Pérolas aos poucos / XXIV / CANTOS NAHUATL
Os cantos foram compilados por frades espanhóis e perfazem uma instigante amostra da cultura do império azteca pré-colombiano. Os textos abaixo foram recolhidos de 18 cantos nahuatl, antologia da Editora da UFSC. O tradutor Marcos Caroli Rezende baseou-se em códices do século XVI depositados na Biblioteca da Universidade do Texas e na Biblioteca Nacional do México. A ilustração é de Antonio Roseno de Lima.
POEMA 3
Ressoam os guizos
No meio da planície:
Aí jaz abandonado
Tlacahuepantzin.
Com flores amarelas
Derrama seu perfume
No Lugar do Mistério.
Tu te escondeste sozinho
em Chicomoztoc,
onde se levanta a acácia.
A águia gritava, o jaguar rugia.
E tu, ave de fogo, alçaste vôo
No meio da planície
No Lugar do Mistério.
POEMA 4
Com flores, com cantos
Nos vestimos e somos ricos.
Estas são as flores da primavera,
Com elas nos cobrimos sobre a terra.
Sabe-o meu coração:
Ouço este canto
Vejo uma flor.
Que nunca se murchem sobre a terra.
POEMA 7
Escutem, pois, amigos
Um discurso de sonho:
A cada primavera nos dá vida
A espiga dourada,
E nos sustenta
O milho avermelhado.
Colares preciosos nos adornam:
É porque sabemos
Que nos são fiéis os corações dos amigos.
POEMA 11
Eu, por minha parte, digo:
Como a efêmera flor desabrochamos sobre a terra:
Para secar-nos um dia, amigos.
- Que desapareça toda amargura,
Todo sinal de angústia!
Mas de que modo comer
E como haveremos de festejar?
Nossos cantos são engendrados
Lá onde nascem nossos tambores.
Sofro sobre a terra.
Lá onde eles vivem se há de tecer a amizade,
A sociedade dos poetas, em meio aos tambores.
Por acaso eu verei de novo a luz do sol
E poderei entoar novamente o meu canto?
Sozinho aqui, todos ausentes já,
Um dia eu também serei oferecido
À névoa e às sombras.
Escutemos o nosso coração:
É nossa casa esta terra?
Ou vivemos apenas em meio à miséria e à angústia?
Por isso, solitário, eu vou cantando e implorando:
Como flor me esparzirão em sementes de novo?
Como o grão de milho me enterrarão,
Ou brotarão meus pais, e eu deles,
Espiga de espigas sobre a terra?
Por isso eu choro. Não há ninguém aí,
Deixaram-nos órfãos sobre a terra.
POEMA 12
Elevamos nossos cantos, nossas flores:
São os cantos do deus.
Com eles nos abraçamos,
Gozamos da amizade
E juntos conhecemos a fraternidade.
Assim dizia Tochihuitzin,
Assim deixou dito Coyolchiuhqui:
Como quem apenas desperta de um sono,
Como se fôssemos apenas um sonho do deus:
Não é real, não é real a nossa vida sobre a terra.
A cada primavera nos fazemos como a erva:
Como ela brota fresco,
Se agita viçoso o nosso coração,
É uma flor a nossa carne:
Abre umas quantas corolas,
E então se seca.
POEMA 16
Com flores
Pintas as coisas,
Senhor da Vida.
Com cantos
colores tudo
O que há de caminhar sobre a terra.
Por isso é frágil
A irmandade das águias e jaguares:
Porque nós vivemos somente
Nas tuas pinturas
Aqui na terra.
Assim delineias
A irmandade, a confraria,
A união dos príncipes,
E cobres de cores
O que há de caminhar sobre a terra.
Por isso é frágil
A irmandade das águias e jaguares:
Porque nós vivemos somente
Nas tuas pinturas
Aqui na terra.
Que se escondam os príncipes
Com suas esteiras preciosas
Ou em cofres de jade -
Todos somos mortais,
Todos e cada um, miseráveis
Nos iremos,
Todos morreremos
Nesta terra.
Ninguém será preservado sobre a terra,
Ninguém, transformado em ouro ou esmeralda,
Será preservado.
Todos nos iremos
Da mesma forma para lá.
Ninguém há de ficar
E todos desapareceremos,
Da mesma forma nos iremos
Todos para a sua casa.
Como uma pintura
Desapareceremos,
Como uma flor
Nos secaremos
Sobre a terra.
Como as plumas do quetzal, do zacuan,
Como as plumas preciosas do xiuhquechol, do tlauhquechol,
Desapareceremos
E iremos para a sua casa.
Chegou até nós,
Aqui se acumula a saudade
Dos que vivem na nossa tristeza.
É inútil chorá-los,
As águias e jaguares:
Aqui desapareceremos
E ninguém ficará.
Meditai sobre isso, oh príncipes,
Águias e jaguares:
Ainda que seja esmeralda,
Ainda que seja ouro,
Também há de ir para lá,
Para o Lugar dos Descarnados.
Desapareceremos
E ninguém ficará.
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