por perto e estabelecer um dia para “desligar”, que envolva toda a família, são algumas das recomendações feitas pela Ordem dos Psicólogos num manual sobre este tema publicado recentemente.
O documento, intitulado “Vamos Falar sobre Ecrãs e Tecnologias Digitais”, disponível online, aborda os benefícios e os perigos do uso de ecrãs, bem como os principais sinais que podem indiciar um uso excessivo ou problemático e as estratégias para uma utilização segura. Dirige-se a mães e pais, mas não só: também há informação para adultos e pessoas mais velhas, que enfrentam igualmente riscos no uso de ecrãs.
Em crianças entre os dois e os cinco anos, ver televisão ou outros ecrãs mais de duas horas por dia, “sem critérios e sem acompanhamento”, pode “atrasar o desenvolvimento da linguagem e ter consequências negativas na visão”, bem como “comprometer a motricidade fina”, atrasando ou dificultando que a criança ande, corra ou coordene diferentes partes do corpo.
Já entre os seis e os 11 anos, várias horas de videojogos “podem refletir-se numa menor coordenação e flexibilidade motora”, e contribuir para o excesso de peso. Quando adequados à idade, podem melhorar a capacidade de orientação espacial e de raciocínio lógico; e se envolverem vários jogadores ajudam a desenvolver comportamentos de cooperação e entreajuda.
Até aos 12 meses, não é recomendada qualquer interação com ecrãs, refere o documento, com base nas diretrizes de organizações como a OMS (Organização Mundial da Saúde).
O uso de ecrãs por parte dos adolescentes também pode ter impactos negativos, embora certos videojogos ajudem a promover competências como a resolução de problemas e a criatividade, e as redes sociais possam transformar-se num “lugar de suporte” quando há solidão ou “incompreensão” por parte dos outros. As principais consequências negativas são a diminuição da autoestima e bem-estar, por via da comparação com outros utilizadores das redes sociais, e a diminuição da qualidade das interações quando há um “uso excessivo de ecrãs, várias horas por dia e durante momentos de convívio”.
Ivone Patrão, psicóloga clínica e investigadora na área da dependência de ecrãs, foi uma das convidadas do episódio do podcast "Que Voz é Esta?" dedicado ao uso problemático de internet
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“Já tive casos bastante graves de dependência de internet, jovens que não se levantavam da cadeira nem para as necessidades mais básicas”
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Dos vários riscos e perigos do uso de ecrãs para as crianças e jovens, o manual destaca, entre outros, o “cyberbullying”, problemas de saúde mental, aliciamento sexual e dependência. “O uso excessivo dos ecrãs pode refletir-se em comportamentos aditivos, tal como acontece com o uso excessivo de álcool, tabaco ou outras drogas. É possível ficar-se adicto a videojogos, a encontros online, a jogos de apostas online ou, simplesmente, às redes sociais”, lê-se no documento.
Há sinais que indiciam este uso problemático, a que os pais e os próprios adolescentes devem estar atentos: ficar “perturbado, irritado, angustiado ou triste" quando a atividade online é interrompida, sentir dificuldades em reduzir o tempo online (mesmo quando é o próprio a tomar essa iniciativa), saltar refeições, ficar várias horas sem ir à casa de banho, e entrar em conflito com a família por questões relacionadas com o tempo de ecrã.
Tanto em crianças como em adolescentes, há estratégias que podem ser colocadas em prática para promover um uso responsável. Definir horários e tempos para o uso de ecrãs, utilizar as tecnologias em conjunto, utilizar o tempo de ecrã “como uma recompensa por conquistas realizadas fora do mundo digital" - em vez de permitir que faça parte das rotinas - e realizar atividades com as crianças e jovens fora do mundo digital são algumas das estratégias sugeridas.
A Ordem dos Psicólogos também sugere que as refeições sejam feitas sem smartphones ou consolas à mesa e que, no dia a dia, estes dispositivos estejam em espaços comuns da casa e não no quarto da criança ou do jovem. Também é recomendado à família que estabeleça um dia comum para “desligar”. “Pode ser estabelecido um dia da semana, por exemplo, se possível, um dia de fim-de-semana, para ninguém utilizar ecrãs e tecnologias digitais, dedicando-se a família a realizar outro tipo de atividades, individualmente e em família.”
Ainda na secção dirigida a pais e mães, são discutidas as vantagens e desvantagens de dar um smartphone às crianças, a importância de monitorizar a atividade online dos filhos e como esta supervisão deve ser feita, sendo certo que “proibir completamente e de forma indiscriminada o uso de ecrãs pode ter o efeito contrário ao pretendido”.
LEVAR O TELEMÓVEL PARA A CASA DE BANHO PODE SER SINAL DE ALERTA
Os riscos e perigos a que os adultos estão expostos são semelhantes aos das crianças e jovens, mas incluem também a invasão de privacidade, fraudes e burlas online. O documento detalha alguns dos esquemas fraudulentos mais comuns.
O uso excessivo de ecrãs pode ser identificado quando um adulto tem dificuldade em ficar longe do smartphone. "Podemos tê-lo verificado há cinco minutos, mas voltamos a fazê-lo. Ficamos mais tempo a utilizá-lo do que queríamos e, muitas vezes, perdemos a noção do tempo e atrasamo-nos ou esquecemo-nos de fazer algo. Levamo-lo para todo o lado, mesmo que seja dentro de casa, até quando vamos à casa de banho.” Quando, em vez de combinar atividades com a família ou amigos, a pessoa prefere ficar em casa a conversar através das redes ou a assistir a eventos pelo ecrã, isso também pode ser um sinal de uso inadequado.
As recomendações incluem filtrar os conteúdos seguidos - dispensando aqueles que “não têm um propósito claro e positivo para o bem-estar”, e evitar comparações com “conteúdos irrealistas”, especialmente sobre beleza, bem-estar e estilos de vida, que “não correspondem à realidade da maioria das pessoas”. Estar três a quatro horas por dia sem usar qualquer ecrã e realizar mais atividades offline, durante as quais “podemos desligar o som do telemóvel, colocar em modo avião ou simplesmente não o levar connosco”, é outras das recomendações.
Se é difícil diminuir o tempo de utilização do smartphone, há várias estratégias que podem ajudar: alterar a paleta de cores do ecrã para tons de cinzento - tornando o ecrã “mais aborrecido e menos apelativo” - desativar as notificações, utilizar uma app para bloquear outras apps, usar as redes sociais apenas no computador ou criar um lembrete acessível que “interrompa o comportamento automático de verificar o smartphone” e lembre que é hora de “voltar para a vida offline”.
IDOSOS TAMBÉM PODEM FICAR DEPENDENTES DE ECRÃS
O documento também aponta os benefícios e impactos negativos dos ecrãs nas pessoas mais velhas. “Os conteúdos que vemos nos ecrãs, incluindo nas redes sociais, podem ter influência nas nossas decisões, por exemplo, se nos cruzamos com muitas notícias trágicas ou falsas é possível ficarmos demasiados preocupados e agirmos sem ponderação.”
Há vários sinais que podem indiciar um uso excessivo: pensamento e fala mais “preguiçosos” - utilizando a pessoa cada vez “menos palavras” - dificuldade em escrever à mão, fazer contas de cabeça ou tratar sozinha de assuntos fora de casa. “O uso excessivo dos ecrãs pode cruzar-se com as dificuldades associadas ao envelhecimento e à demência, acelerando o declínio cognitivo e os processos demenciais”, alerta a Ordem dos Psicólogos.
Os familiares ou cuidadores de pessoas mais velhas também podem contribuir para uma utilização mais benéfica das redes sociais. Por exemplo, ajudando a relativizar o que se vê. “Muitas horas de notícias podem criar uma visão pessimista do mundo, pois os meios de comunicação social focam-se no que é incomum e trágico. É importante equilibrar o tempo de ecrã com outras atividades ocupacionais”.
Nas estruturas residenciais para idosos, devem ser privilegiadas atividades interativas nos ecrãs, em vez de “atividades passivas, como ver televisão”. Se não existirem atividades ocupacionais, os familiares devem apelar à sua criação junto das estruturas.
SOCIEDADE (Expresso 14 JULHO 2024)
https://expresso.pt/sociedade/2024-07-14-levar-o-telemovel-para-todo-o-lado-ate-para-a-casa-de-banho-pode-ser-sinal-de-alerta.-a-ordem-dos-psicologos-sugere-estas-estrategias-dbe36cb3
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