sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Caminho das Estrelas: Caetano Veloso - Já não me acho bonitinho como quando era jovem


* José Manuel Simões
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A minha tendência monogâmica é muito sincera. Sou de uma geração em que a ambiguidade sexual era vivida pelos artistas', afirma o cantor
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Caetano Veloso assume a sua ambiguidade sexual, considera-se parte de uma geração em que os ídolos são andróginos, já não se acha bonito. Aos 65 anos perdeu o narcisismo próprio de quem se sente uma beldade na flor da idade, expressa-se com rara lucidez e sabedoria. Neste mês actua em Portugal.
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- Correio Êxito – Quando tinha 23 anos aplicaram-lhe o Teste Rorschach (consiste em dar interpretações a dez pranchas com manchas de tinta simétricas; a partir das respostas pode obter- -se um quadro psicológico) e o resultado foi “homossexualismo latente; identificação feminina e identificação da figura da mulher”. Como vê estes resultados?

- Reconheci-me um pouco neles mas ao mesmo tempo a minha vida prática não corroborava nem confirmava esse diagnóstico.

- A sua vida é heterossexual e monogâmica?

- Disse isso há muitos anos à revista ‘Playboy’ quando estava a narrar a minha vida real. Era casado e a minha tendência monogâmica é muito sincera. Vivi 18 anos com a minha primeira mulher e já me separei dela em contacto com a segunda, com quem também vivi 18 anos. Acabei de me separar faz pouco tempo.

- Aproxima-se, enquanto figura pública, daquilo a que Andrew Sullivan chamou de “uma tendência ubíqua e vagamente homoerótica”?

- Justamente. Sou de uma geração em que a ambiguidade sexual, a ideia de pan-sexualidade e a presença do conteúdo homoerótico era vivida por inúmeros artistas. Veja-se o próprio Bob Dylan, que na época não parecia nada andrógino nem atraente desse ponto de vista e que, olhado hoje, era superandrógino, fazia charme de andrógino, era bonitinho, parecia uma menina.

- Gostou de, recentemente, ter posado para a revista ‘Rolling Stone’ de cílios postiços e olhar contestador?

- Não gosto mais de ver fotografias minhas de hoje em dia.

- Porque não?

- Porque gosto de me ver quando era jovem.

- Já não se acha bonito?

- É isso. Até que me achava bonitinho mas hoje já não. Posei de cílios postiços, bem grandes, num olho só, mas isso foi uma ideia do pessoal da revista.

- Quer dizer que deixou de ter aquele narcisismo próprio de quem se sente uma beldade na flor da idade?

- Há uns anos isso era um pouco mais verdade do que é hoje. Naquela época achava graça. Agora todo o mundo acha melhor que as pessoas não sejam narcisistas.

- É verdade que o Caetano se declarou assexuado?

- Não. Nunca. Deus me livre disso e dessa palavra. Jamais.

- Quando começou a namorar com a sua primeira esposa, Paula Lavigne, ela tinha 13 anos. Por causa disso, alguma vez associaram o seu nome a pedofilia?

- Muitos anos depois, quando eu já tinha dois filhos com a Paulinha, um jornalista de S. Paulo, inteligente e responsável, tendo lido uma entrevista que ela deu e em que lhe perguntavam como tinha perdido a virgindade e ela respondeu que tinha sido comigo no dia do meu 40.º aniversário, as pessoas fizeram as contas e constataram que naquela época ela tinha 13 anos. Como no Brasil só depois dos 14 é que uma pessoa pode ter relações sexuais sem ser considerado estupro presumido, antes dessa idade, mesmo que tenha sido ela a querer e tenha gostado, não tem jeito. Então esse sujeito propôs que eu devia ser punido.

- Como é que isso ficou resolvido?

- Perguntei a um advogado, que aliás é o pai da Paulinha, que disse que isso já tinha prescrito. Como nós éramos casados e tínhamos dois filhos, não havia maneira de me punirem.

- Você é uma pessoa muito doce. Vê-se como tal?

- Mais ou menos. Pode ser. A gente gosta da gente mesmo como a gente é. Dada a minha formação psicológica e o meu modo de viver e de ser, não acho isso ruim.

- Parece que você deixou de ser vaidoso.

- Pois é. Não sou mais vaidoso. Já não passo tempo a escolher roupa e acho graça quando dizem que está errado o que estou vestindo.

- É verdade que disse que “ninguém aguenta mais ouvir Caetano Veloso falando de tudo”?


- Não fui eu que disse isso. Eu conto é que um jornalista a quem dei uma entrevista que foi divulgada num blog disse isso de mim.

- Mas, de facto, no Brasil criou-se o estigma de ouvi-lo sobre todos os assuntos. Inclusive, alguém chamou a isso “caetanomania”. Como é que interpreta?

- Quem lhe chamou “caetanomania”?


- Um jornalista de S. Paulo.

- Tinha que ser de S. Paulo...

- Ai tinha?!...

- Isso é a cara de alguém de S. Paulo. Não é só uma mania em relação a mim mas mais geral. Há uma tendência para inquirir as pessoas conhecidas, sobretudo as do cinema e as da música popular, sobre assuntos gerais da vida como política, sexo ou religião. Mas não me parece que seja uma “caetanomania” nem algo de exclusivo do Brasil.

- Alguém escreveu que “Caetano é um incansável inventor de arte que a nossa imaginação jamais poderia perceber”. Busca o intangível e o inatingível?

- De jeito nenhum.

- Já leu que “Caetano Veloso é meu caminho, meu vinho, meu vício”.

- Adorei. Gosto muito dessa expressão. Acontece que ouvi-la fora de contexto pode soar ridículo e ficar vulnerável. Apesar de serem palavras elogiosas, deixam-me constrangido e embaraçado.

- Ainda se identifica com a frase “Esperança, morreste muito cedo; saudade, cedo chegaste”?

- Não propriamente, porque é grande a melancolia que ela encerra e eu tinha medo de ser tomado por essa melancolia. Num momento muito doloroso da minha vida, em que fui preso, essa canção impressionava-me muito.

- Que recordações ficaram desses tempos em que foi preso pela Polícia Federal brasileira?

- São memórias desagradáveis mas não penso muito nelas.

- Já lhe chamaram “Caretano”, mistura de Caetano com careta. Identifica-se?

- Eu gostei muito quando o Rogério Duarte me chamou isso. Porque ele se referia ao facto de eu não usar drogas e eu gosto muito de não usar drogas.

- Mas tomou o chá de ayahuasca. Como foi a experiência?

- Durante algumas horas foi deslumbrante mas no final, perto da volta, quando a alucinação começou a desagregar-se, fiquei mal, no maior estado de sofrimento que alguém pode imaginar.

- Alguma vez se sentiu como que afogado no seu próprio talento?

- Exerço uma actividade para a qual não tenho muito talento. A música foi uma solução sábia que o acaso me ofereceu e que terminei elegendo meio a contragosto por causa, justamente, da inadequação do talento. No fim de contas, acho que há uma certa sabedoria nisso. Quando você tem esta posição em relação à arte que exerce possui mais oportunidades de assumir atitudes críticas, produtivas, que tenham valor histórico. Há vantagens em não ser demasiado talentoso.

- Já escreveu que Gilberto Gil tem uma capacidade musical imensamente maior que a sua. Isso é verdade?

- É. E sem a menor sombra de dúvidas. Não só ele como muitos outros.

- Não o fazia humilde.

- Não sou humilde nem sou modesto. Isto é uma constatação objectiva e não arrogância da minha capacidade crítica.

- Esta sua digressão começou em Agosto no Peru, passa em Lisboa (12 e 13), Porto (15 e 16), Coimbra (dia 17) e só terminará em finais de Novembro nos Estados Unidos. Não é cansativo para um senhor de 65 anos dar 50 concertos quase seguidos em 19 países distintos?

- Dá um certo cansaço físico e, consequentemente, mental mas, em geral, dá para aguentar. Até aqui estou muito bem.

'GILBERTO GIL DEVERIA TER SIDO NEUTRO'

- No Brasil escreveram que afirmou que “Gilberto Gil, enquanto ministro da Cultura, não está a desempenhar devidamente o seu papel”. É verdade?

- Não me lembro de ter dito isso. Fiz afirmações a propósito de algumas expectativas de controlo da questão cultural mas nunca houve uma divergência geral. Aliás, o próprio ministério e o presidente da República acabaram acatando a posição que eu defendia. Acho é tonto de mais que o ministro da Cultura faça uma excursão a estimular a reprodução do que está sendo feito por ele.

- Refere-se à questão dos direitos de autor!?

- É. E isso está a deixar muita gente revoltada no Brasil.

- Revoltada?

- É que, por um lado, a reprodutibilidade digital e a difusão via internet deram margem a uma grande pirataria e, por outro, deram a possibilidade de se poder fazer downloads em canções sem pagar a ninguém. O Gil, como ministro, defende uma nova maneira de se pensar os direitos da propriedade intelectual, o que é muito útil, justo e interessante. Acho um orgulho que o Ministério da Cultura brasileiro seja tão moderno a ponto de tomar para si a discussão dessa questão. E, já que tomou para si, eu pessoalmente acho que o Gil, sendo artista e também ministro, não deveria fazer proselitismo para nenhum dos lados. Assim, a esse respeito, criou forças contraditórias dentro da própria comunidade dos criadores, artistas e intelectuais.

- Como é que acha que Gilberto Gil deveria ter agido?

- Porque é ministro, deveria ter sido neutro e mais cuidadoso.

'MINHA MÃE É UMA POP STAR'

- Sua mãe, dona Canô, é uma espécie de pop star na cidade baiana de Santo Amaro da Purificação, onde você nasceu?

- Por causa de eu e Bethânia sermos famosos nacionalmente e ela ser uma pessoa muito especial, virou uma espécie de pop star nacional.

- Ela tem 100 anos e continua poderosa, feliz, cheia de saúde, cantando. Tem o desejo de viver tanto quanto ela?

- Assim, sim. É que, além de tudo isso, ela é muito lúcida.

PERFIL

Caetano Emanuel Vianna Telles Veloso, quinto filho de Claudionor Vianna (dona Canô) e José Telles Veloso (‘seu Zezinho’), irmão de Maria Bethânia, nasceu a 7 de Agosto de 1942 na cidade baiana de Santo Amaro da Purificação. Com Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia e Tom Zé, fundou o movimento tropicalista, tendo em 1965 – quando se mudou para o Rio de Janeiro – sido perseguido pela ditadura militar e proibido de expressar-se.

Exilado em Londres em 1969, onde foi vizinho de Gil no bairro de Chelsea, regressou ao Brasil em 1972, onde fundou com os amigos tropicalistas o grupo Doces Bárbaros. Nas últimas décadas tornou-se um dos mais populares e influentes compositores e cantores brasileiros, figura fundamental na história da Música Popular Brasileira com mais de mil canções gravadas e quase 50 álbuns registados.
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in Correio da Manhã 2007.10.06

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Aprendi "um bocado" sobre Caetano Veloso;e gostei!
Obrigada.



Maria Mamede