quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Guerra Colonial: série estreia dia 16 - A Guerra como nunca foi contada

* Myriam Zaluar

A 27 de Abril de 1974, dá-se na Guiné aquela que poderá ter sido a última operação da guerra que se iniciara em Angola 13 anos antes. Os comandantes que lideravam as tropas implicadas não sabiam que na antevéspera se dera em Portugal o golpe militar que iria pôr fim ao conflito.


É por uma conversa entre os responsáveis de ambos os lados que se inicia a série documental ‘A Guerra’, a estrear 3.ª feira, dia 16, às 21h00, na RTP1. Assinado por Joaquim Furtado, o documentário pretende abordar, “de uma forma global” que o seu autor acredita ser inédita, a guerra que conheceu três designações diferentes. É precisamente esta tripla visão que o jornalista pretendeu dar ao público ao introduzir, desde o genérico, os três nomes dados ao conflito que transformou a vida de toda uma geração, a sua geração.

“Os protagonistas desta guerra”, explica à Correio TV, “os militares portugueses e o regime, os guerrilheiros africanos e também os que, não participando directamente, tinham uma opinião contra, chamaram nomes diferentes ao conflito. Os primeiros chamaram-lhe Guerra do Ultramar. Os segundos Guerra de Libertação. Os refractários, os desertores e os que se situavam na oposição deram-lhe o nome de Guerra Colonial”. A série ficou ‘A Guerra’ mas no genérico o título “desdobra-se”, mostrando as três diferentes maneiras de ver um mesmo conflito.

JOAQUIM FURTADO

Joaquim Furtado decidiu articular o longo documentário, cujos primeiros nove episódios vão para o ar nas próximas semanas, em “três grandes pilares”. O primeiro diz respeito às imagens históricas que serão exibidas. São “filmes de arquivo da própria RTP e também das Forças Armadas, da Força Aérea e da Marinha, para além de documentação fornecida pelos próprios entrevistados”. Trata-se, diz, de “um acervo imenso” no qual se incluem imagens nunca vistas e outras que, embora não sejam inéditas, aparecem “talvez pela primeira vez contextualizadas, colocadas no seu devido lugar na História”. O jornalista começou a preparar a série documental em 1999 mas o trabalho sofreu algumas interrupções, a maior das quais durou perto de ano e meio.

O PROGRAMA

Para além dos filmes e imagens fotográficas de época, o programa assenta em centenas de depoimentos de pessoas que o jornalista designa como “protagonistas” do conflito e onde se incluem “os militares portugueses das várias patentes que participaram, quer em Angola, quer em Moçambique, quer na Guiné”, os guerrilheiros africanos, mas também os civis das várias nacionalidades, “pessoas que directa ou indirectamente viveram a guerra”.

A SÉRIE

A série inclui ainda uma terceira vertente, de reportagem, que permite, no entender do seu autor, dar “uma visão mais abrangente” do conflito e do seu contexto histórico e social. Furtado levou antigos militares portugueses a Angola e a Moçambique, promovendo, por vezes mais de quarenta anos depois, encontros entre os dois lados. Foi também feita uma tentativa de reconstituição dos momentos mais significativos, recorrendo a imagens de arquivo e também a gráficos, mapas e ilustrações, para os quais foram utilizadas técnicas informatizadas a três dimensões, num esforço para dar ao telespectador pormenores do “ponto de vista técnico-militar”. Foi ainda possível, graças à tecnologia moderna e a um intenso trabalho de pós-produção vídeo e áudio, recuperar a qualidade de muitas imagens de arquivo, assim como sonorizar filmes, utilizando documentos que estavam incompletos, “parte na RDP (o som) e outra na RTP (a imagem)”, explica o jornalista, que para o efeito visionou “milhares de filmes”, alguns dos quais foram revelados de novo já que o negativo ainda estava intacto.

'UMA VISÃO GLOBAL'

Joaquim Furtado optou por contar a história de forma cronológica em vez de dedicar um certo número de episódios a cada um dos países implicados, já que pretende dar da guerra “uma visão global”. Daí que tenha optado por relatar os eventos ocorridos nos diversos cenários em simultâneo e “mostrar, para além das armas, o universo em que se vivia” tanto em Portugal como em Angola, Moçambique e Guiné, “as vidas” que foram alteradas, e, paralelamente, contextualizar o conflito no plano internacional, mostrando os acontecimentos mais relevantes em Portugal e no resto do Mundo. “Os filmes de arquivo não contêm esta vertente”, afirma. E acredita que “esta história está ainda por contar” já que mesmo as pessoas que estiveram na guerra apenas conheceram o local onde estiveram e “não fazem ideia da realidade que era vivida” noutros pontos do conflito. Por outro lado, em Portugal a maioria da população não tinha acesso à informação.

“A guerra era muito pouco noticiada, a não ser pelas estações oficiais e oficiosas, e as imagens que passavam eram muito bem trabalhadas” pela censura, a fim de deixarem passar apenas a mensagem pretendida pelo regime. Daí que Furtado esteja convencido de que, para a maior parte do público, as imagens que vão ser vistas na série o serão pela primeira vez. Por um lado, foram recuperadas para o programa filmagens em bruto que nunca tinham sido utilizadas nas reportagens e filmes exibidos na época e, por outro, imagens que, não sendo inéditas, “são agora colocadas no seu devido lugar”. O jornalista afirma ter sido possível, com a ajuda das dezenas de testemunhos recolhidos, situar determinadas sequências e perceber que imagens que eram atribuídas a certos acontecimentos pertenciam afinal a outros, ou seja, em vários casos percebeu-se que “aquele filme era outro filme”.

‘A Guerra’ irá, pois, permitir desconstruir alguns mitos que permanecem intactos apesar de terem passado mais de quarenta anos sobre o início do conflito. Joaquim Furtado garante mesmo que a série que agora estreia contém “revelações”.

MOMENTOS MAIS MARCANTES

Num dos momentos mais marcantes, o jornalista tentou levar quatro militares e um padre portugueses a encontrar-se com dois militares angolanos no preciso local onde ambas as partes viveram, em 1961, a “primeira grande operação” em Angola. Trata-se da tomada de Nambuangongo, local onde se pensava estar o quartel-general dos guerrilheiros angolanos da UPA. A denominada ‘Operação Viriato’ foi então levada a cabo “simultaneamente através de três colunas”. Curiosamente, relata Furtado, “a RTP tinha feito a reportagem com uma das colunas, que se acreditava seria a primeira a chegar”. Mas acabou por ser a coluna liderada pelo coronel Massanita a chegar à frente.

O encontro promovido, cerca de quarenta e cinco anos depois, pelo jornalista colocou frente a frente quatro elementos do batalhão comandado pelo “lendário Massanita” com dois dos guerrilheiros angolanos que se encontravam no caminho dos militares portugueses. O encontro teve, contudo, e contrariamente ao previsto, de se realizar a alguns quilómetros de Nambuangongo, já que uma viagem atribulada impediu a equipa de reportagem de alcançar o local. Desde uma enorme tempestade a um veículo atolado em lama, vários foram os obstáculos encontrados na missão. Foi possível, no entanto, ao fim de quase meio século, desmontar mitos que permaneciam nas mentes dos dois lados. “Os portugueses, na época, acreditavam que era preciso cortar a cabeça aos terroristas, ‘entidades’ que caso contrário poderiam renascer”.

Para os protagonistas da ‘Guerra’ foi uma ocasião para celebrar a paz. O jornalista apercebeu-se de que “os africanos em geral reagem muito bem” a estes momentos de catarse, “sem ressentimentos”. Assim como os portugueses, que, afinal de contas, aceitaram viajar com o propósito de se encontrarem com o anterior “inimigo”. Foi precisamente um dos antigos guerrilheiros da UPA que protagonizou um dos episódios que mais tocaram o autor da série documental: “um homem, já muito doente, que disse ‘não vou durar muito mas gostava que nos voltássemos a dar com os Portugueses’.”

O AUTOR: 'NÃO FUI À GUERRA'

PROJECTO COMEÇOU NOS ANOS 80

Joaquim Furtado começou a pensar neste projecto nos anos 80. E quis ser o responsável pela parte da guerra em ‘Crónica do Século’. Mas o programa só foi concretizado quando Furtado estava na direcção da RTP, o que o impediu de participar mais activamente. Voltou ao projecto em 1999 mas interrupções várias para outros trabalhos adiaram a estreia de ‘A Guerra’. Joaquim Furtado, 59 anos, cumpriu o serviço militar em 1969. Curiosamente, o jornalista que agora conta aos portugueses a história da guerra colonial não participou no conflito. Conseguiu que, por motivos de saúde, o passassem “aos serviços auxiliares”, escapando da ida para a Guiné. Na época já trabalhava no Rádio Clube Português, onde fazia o programa ‘Tempo Zip’, herdeiro do lendário ‘Zip-Zip’ da RTP. O programa transitou para a Rádio Renascença e acabou suspenso pela censura. Foi novamente aos microfones do Radio Clube que Furtado protagonizou o momento histórico que pôs fim ao regime ao ler o famoso ‘Comunicado das Forças Armadas’. “Cerca de dez minutos depois da ocupação da estação”, o jornalista percebeu o que estava em jogo. Foi ele quem anunciou aos Portugueses o fim da guerra.

GARANTE O DIRECTOR DE PROGRAMAS: 'É UM DOS DOCUMENTÁRIOS MAIS PODEROSOS'

TEM GRANDE SENTIDO DE MOBILIZAÇÃO

‘A Guerra’, afirma ao CM o director de Programas da RTP, “é um dos documentários mais poderosos que foram produzidos em 50 anos de televisão”. O montante de cada episódio “está em linha com o valor dos nossos documentários” mais caros, garante Nuno Santos. Para o responsável da estação pública, o formato idealizado por Joaquim Furtado “é o resultado de uma investigação muito apurada mas que, simultaneamente, tem todos os ingredientes televisivos. Está bem contada, bem encadeada e, por isso, tem grande sentido de mobilização”.

DEPOIMENTOS: 200 ENTREVISTAS

Das 400 pessoas com quem falou, em Portugal e África, Furtado entrevistou metade.

GRAVAÇÕES: 500 HORAS

O autor passou cerca de cinco meses a visionar imagens de arquivo.

IMAGENS INÉDITAS

O realizador optou por usar o mesmo fundo em todas as entrevistas de modo a obter uma “imagem uniforme”. O fundo é escuro e nele são inseridas imagens de arquivo ou oráculos.
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in Correio da Manhã 2007.10.12
foto Sérgio Lemos - joaquim furtado (RTP estreia série documental sobre conflito colonial. Depoimentos inéditos e reportagens em África revelam faceta pouco conhecida da nossa História )
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» Comentários no CM on line
Quarta-feira, 17 Outubro
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- Luis Santos Pela 1ªvez, se assiste a um documentário, exacto,como as coisas se passaram, nas nossas ex-colónias. Fui combatente, 1º Cabo Enfermeiro, em Moçambique no AB7 (TETE) uma das bases mais operacionais a Norte de Moçambique.,tivemos 10 baixas, aviões que cairam, um deles atingido, em combate, que era pilotado pelo Furriel Mesquita. Uma Mina Anti-Carro a 16 Km, perto do Radio farol. É a guerra.
Terça-feira, 16 Outubro- joão almeida Estive na guiné 67/69, S.Domingos, maus momentos mas muita camaradagem. Todos sofremos muito; privações, fome, doenças e muito stres, sentimento de abandono pelo governo da altura. Acho que chegou o momento de mostrar a quem não esteve no teatro das operações aquilo porque a juventude portuguesa dos anos 60 passou, muitos aqui na metropole nunca acrediraram que o povo portugues estava mesmo em guerra.
- Armando Ferreira E imperativo que o documentario de J.Furtado (a guerra) venha finalmente desmitificar aos Portugueses,o que foi a guerra colonial. A maioria de nos, ainda nao compreendemos as consequencias catastroficas que este conflito causou em termos economicos e humanos a Portugal e as ex colonias. Os veteranos da guerra colonial nao teem sido tratados com o devido respeito, uma geraçao profundamente afectada.
Segunda-feira, 15 Outubro- Tuga Não sei se aconteceram massacres ou não, penso que ambas as partes cometeram erros, mas não compreendo como algumas pessoas pseudo-iluminadas vem para aqui mandar postas de pescada acerca de um assunto em que muito provavelmente desconhecem e nada sabem.
- ex. combatente na Guiné Muito se fala de guerra colonial, mas eu ainda hoje quase quarenta anos passados me pergunto muitas vezes o porquê de dois anos perdidos da minha vida que me O B R I G A R A M a perder.
- asdrubal Para se perceber a «Guerra do Ultramar» (eu designo-a assim) é preciso perceber uma coisa muito simples : - Quem são, hoje, os novos colonizadores dos territórios em questão. É só isso, não é preciso absolutamente mais nada.
Domingo, 14 Outubro- António Luís Lamento os anos perdidos nessa guerra estupida comandada por profissionais, mas feita por nós milicianos. (Porto)
Sabado, 13 Outubro- DIASANTOS Estive em Angola,em estado de guerra,praticam-se boas e más acções seja em que guerra fôr,muitos de nós ainda têm dificuldade em dormir e perceber o porquê.Será que somos o mal das frustações que existem no país?Chega..não preciso de filmes,mas de tranquilidade.Não reavivem memórias(à custa de protagonísmo).Chega,Chega...serei sempre PORTUGUÊS.
- Maria Uma guerra, seja qual for, traz sempre sofrimento e horrores a todas as pessoas envolvidas. O meu Pai foi um dos homens que perdeu lá 2 anos da sua vida e que ainda hoje fala da Guiné com muita emoção. Lá, como noutros contextos, há pessoas más e pessoas boas, não podemos generalizar, mas temos que lembrar que quem foi não teve escolha. E não tem que pagar por aquilo que apenas alguns fizeram.
- Miranda Agradecia que não omitissem a presença dos caboverdianos na guerra da Guiné. 95% dos comandantes e intelectuais do PAIGC eram caboverdianos!!! Sem nós o PAIGC não teria derrotado o exercito português!
- celia c. A Guerra como nunca foi contada. Muito bem. Finalmente podemos ver a verdade sobre as miudas e mulheres violadas por soldados portugueses durante a guerra e seus filhos mestiços abandonados... Negros barbaramente chacinados e aldeias pilhadas. Ainda bem que alguém resolveu fazer um trabalho sério e mostrar também o lado menos conhecido e mediático. Daqui a 30 anos farão o mesmo sobre o Kosovo.
Sexta-feira, 12 Outubro- Victorino - Suecia So espero que as pessoas entrevistadas, tenham vivido o dia a dia da guerra, e tudo o que isso envolvia, e nao se fique so com entrevistas aos senhores comandantes que nao abandonavam os quarteis, e muitos ate tinham as esposas consigo, e so estavam a espera que a comissao chega-se ao fim para se oferecerem para outra...
- Ex Combatente É preciso não ficar por documentários mas tb fazer justiça a quem tudo deu pela pátria e foi tantas vezes esquecido pelos dirigentes. Fazer justiça e esclarecer e não apenas embasbacar tolos....

2 comentários:

De Amor e de Terra disse...

Estou esperando com muita curiosidade e interesse!



Maria Mamede

SOBE E DESCE disse...

Vi o primeiro episódio, que considero duma grande realidade, até porque sei de algumas coisas que se passaram no norte contadas por quem as viveu.
Pergunto se este documentário vem ajudar a uma paz que todos nós sabemos que é uma paz podre, onde debaixo das cinzas ainda há brazas.
Foi uma guerra que nos marcou para sempre.
Eu duvido um pouco que seja bom avivar as memórias.
Não sei, não!...
Bj
Veremos.