sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Jonathan Cook - Sim, Trump é ordinário. Mas a extorsão global dos EUA é a mesma de sempre


US President Donald Trump and Ukraine's President Volodymyr Zelensky meet in the Oval Office of the White House in Washington, DC on 28 February, 2025 (AFP)

 

Sim, Trump é ordinário. Mas a extorsão global dos EUA é a mesma de sempre
por Jonathan Cook, MEE.

Se há uma coisa pela qual podemos agradecer ao Presidente dos EUA, Donald Trump, é esta: ele eliminou de forma decisiva a noção ridícula, há muito cultivada pelos media ocidentais, de que os EUA são um bom polícia global que impõe uma "ordem baseada em regras". Washington é melhor entendido como o chefe de um império de gangsters, com 800 bases militares em todo o mundo. Desde o fim da Guerra Fria, tem procurado agressivamente o "domínio global de espetro total", como define a doutrina do Pentágono educadamente.

Ou se presta fidelidade ao Don ou se é atirado ao rio. Na sexta-feira passada [28fev2025], o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi presenteado com um par de botas de betão de marca na Casa Branca. A novidade foi que tudo aconteceu em frente ao corpo de imprensa ocidental, na Sala Oval, e não numa sala das traseiras, fora das vistas. Foi ótimo para a televisão, disse Trump.

Os especialistas apressaram-se a tranquilizar-nos, dizendo que a cena de gritos foi uma espécie de número estranho de Trump. Como se a inospitalidade para com os líderes de Estado e o desrespeito para com os países que lideram fossem exclusivos desta administração. Veja-se apenas o exemplo do Iraque. A administração de Bill Clinton achou que "valia a pena" - como disse a sua secretária de Estado, Madeleine Albright, de forma infame - matar cerca de meio milhão de crianças iraquianas, impondo sanções draconianas durante a década de 1990. Sob o comando do sucessor de Clinton, George W Bush, os EUA desencadearam uma guerra ilegal em 2003, com base em argumentos totalmente falsos, que matou cerca de meio milhão de iraquianos, de acordo com as estimativas pós-guerra, e deixou quatro milhões de desalojados.

Aqueles que se preocupam com o facto de a Casa Branca humilhar publicamente Zelensky talvez devessem guardar a sua preocupação para as centenas de milhar de homens, na sua maioria ucranianos e russos, mortos ou feridos numa guerra totalmente desnecessária - uma guerra que, como veremos, Washington planeou cuidadosamente através da NATO nas duas décadas anteriores.

Capanga Zelensky

Todas essas baixas serviram o mesmo objetivo que no Iraque: lembrar ao mundo quem é que manda. Só que o público ocidental não compreende isto porque vive dentro de uma bolha de desinformação, criada para ele pelos media ocidentais.

Henry Kissinger, o antigo diretor da política externa dos EUA, afirmou: "Pode ser perigoso ser inimigo da América, mas ser amigo da América é fatal." Zelensky acabou de descobrir isso da maneira mais difícil. Os impérios de gangsters são tão inconstantes como os gangsters que conhecemos dos filmes de Hollywood. Durante a anterior administração de Joe Biden, Zelensky tinha sido recrutado como um capanga para fazer as vontades de Washington à porta de Moscovo. O pano de fundo - aquele que os media ocidentais mantiveram em grande parte fora de vista - é que, após o colapso da União Soviética, os EUA rasgaram tratados cruciais para tranquilizar a Rússia quanto às boas intenções da NATO. Do ponto de vista de Moscovo, e tendo em conta o historial de Washington, o guarda-chuva de segurança europeu da NATO deve ter parecido mais uma preparação para uma emboscada.

Embora Trump esteja agora empenhado em reescrever a história e apresentar-se como pacificador, ele foi fundamental para a escalada de tensões que levou à invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022. Em 2019, ele retirou-se unilateralmente do Tratado de 1987 sobre Forças Nucleares de Alcance Intermédio. Isso abriu a porta para que os EUA lançassem um potencial primeiro ataque contra a Rússia, usando mísseis estacionados nas proximidades dos membros da NATO, Roménia e Polónia. Também enviou armas anti-tanque Javelin para a Ucrânia, uma medida evitada pelo seu antecessor, Barack Obama, por recear que fosse vista como uma provocação.

A NATO prometeu repetidamente trazer a Ucrânia para o seu seio, apesar dos avisos da Rússia de que esse passo era visto como uma ameaça existencial, de que Moscovo não podia permitir que Washington colocasse mísseis na sua fronteira, tal como os EUA não aceitaram os mísseis soviéticos estacionados em Cuba no início da década de 1960. Washington avançou na mesma, chegando mesmo a apoiar um golpe ao estilo da revolução colorida em 2014 contra o governo eleito em Kiev, cujo crime foi ser demasiado simpático a Moscovo.

Com o país em crise, Zelensky foi eleito pelos ucranianos como candidato da paz, para pôr fim a uma guerra civil brutal - desencadeada por esse golpe - entre forças anti-russas e "nacionalistas" no oeste do país e populações de etnia russa no leste. O Presidente ucraniano quebrou rapidamente essa promessa.

Trump acusou Zelensky de ser um "ditador". Mas se o é, é apenas porque Washington assim o quis, ignorando a vontade da maioria dos ucranianos.

A mais vermelha das linhas vermelhas

A função de Zelensky era fazer um jogo da galinha com Moscovo. O pressuposto era que os EUA ganhariam qualquer que fosse o resultado. Ou o bluff do Presidente russo, Vladimir Putin, seria desfeito. A Ucrânia seria acolhida na NATO, tornando-se a mais avançada das bases avançadas da aliança contra a Rússia, permitindo que mísseis balísticos com armas nucleares ficassem estacionados a minutos de Moscovo. Ou então Putin iria finalmente concretizar as suas ameaças de anos de invasão do seu vizinho para impedir que a NATO ultrapassasse a mais vermelha das linhas vermelhas que ele tinha estabelecido sobre a Ucrânia.

Washington poderia então alegar "auto-defesa" em nome da Ucrânia, e ridiculamente simular receio perante o público ocidental de que Putin estaria a seguir a Polónia, a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha. Foram estes os pretextos para armar Kiev ao máximo, em vez de procurar um acordo de paz rápido. E assim começou uma guerra de atrito por procuração contra a Rússia, utilizando homens ucranianos como carne para canhão. O objetivo era desgastar a Rússia militar e economicamente, e provocar o derrube de Putin.

Zelensky fez exatamente o que lhe foi pedido. Quando, no início, pareceu vacilar e considerou assinar um acordo de paz com Moscovo, o primeiro-ministro britânico da altura, Boris Johnson, foi despachado com uma mensagem de Washington: continuem a lutar. Este é o mesmo Boris Johnson que agora admite, sem qualquer problema, que o Ocidente está a travar uma "guerra por procuração" contra a Rússia. Os seus comentários não geraram qualquer polémica. O que é muito estranho, uma vez que os críticos que chamaram a atenção para este facto óbvio há três anos foram imediatamente denunciados por espalharem "desinformação sobre Putin" e "pontos de discussão" do Kremlin.

Pela sua obediência, Zelensky foi festejado como um herói, o defensor da Europa contra o imperialismo russo. Todas as suas "exigências" - exigências que tiveram origem em Washington - foram satisfeitas. A Ucrânia recebeu pelo menos 250 mil milhões de dólares em armas, tanques, jatos de combate, treino para as suas tropas, informações ocidentais sobre a Rússia e outras formas de ajuda. Entretanto, centenas de milhares de homens ucranianos e russos pagaram com as suas vidas - tal como as famílias que deixaram para trás.

Etiqueta da máfia

Agora o velho Don em Washington foi-se embora. O novo Don decidiu que Zelensky foi um fracasso caro. A Rússia não está ferida de morte. Está mais forte do que nunca. É hora de uma nova estratégia. Zelensky, imaginando ainda ser o capanga favorito de Washington, chegou à Sala Oval apenas para receber uma dura lição de etiqueta mafiosa.

Trump está a interpretar a sua punhalada nas costas como um "acordo de paz". E, em certo sentido, é-o. Com razão, Trump concluiu que a Rússia ganhou - a menos que o Ocidente esteja pronto para travar a Terceira Guerra Mundial e arriscar uma potencial guerra nuclear. Trump enfrentou a realidade da situação, mesmo que Zelensky e a Europa ainda estejam a lutar para o fazer.

Mas o seu plano para a Ucrânia é, na verdade, apenas uma variação do seu outro plano de paz - o de Gaza. Ali, quer limpar etnicamente a população palestiniana e, sobre os corpos dos muitos milhares de crianças mortas no enclave, construir a "Riviera do Médio Oriente" - ou "Trump Gaza", como lhe chamam num vídeo surrealista que partilhou nas redes sociais. Da mesma forma, Trump vê agora a Ucrânia não como um campo de batalha militar, mas como um campo económico onde, através de acordos inteligentes, pode obter riquezas para si e para os seus amigos bilionários.

Ele apontou uma arma à cabeça de Zelensky e da Europa. Façam um acordo com a Rússia para acabar com a guerra, ou estão por vossa conta contra uma potência militar muito superior. Vejam se os europeus podem ajudar-vos sem um fornecimento de armas de Washington.

Não surpreende que Zelensky, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer e o presidente francês Emmanuel Macron se tenham reunido no fim de semana para encontrar um acordo que apaziguasse Trump. Tudo o que Starmer revelou até agora é que o plano vai "parar os combates". Isso é positivo. Mas os combates podiam ter sido travados, e deviam ter sido travados, há três anos.

Dinheiro, não paz

É profundamente insensato deixarmo-nos embalar pelo tribalismo - o mesmo tribalismo que as elites ocidentais procuram cultivar entre os seus públicos para que continuemos a tratar os assuntos internacionais como se fossem um jogo de futebol de alto risco. Ninguém aqui se comportou, ou está a comportar-se, de forma honrada.

O cessar-fogo na Ucrânia não é uma questão de paz. É uma questão de dinheiro, tal como foi a guerra anterior. Como todas as guerras são, em última análise. Um cessar-fogo aceitável para Trump, bem como para Putin, envolverá uma divisão dos bens da Ucrânia. Os minerais de terras raras, a terra e a produção agrícola serão a verdadeira moeda de troca do acordo. Zelensky compreende agora este facto. Ele sabe que ele e o povo da Ucrânia foram enganados. É o que tende a acontecer quando nos aconchegamos à máfia. Se alguém duvida da insinceridade de Washington em relação à Ucrânia, que olhe para a Palestina para ficar esclarecido.

No início da sua presidência, Trump tentou concretizar aquilo a que chamou o "acordo de paz do século", cuja peça central era a anexação de grande parte da Cisjordânia ocupada. A esperança era que os Estados do Golfo acabassem por financiar um programa de incentivo - a cenoura para o pau de Israel - para encorajar os palestinianos a fazer uma nova vida numa gigantesca zona industrial construída para o efeito no Sinai, junto a Gaza. Esse plano ainda está a fervilhar nos bastidores. No fim de semana, Israel recebeu luz verde de Washington para reavivar a sua fome genocida da população de Gaza, depois de Israel se ter recusado a negociar a segunda fase do acordo de cessar-fogo original. A administração Trump e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, estão agora a fazer passar a sua própria má fé por "rejeição" do Hamas.

Eles e a câmara de eco que são os media ocidentais estão a culpar o grupo palestiniano por se recusar a ser enganado numa "extensão" do que nunca passou de um falso cessar-fogo - o fogo de Israel nunca cessou. Israel quer todos os reféns de volta, sem ter de sair de Gaza, para que o Hamas não tenha qualquer influência para impedir Israel de reativar o genocídio total.

O povo de Gaza continua a ser alimentado no moinho de carne da máfia de Washington, tal como o povo ucraniano tem sido. Trump quer tirá-los do caminho para poder desenvolver um parque de diversões mediterrânico para os ricos, pago com o dinheiro do petróleo do Golfo e com as reservas de gás natural, até agora inexploradas, ao largo da costa de Gaza. Ao contrário dos seus antecessores, Trump não finge que a Ucrânia e Gaza são mais do que bens imobiliários geoestratégicos para Washington.

O grande abalo

A extorsão de Zelensky não surgiu do nada. Trump e os seus funcionários tinham-na assinalado com bastante antecedência. Há duas semanas, o correspondente industrial do jornal britânico Daily Telegraph escreveu um artigo intitulado "Eis porque Trump quer fazer da Ucrânia uma colónia económica dos EUA". A equipa de Trump acredita que a Ucrânia pode ter minerais de terras raras debaixo do solo no valor de cerca de 15 biliões de dólares - um tesouro que será fundamental para o desenvolvimento da próxima geração de tecnologia. Na sua opinião, o controlo da exploração e extração desses minerais será tão importante como o controlo das reservas de petróleo do Médio Oriente foi há mais de um século.

E o mais importante de tudo é que os EUA querem que a China, o seu principal rival económico - se não mesmo militar - seja excluída da pilhagem. A China detém atualmente o monopólio efetivo de muitos destes minerais críticos. Ou, como diz o Telegraph, os "minerais da Ucrânia oferecem uma promessa tentadora: a possibilidade de os EUA quebrarem a sua dependência dos fornecimentos chineses de minerais críticos que são utilizados em tudo, desde turbinas eólicas a iPhones e caças furtivos". Um rascunho do plano visto pelo Telegraph, nas suas palavras, "equivaleria à colonização económica da Ucrânia pelos EUA, com perpetuidade legal". Washington quer ter preferência em todos os depósitos no país.

No seu confronto na Sala Oval, Trump reiterou este objetivo: "Por isso, vamos utilizá-los [os minerais de terras raras da Ucrânia], tirá-los e utilizá-los para todas as coisas que fazemos, incluindo a IA, as armas e as forças armadas. E isso vai realmente satisfazer as nossas necessidades". Tudo isto significa que Trump tem um grande incentivo para que a guerra termine o mais rapidamente possível e para que o avanço territorial da Rússia seja travado. Quanto mais território Moscovo conquistar, menos território restará para os EUA pilharem.

Auto-sabotagem

A batalha contra a China por causa dos minerais de terras raras também não é uma inovação de Trump - e acrescenta uma camada adicional de contexto para explicar por que razão Washington e a NATO têm estado tão empenhados, nas últimas duas décadas, em afastar a Ucrânia da Rússia.

No verão passado, uma comissão restrita do Congresso sobre a concorrência com a China anunciou a formação de um grupo de trabalho para contrariar o "domínio de minerais críticos" de Pequim.

O presidente da comissão, John Moolenaar, observou que a atual dependência dos EUA em relação à China para estes minerais "tornar-se-ia rapidamente uma vulnerabilidade existencial no caso de um conflito". Outro membro da comissão, Rob Wittman, observou: "O domínio das cadeias de abastecimento mundiais de minerais críticos e de elementos de terras raras é a próxima fase da competição entre grandes potências".

O que Trump parece apreciar é o facto de a guerra por procuração da NATO contra a Rússia na Ucrânia ter, por defeito, levado Moscovo a aproximar-se ainda mais de Pequim. Tem sido uma auto-sabotagem em grande escala. Juntos, a China e a Rússia são um adversário formidável, que está no centro do crescente grupo Brics - composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Têm procurado expandir a sua aliança, acrescentando potências emergentes, para se tornarem um contrapeso à agenda global intimidatória de Washington e da NATO.

Mas um acordo com Putin sobre a Ucrânia daria a Washington a oportunidade de construir uma nova arquitetura de segurança na Europa - mais útil para os EUA - que colocasse a Rússia dentro da tenda e não fora dela. Isso deixaria a China isolada - um objetivo de longa data do Pentágono. E também deixaria a Europa menos central para a projeção do poder dos EUA, razão pela qual os líderes europeus - liderados por Keir Starmer - têm parecido e soado tão nervosos nas últimas semanas.

O perigo é que a "pacificação" de Trump na Ucrânia se torne simplesmente um prelúdio para o desenvolvimento de uma guerra contra a China, usando Taiwan como pretexto, da mesma forma que a Ucrânia foi usada contra a Rússia. Como Moolenaar sugeriu, o controlo dos EUA sobre minerais críticos - na Ucrânia e noutros locais - garantiria que os EUA deixariam de ser vulneráveis, no caso de uma guerra com a China, a perder o acesso aos minerais de que necessitariam para continuar a guerra. Isso libertaria a mão de Washington.

Trump pode estar a comportar-se de uma forma ordinária. Mas o império de gangsters que ele agora dirige está a liderar a mesma extorso global de sempre.

Posted by OLima at quarta-feira, março 05, 2025 

https://onda7.blogspot.com/2025/03/leituras-marginais_01749339301.htm
https://www.middleeasteye.net/opinion/trump-vulgar-us-global-shakedown-same-one-everl

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Carlos Coutinho - [Crónica natalícia]

* Carlos Coutinho

Sendo hoje o dia mais pequenino do ano, não sei como entender a tão grande distância que vai de Deus ao Diabo, já que que são biblicamente coevos e, por isso, ambos anteriores à criação do Universo que um deles tem a fama de haver criado, farto de estar sem fazer nada desde a sempiternidade que, de resto, nunca começou, por, em caso contrário, em vez se sempiternidade seria uma enjoativa eternidade. 

   A não ser que Deus também tenha criado o Diabo e, então, há mais que óbvia explicação para a malignidade da obra feita, incluindo a criação do Diabo que tem as costas largas e pode arcar com todas a culpas da tristeza, da imoralidade, da loucura sem remédio, da crueldade sem limites, da necessidade de haver guerras indispensáveis ao progresso da Humanidade, da própria aceitação da existência de Deus. Uno, trino ou múltiplo.

   Como acatar, então, a legitimidade do Solstício do Inverno que denuncia a ilegitimidade do Solstício de Verão, visto não ter Natal algum para celebrar, nem Consoada alarve para as bebedeiras toleradas por Deus e infundidas pelo Diabo, nem passagens de ano que tantas vezes são passagens para o desastre?

   Claro que tudo isto carece de explicação fácil, como a passagem a santos cristãos daqueles dois judeus de Nazaré, S. Joaquim e Santa Ana, progenitores de José, este um carpinteiro.  Maria, a sua legítima esposa, claro que tinha de passar a ser virgem  mesmo depois de ter dado à luz um bebé de futuro divino, sem que se houvesse rasgado o hímen – a tal película húmida, expectante e cavernosa, regada por artérias infracapilares e enxaguada por fios venosos redentores – constituindo o famoso portão sem fechadura anteuterino que que o aríete de José, um descendente providencial do rei David, nunca sequer tentou arrombar.

   A minha sorte é que eu adoro uma capitosa bacalhauzada, um baqueano trago de touriga nacionaL esguichado de algum tonel duriense, uma boa rabanada e uma tépida noite à lareira. E não tenho o mínimo apreço por certos tipos de virgindade.

2025 12 22
https://www.facebook.com/carlos.coutinho 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Marta Pinho Alves - No cinema e na rua, a luta continua

 


*   Marta Pinho Alves

A ficção também pode ser en­ga­jada com causas

No momento em que a Netflix comprou a Warner Bros. Discovery, incluindo os seus estúdios de cinema e televisão, HBO Max e HBO, e deixou os clientes a tremer, a pensar que vão perder acesso às suas doses diárias de entretenimento e alienação, e a empresa de stre­a­ming esfrega as mãos a decidir como rentabilizar o negócio, ao mesmo tempo que apazigua o temor daqueles, importa lembrar que as imagens em movimento não servem apenas como mercadoria, mas também podem constituir mecanismos de esclarecimento e mobilização.

A pro­pó­sito da greve geral que se avi­zinha e da luta contra a perda dos di­reitos con­quis­tados pelos tra­ba­lha­dores, alude-se a al­guns filmes que de formas dis­tintas con­si­de­raram estas pre­o­cu­pa­ções. Ha­verá cer­ta­mente filmes mais ób­vios, ou­tros que fazem re­fe­rência di­recta a greves, al­guns mais im­por­tantes para a his­tória do ci­nema ou ainda uns que, pelo seu re­gisto do­cu­mental, terão uma forma tes­te­mu­nhal mais forte e mais le­gi­ti­ma­dora dos di­reitos e as­pi­ra­ções dos tra­ba­lha­dores. Pre­tendeu-se, con­tudo, aqui, como pri­meiro cri­tério, es­co­lher filmes de ficção, pois, como se disse, pre­tendia-se mos­trar que a ficção também pode ser en­ga­jada com causas, e, como opção mais pes­soal, filmes que ti­vessem as­su­mido par­ti­cular re­le­vância no mo­mento em que foram vistos pela au­tora. A ordem pela qual se as­si­nalam é a da data da sua pro­dução. Como se per­ce­berá são todos re­la­ti­va­mente re­centes, o que evi­dencia que con­ti­nuam a ma­ni­festar-se pre­o­cu­pa­ções dos nossos dias.

Co­meça-se com a re­fe­rência a Re­cursos Hu­manos, de 1999, (Res­sources Hu­maines, real: Lau­rent Cantet, co­pro­dução de Reino Unido e França). Neste, um jovem recém-li­cen­ciado é con­tra­tado para par­ti­cipar na re­es­tru­tu­ração da fá­brica onde tra­balha o seu pai, ope­rário há mais de trinta anos. O rapaz, ide­a­lista, con­vence-se de que po­derá ajudar a me­lhorar as con­di­ções la­bo­rais dos tra­ba­lha­dores, até que per­cebe que re­es­tru­turar sig­ni­fica des­pedir pes­soas, entre as quais o pro­ge­nitor.

Em Às Se­gundas ao Sol, de 2002, (Los Lunes al Sol, real: Fer­nando León de Aranoa, Es­panha), o ob­jec­tivo é pensar de que se ocupam os ho­mens que nunca co­nhe­ceram outra vida que não a do tra­balho e que agora estão de­sem­pre­gados e sem pers­pec­tivas de su­perar essa nova con­dição.

Em A Lei do Mer­cado, de 2015, (La Loi du Marché, real: Stéphane Brizé, França), um homem fica feliz após ar­ranjar um em­prego não qua­li­fi­cado, de­pois de vá­rios anos de­sem­pre­gado. O or­de­nado é parco e a ta­refa pouco sa­tis­fa­tória, mas per­mite cum­prir o que sente como as suas obri­ga­ções fa­mi­li­ares. Per­cebe, con­tudo, que há prin­cí­pios éticos e mo­rais dos quais terá de ab­dicar para per­ma­necer em­pre­gado: en­quanto se­gu­rança do su­per­mer­cado onde tra­balha, é-lhe pe­dido que re­porte o com­por­ta­mento dos seus co­legas para que as che­fias possam de­cidir se os mesmos mantêm o em­prego ou são des­pe­didos.

Eu, Da­niel Blake, de 2016 (I, Da­niel Blake, real: Ken Loach, Reino Unido), é sobre um tra­ba­lhador que, pe­rante um grave pro­blema de saúde que o im­pede de tra­ba­lhar, pro­cura o apoio do ser­viço na­ci­onal de saúde, mas vê-se en­re­dado numa teia de ab­surda bu­ro­cracia que não con­segue de­sen­lear antes da sua morte.

Fi­nal­mente, A Fá­brica de Nada, filme por­tu­guês de 2017 (real: Pedro Pinho), é uma es­tória ba­seada em acon­te­ci­mentos reais, mas po­deria tido como ponto de par­tida vá­rios ou­tros si­mi­lares. Tem por base a or­ga­ni­zação de um con­junto de ope­rá­rios de uma fá­brica, que re­solvem unir-se, quando per­cebem que a em­presa em que tra­ba­lham está a ser pau­la­tina e se­cre­ta­mente des­man­te­lada e que a con­sequência da re­ti­rada das má­quinas que per­mitem a sua la­bo­ração le­vará, ine­vi­ta­vel­mente, à ex­tinção dos seus postos de tra­balho. Entre a ocu­pação da fá­brica, a re­sis­tência à pressão feita pela ad­mi­nis­tração, a greve mar­cada pela pre­sença no local de tra­balho, apesar da im­pos­si­bi­li­dade de re­a­li­zação das ta­refas con­tra­tadas, chega fi­nal­mente a vi­tória pelo fun­ci­o­na­mento em au­to­gestão. Pelo meio, todas as dis­cus­sões tão re­le­vantes e que in­qui­etam todos os tra­ba­lha­dores sobre a ne­ces­si­dade de acei­tação das in­dem­ni­za­ções ofe­re­cidas para dar res­posta às ne­ces­si­dades fa­mi­li­ares e a even­tual re­cusa em nome da dig­ni­dade e da re­sis­tência.

Creio que a luta destes tra­ba­lha­dores em que nos sen­timos re­pre­sen­tados traduz a ne­ces­si­dade de par­ti­ci­parmos no grande e le­gí­timo pro­testo que terá lugar no pró­ximo dia 11 de De­zembro.

2025 12 10

https://www.avante.pt/pt/2715/argumentos/181952/No-cinema-e-na-rua-a-luta-continua.htm

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

hélder moura - (562) Quando as mentiras passam a ser verdades

  •  hélder moura
  •  17.12.25


A repetição, muitas vezes sobrevalorizada por se acreditar na capacidade inferior das massas para a perceber e recordar, é, contudo, importante porque as convence da consistência ao longo do tempo, H. Arendt.

 

O termo “lavagem de cérebro”, apesar de carecer de qualquer fundamentação científica validada, entrou para o imaginário da nossa sociedade como um conjunto de técnicas científicas.

 

O nosso problema é que as pessoas são obedientes quando as prisões estão cheias de pequenos ladrões enquanto os grandes ladrões comandam o país, H. Zinn.

 

 

 

Não é por acaso que nos EUA (não só) a chamada e assumida Direita Cristã tem vindo a impor que o criacionismo, ou o “desígnio inteligente” faça parte dos programas escolares, a ser ensinado em pé de igualdade científica com o evolucionismo. Ela sabe que o descrédito das disciplinas racionais, pilares do Iluminismo, é fundamental para destruir a indagação intelectual honesta e desapaixonada. A partir daí, os factos passam a poder ser intermutáveis com as opiniões.

O conhecimento da realidade não necessita já de ter por base a colheita elaborada de factos e evidências. Só por si, a ideologia é a verdade. Os factos que se interponham no caminho da ideologia podem ser mudados. As mentiras passam a ser verdades.

 

Mais abrangente, Hannah Arendt, explica-nos nas Origens do Totalitarismo, o comportamento de aceitação das massas:

 

Aquilo que convence as massas não são os factos, nem mesmo os inventados, mas apenas a consistência do sistema de que eles presumidamente fazem parte. A repetição, muitas vezes sobrevalorizada por se acreditar na capacidade inferior das massas para a perceber e recordar, é, contudo, importante porque as convence da consistência ao longo do tempo.”

 

 

É a 24 de setembro de 1950 que o Miami News publica um artigo do jornalista americano Edward Hunter em que pela primeira vez aparece o termo “lavagem de cérebro” (brain washing), que apesar de carecer de qualquer fundamentação científica validada, vai entrar para o imaginário da nossa sociedade como o conjunto de técnicas psicológicas que manipulam ações ou pensamentos contra a vontade, o desejo ou o conhecimento de uma pessoa, reduzindo-lhe a capacidade de pensar criticamente ou de forma independente, permitindo a introdução de novos pensamentos e ideias indesejáveis ​​na sua mente.

Segundo Hunter, combinando a teoria Pavloviana com a tecnologia moderna, os psicólogos chineses e russos conseguiram desenvolver técnicas poderosas de manipulação do cérebro das pessoas. Hunter cunhou o termo após entrevistar ex-prisioneiros chineses que foram submetidos a um processo de "reeducação”, bem como às técnicas de interrogatório que o KGB utilizava durante as purgas para extrair confissões de prisioneiros inocentes e, a partir daí, conseguiram variações - controlo da mente, alteração da mente, modificação do comportamento e outras.

Um ano depois, Hunter publica a sua obra base, Brain-Washing in Red China: The calculated Destruction of Men’s Minds, (Internet Archive, pdf), como alerta para o que entendia ser um vasto sistema maoísta de "reeducação" ideológica. A nova terminologia encontrou o seu caminho de aceitação maioritária na nossa sociedade como provam o mais vendido romance O Candidato da Manchúria e os filmes com o mesmo nome de 1962 (de John Franenheimer, com Frank Sinatra) e de 2004 (de Jonathan Demme, com Denzel Washington e Meryl Streep).

Talvez seja importante notar que Hunter fez parte de várias organizações de propaganda da CIA, e durante uma sua deposição perante o Comité de Atividades Antiamericanas da Câmara dos Representantes dos EUA, afirmou que os EUA e a NATO perderam a Guerra Fria devido à vantagem dos comunistas na propaganda e na manipulação psicológica, e que o Ocidente perdera a Guerra da Coreia por não estar disposto a usar a sua vantagem em bombas atómicas. Não via qualquer diferença entre os vários países comunistas e advertiu que tanto a Jugoslávia como a China estavam tão empenhadas na dominação mundial comunista quanto a União Soviética.

 

Estava criado o ambiente social e político para que a partir do início da década de 1950, a Agência Central de Inteligência (CIA) e o Departamento de Defesa dos EUA realizassem pesquisas secretas, incluindo o Projeto MKUltra, para o desenvolvimento de procedimentos e identificação de drogas que pudessem ser usadas para alterarem o comportamento humano. Estas experiências incluíram "desde a terapia de eletrochoques, hipnose, privação sensorial, isolamento, abuso verbal e sexual  a altas doses de LSD e outras formas de tortura, tendo como base experiências em humanos anteriormente efetuadas pelos nazis.

À frente do projeto (que incluía mais de 30 instituições e universidades envolvidas no programa de experimentação de drogas em cidadãos "de todos os níveis sociais, altos e baixos, nativos americanos e estrangeiros" sem o seu conhecimento, e em ainda mais de mil militares voluntários e empregados da CIA, e outros fora dos EUA nos black sites), Sidney Gottlieb e a sua equipa conseguiram "destruir a mente existente" de um ser humano utilizando técnicas de tortura; no entanto, o conseguir a reprogramação, em termos de encontrar "uma forma de inserir uma nova mente neste vazio resultante", não foi alcançada.

Em 1979, John D. Marks escrevia no seu livro "The Search for the Manchurian Candidate" que, até ao encerramento efetivo do programa MKUltra em 1963, os investigadores da agência não tinham encontrado uma forma fiável de fazer uma lavagem cerebral a outra pessoa, uma vez que todas as experiências terminaram sempre em amnésia ou catatonia, tornando impossível qualquer utilização operacional.

 

Mas algo se aproveitou: um relatório bipartidário do Comité de Serviços Armados do Senado, divulgado parcialmente em dezembro de 2008 e na íntegra em abril de 2009, relatou que os instrutores militares dos EUA que estiveram em Guantánamo em dezembro de 2002, basearam um curso de interrogatório num gráfico copiado de um estudo da Força Aérea de 1957 sobre técnicas de lavagem cerebral "comunistas chinesas" utilizadas para obter falsas confissões de prisioneiros de guerra americanos durante a Guerra da Coreia. O relatório mostrou ainda como a autorização do Secretário da Defesa, em 2002, para a utilização destas técnicas agressivas em Guantánamo, levou à sua utilização no Afeganistão e no Iraque, incluindo em Abu Ghraib.

 

 

E tão bem foram estas operações realizadas (servindo apenas para criar a tal “perceção da realidade”), que hoje acabamos a viver num mundo desejado estranhamente obediente. Eis o que Howard Zinn conclui:

 

Sempre que dizemos que o problema é a desobediência civil, estamos a dizer que o nosso problema é a desobediência civil. Esse não é o nosso problema… O nosso problema é a obediência civil. O nosso problema é o número de pessoas em todo o mundo que obedeceram às ordens dos líderes dos seus governos e foram para a guerra, e milhões foram mortos por causa dessa obediência. E o nosso problema é aquela cena em ‘Nada de Novo na Frente Ocidental’, onde os alunos marcham obedientemente em fila para a guerra. O nosso problema é que as pessoas são obedientes em todo o mundo, apesar da pobreza, da fome, da estupidez, da guerra e da crueldade. O nosso problema é que as pessoas são obedientes quando as prisões estão cheias de pequenos ladrões enquanto os grandes ladrões comandam o país. Esse é o nosso problema.”

https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/562-quando-as-mentiras-passam-a-ser-224760


terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Viriato Soromenho Marques - A EUROPA À BEIRA DE UMA GUERRA IRRACIONAL

«A EUROPA À BEIRA DE UMA GUERRA IRRACIONAL! MAS SEREMOS CAPAZES DE A IMPEDIR?»

 * Maria João Caetano

2025 12 14 

O filósofo Viriato Soromenho Marques aponta o dedo aos EUA e à Europa pela forma como trataram a Rússia e subestimaram Vladimir Putin. E espera que no meio da escalada a que temos vindo a assistir, os líderes políticos de hoje tenham a inteligência que outros tiveram no passado e saibam dar um passo atrás. Até porque, os desafios que a nossa civilização enfrenta vão muito além da possibilidade de uma guerra: "A guerra nuclear será um ataque cardíaco. Por outro lado, a esclerose generalizada, que é um processo de morte, mas mais lento, é a crise ambiental"

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«Eu fiz as contas. No dia 12 de janeiro do próximo ano, a guerra na Ucrânia, a tal operação especial, como dizem os russos, terá mesma duração da guerra da Alemanha com a Rússia na Segunda Guerra Mundial. São 1.418 dias. De 22 de junho de 1941, quando Hitler invade a União Soviética até 8 de maio de 1945." No dia 12 de janeiro de 2026, completam-se 1.418 de guerra da Ucrânia. "E não me parece que neste momento a Rússia esteja esgotada", diz. "Tudo indica que este esforço de guerra está a acontecer com economia de meios e com economia de baixas", diz Soromenho Marques. Podemos estar numa escalada que obrigue a Rússia ou a desistir ou então a passar para a fase seguinte, com as armas nucleares, antecipa. "A verdade é que não temos nenhum exemplo de uma guerra nuclear anterior entre potências nucleares. O meu receio é que ninguém saiba controlar esta escalada».

Foi no passado dia 12, numa noite de inverno, fria e chuvosa, que um grupo de "corajosos", como lhe chamou Viriato Soromenho Marques, se juntou no auditório da Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva para o debate "Guerra e paz: respostas, causas e soluções de hoje", o último dos três debates do ciclo "Uma ideia de harmonia", comissariado pela jornalista Alexandra Carita. Na mesa estava também Tatiana Moura, diretora da plataforma masculinidades.pt e investigadora do CES - Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Mas foi o filósofo e professor da Universidade Nova de Lisboa que, inegavelmente dominou a conversa.

Em 1983, em plena Guerra Fria, Viriato Soromenho Marques era um jovem a fazer inter-rail e passou algum tempo em casa de um amigo em Witten, na Alemanha. A estadia coincidiu com muitas manifestações pela paz devido à crise dos "euromísseis". "Nessa altura, a tensão entre o Pacto de Varsóvia e a NATO tinha crescido de forma exponencial. Novos mísseis estavam a ser colocados, quer no lado do lado soviético, quer do lado norte-americano e europeu", recorda o filósofo que tem atualmente tem 68 anos. "Só que nessa altura existia uma literacia sobre guerra nuclear que hoje está completamente ausente", diz, lembrando, por exemplo, que a mãe do amigo, que era dona-de-casa, "saía da sua vida e ia para a rua protestar"; ou ainda que havia uma canção "muito medíocre" que nesse verão foi um sucesso na Alemanha, intitulada "Besuchen Sie Europa (solange es noch steht)" - "Visita a Europa enquanto ela ainda lá está", que falava precisamente dessa ideia de que "isto vai acabar tudo em breve".

Terá sido esta vivência que o despertou para o problema da guerra na Europa. Depois dessa viagem, Viriato começou a pesquisar e a fazer entrevista e, em 1985, publicou o livro "Europa, o risco do futuro: a incerteza estratégica dos anos 80". O livro foi publicado duas semanas antes de Gorbachev ter tomado posse, iniciando o caminho para o fim da Guerra Fria.

"Isto que está a acontecer agora [na Europa], para mim, tem 42 anos. Isto não começou no dia 24 de fevereiro de 2022", diz, concluindo: "Para mim, isto é um pesadelo, porque eu, nessa altura, já era ambientalista e olhava para estas duas grandes ameaças. Por um lado, o ataque cardíaco. A guerra nuclear será um ataque cardíaco. Por outro, a esclerose generalizada, que é um processo de morte, mas mais lento, que é a crise ambiental", diz, introduzindo aqui um tema que é essencial no seu pensamento. Mas já lá vamos. Para entender o que se passa hoje na Europa o professor recua, precisamente, até à Guerra Fria e ao modo como esta terminou. E talvez, até, recuar um pouco mais, e perceber porque é que existem guerras.

 

AS GUERRAS SÃO EVITÁVEIS?

 

"Em toda guerra existe violência, mas nem toda violência é guerra. Isto é importante porque a violência pode ser exercida pelo indivíduo, está relacionada, individualmente, com a agressividade. Mas a condição fundamental para a guerra é a existência de uma entidade artificial, que é o estado - uma estrutura que é uma pessoa coletiva, uma estrutura sem paixão, que decide do uso da violência bélica", explica Viriato Soromenho Marques.

É por isso que para perceber as guerras é preciso entender o conceito de estado soberano. "A guerra e a paz entre nações está também associada à teoria do contrato social, que se parece um pouco com a física atómica", diz. "Temos os indivíduos que são pequenos átomos e que depois se organizam em moléculas que são sociedades." Na ordem política e na ordem legal, existe um poder de sanção. Mas, neste aspeto, "a analogia com a sociedade das nações é imperfeita. Porque na sociedade das nações não existe esse poder de sanção, é um direito imperfeito. Isto é, podem existir tribunais internacionais. Há tratados. Há uma Organização das Nações Unidas. Mas não existe um poder comum capaz de aplicar a sanção. As grandes potências não são sancionáveis."

Thomas Hobbes, pensador doa séculos XVI XVII, dizia que "os príncipes e os Estados estão permanentemente em estado de natureza, ou seja, preparados para a guerra. E não há nenhum tratado, não há nenhuma lei internacional que leve os príncipes a dormir descansados. É por isso que têm exércitos permanentes. Porque há uma desconfiança permanente".

O professor cita ainda o general prusso Carl von Clausewitz ("uma espécie de Newton da guerra"), que no século XIX escreveu a obra "Vom Krieg - Da Guerra", que é, nas suas palavras, "o grande livro contemporâneo sobre a guerra": "A guerra é uma ação em que a violência é usada como instrumento de objetivos políticos". Clausovitz diz mais: "A guerra é a continuação da política por outros meios" - uma frase que já todos ouviram. O que é que isto significa? "A guerra tem apenas uma gramática, a política tem a lógica. E deve ser a política que comanda a guerra. Evidentemente que para fazer a guerra é preciso tecnologia, é preciso treino, etc. Mas isso é a gramática. E no limite, se fosse possível, atingir esses objetivos sem a violência, não haveria guerra. Mas sem a violência não há coação. Agora, o que pode acontecer é que, perante ameaça do uso da força militar, um Estado pode recuar e conceder. Clausevitz considera que quando a diplomacia falha é muito improvável que se consiga retomá-la sem o sucesso das armas."

"Na guerra existe uma lógica essencialmente de custo-benefício. O pensamento estratégico militar é um pensamento de custo-benefício. É um pensamento instrumental. A ideia de uma guerra com as luvas brancas não existe", afirma o filósofo. Não existe guerra sem danos colaterais e sem crimes de guerra. O que os políticos que tomam a decisão de iniciar ou entrar numa guerra fazem é tentar avaliar se vale ou não a pena. Isto, dito assim, pode parecer cruel, mas não é novo. "Os aliados, que venceram a Alemanha nazi, também cometeram imensos crimes. Hamburgo foi destruída em julho de 1943 e 40 mil pessoas foram mortas com bombas de fósforo. Antes das bombas atómicas, que foram crimes de guerra também, porque visaram populações civis, tivemos 700 mil japoneses que foram vítimas de bombardeamentos convencionais pela aviação americana. Isso são crimes de guerra", sublinha.

 

UMA GUERRA IRRACIONAL – EM QUE TODOS SAEM DERROTADOS

 

"Hoje em dia, a guerra que podemos ter será uma guerra absolutamente irracional", diz Viriato Soromenho Marques. Porquê? Segundo Clausevitz, a guerra é até 1945, tinha violência, mas tinha racionalidade. "Ou seja, havia sofrimento, mas havia a possibilidade da vitória. Os povos perdiam milhões de vidas, mas atingiam o objetivo e havia vitória. Hoje, é uma das características da guerra contemporânea, é a possibilidade de uma guerra em que todos saem derrotados".

Durante os 40 anos da Guerra Fria, houve um consenso entre os dois lados, explica o professor. A crise dos misseis de Cuba em outubro de 1962, em que o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear, "fez com que tanto Krushov como o Kennedy percebessem o que seria a irracionalidade da guerra", diz Soromenho Marques. "O que Kennedy fez a seguir a outubro de 62 foi fundamentalmente um processo de construção da paz, em colaboração com a União Soviética: a criação do telefone vermelho, a proibição de testes nucleares e outras ideias que ele tinha para a frente, de cooperação alargada com a União Soviética e com os países que estavam no Pacto de Varsóvia e que o assassinato impediu. No discurso que fez em Washington em 10 de junho de 63, Kennedy dizia o seguinte: 'Enquanto defendem os seus próprios interesses vitais, as potências nucleares devem evitar os confrontos que levam o adversário a optar entre uma retirada humilhante ou uma guerra nuclear. "Adotar esse tipo de atitude, ou seja, querer insistir numa escalada em potências nucleares, na era nuclear, seria apenas uma prova da falência da nossa política ou de um desejo coletivo de morte'."

Ronald Reagan, que foi presidente dos EUA durante a Guerra Fria, "acolheu positivamente, com entusiasmo, Gorbachev", diz o professor, contando algo que percebeu ao ler as memórias do presidente: "Em novembro de 1983, Reagan foi um dos primeiros americanos a ver até o filme 'The Day After' [filme ficção científica que imagina o que aconteceria após uma guerra nuclear]. E ele ficou aterrorizado com o que viu. É interessante que em janeiro de 84 ele faz um discurso que causou surpresa. Enquanto o discurso do ano anterior tinha sido o discurso do "Guerra da Estrelas", vamos criar um sistema no espaço, o discurso de janeiro de 84 dizia que temos de evitar a autodestruição".

 

O FIM DA UNIÃO SOVIÉTICA: UMA OPORTUNIDADE DESPERDIÇADA

 

A Guerra Fria prolongou-se, com esse jogo de contenção de forças, até à Perestroika. Viriato Soromenho Marques considera que a transição democrática da União Soviética, com a "dissolução pacifica do Pacto de Varsóvia", "é o único caso que temos na História em que um sistema bipolar acaba porque o outro lado desiste".

Inicialmente, recorda o filósofo, "houve imensa vontade de estabelecer relações, de apoiar economicamente a transição da Rússia. O que eles fizeram foi uma coisa brutal". Mas logo se percebeu que os interesses económicos se iriam sobrepor aos bem político. Passou-se "de uma economia planificada que não funcionava, para uma economia de mercado que foi pilhada. O que aconteceu no tempo do Ieltsin foi uma catástrofe para a Rússia. A Rússia perdeu cinco anos de esperança de vida. O desemprego galopou. A mortalidade infantil aumentou imenso. O alcoolismo explodiu. A criminalidade, as mortes violentas. Depois, a formação dos oligarcas, a privatização com as grandes companhias americanas por trás. No fundo, a Rússia era um cadáver gigantesco, 17 milhões de quilómetros quadrados, que estava ali para ser devorado", diz Soromenho Marques.

"Foi uma tragédia. Não só económica, mas também política." A Europa poderia ter-se tornado um aliado, um parceiro. "Era preciso criar uma relação de confiança mútua, e isso não aconteceu. Até porque era preciso ter um inimigo, como é que nós vendíamos a expansão da Nato se não tivéssemos um papão do lado lá?"

"O analfabetismo e russofobia é também uma coisa que nos está a envenenar. Envenena-nos a alma e corrói o pensamento", afirma Soromenho Marques.

 

QUANDO PUTIN DEIXOU DE SER UM AMIGO – AS ORIGENS DA GUERRA DA UCRÂNIA

 

Soromenho Marques diz que é preciso "admitir o fracasso de todas as políticas que começaram em 1991, quando os Estados Unidos recusaram integrar a Rússia no sistema internacional" e decidiram deixar a Rússia de foram da Nato. "Esta guerra [na Ucrânia] começou porque a Rússia não tinha garantias de segurança. Pediu primeiramente que a Nato não se alargasse, mas a Nato alargou-se. Depois pediu para não se alargar para zonas que são estratégicas, porque as grandes potências têm zonas de segurança, a que se chama zonas de influência", e, mais uma vez, isso não acontece. Em 2008, em Bucareste, a Nato ofereceu um convite à Ucrânia. "E Putin, que nessa altura era convidado a ir às reuniões da Nato, fez um grande discurso a explicar porque é que isso era uma coisa que não podia ser aceite pela Rússia. Então, Sarkozy e Merkel falam com Bush e decidem arrastar isso para não arranjar problemas. As coisas foram-se arrastando assim."

"O ponto em que as coisas realmente se transformaram foi com a Praça Maidan. Foi aí que as coisas se tornaram mesmo azedas", diz o filósofo. "Esta guerra começou aí. A Operação Especial começou na Praça Maidan. O Viktor Yanukovych foi eleito em eleições reconhecidas por todos os observadores, incluindo os nossos, da União Europeia, que estiveram lá. A Victoria Nuland, que é a vice-secretária de Estado, esteve pessoalmente a comandar as operações de montagem da Praça Maidan. Inclusive ela, no inverno, em dezembro de 2013, faz uma pequena intervenção, em que chega a dizer que até agora o nosso investimento na Ucrânia foi de cinco milhões de dólares. Em 2024, o historiador ucraniano Ivan Katchanovski publicou um livro notável a explicar a Praça Maidan."

"A Alemanha foi seduzida pela possibilidade de também tirar algum partido da Ucrânia. E, além disso, ninguém acreditava que a Rússia tivesse capacidade para fazer esta guerra. O Biden dizia, em 2017: os russos engolem tudo o que lhe pusermos pela garganta abaixo", lembra Soromenho Marques. Em 2019, ainda Merkel estava no poder, e a Ren Corporation, que é o principal think tank da política externa americana, publica um livro que se chamava "Extending Russia". Esses analistas diziam que se deviam "criar dificuldades em muitos pontos à Rússia para que ela se parta. E um dos objetivos do Extending Russia é impedir a ligação entre a Alemanha e a Rússia. Não só energética. Avisadamente, eles percebiam que uma boa relação entre a Alemanha e a Rússia ia causar problemas a quem queria continuar a ser o dono do mundo".

 

O FIM DO DOMÍNIO AMERICANO E AS NOVAS RELAÇÕES DE PODER .

"Os Estados Unidos estão, nesta fase, a passar de interveniente principal, para algo diferente", afirma Soromenho Marques. "Reconhecem que já não têm capacidade para aquele pesadelo que foi o unipolarismo. Biden foi o último representante da ideia tonta de que era possível os Estados Unidos dominarem o mundo e imporem, com recompensas e com violência e com sanções, o domínio. Hoje estamos num mundo completamente diferente."

E explica: "Do ponto de vista económico, os Estados Unidos são uma sombra do que foram. No auge do poderio americano, no tempo do Truman, 50% do produto interno bruto era americano. Hoje, os Estados Unidos têm uma percentagem muito menor, estamos a falar de 20%, 21%. para ser otimista. Por outro lado, do ponto de vista científico, a situação é absolutamente avassaladora. No ano passado, um instituto australiano publicou um estudo que era uma análise de 20 anos de inovação científica no mundo, em 64 tecnologias de ponta. E o contraste é absolutamente esmagador. Em 2003, os Estados Unidos dominavam 61 das 64. E a China dominava 3. Em 2023, a China domina 57 das 64. E os Estados Unidos dominam as outras 7."

"Ou seja, o que temos hoje é um novo sistema internacional. Estamos numa fase horrível que é a transição. As transições são sempre terríveis, mesmo na vida dos indivíduos", diz o professor. Mas há algo positivo nesta situação, que é o facto de os Estados Unidos "já não considerarem a China como um inimigo com o qual poderiam entrar em guerra em 15 anos, mas como um competidor. Há uma diferença entre competidor e inimigo".

Já em relação à Rússia, na Estratégia de Segurança Nacional (ESN) os EUA assumem o objetivo de "estabilizar as relações com a Europa, nomeadamente com a Rússia. O que não parece uma coisa idiota, parece uma coisa até bastante sensata. Não sei como é que é possível alguém que conheça um pouco da situação atual e da situação histórica pensar que é possível excluir a Rússia do sistema internacional e do sistema europeu, para mim é uma ideia completamente absurda", afirma.

E A EUROPA NO MEIO DE ISTO TUDO?

 

"Estamos a viver um desastre do projeto europeu", diz Viriato Soromenho Marques, lembrando que em 2014 publicou livro sobre a crise do euro que se chamava "Portugal na queda da Europa". "A tese era que a crise de 2008 não foi uma crise das dívidas soberanas, como se dizia, foi uma crise do euro. O euro foi construído sem qualquer mecanismo que o tornasse uma moeda funcional, não era uma moeda federal. O euro foi criado sem sequer um sistema de prevenção das crises bancárias, por exemplo. Nada. E os países endividaram-se nessa altura para socorrer o sistema financeiro, os bancos, que estavam lá soltos. Os bancos nessa fase inicial faziam o que queriam. Falhámos. O Euro podia ser a primeira etapa do federalismo europeu, e nós falhámos. Em 2014, a minha perspetiva era que estávamos a entrar num processo de decadência europeia, de queda".

"Só que agora já estamos dentro da queda", admite, dando como exemplo máximo a forma como a Europa está a conduzir esta guerra na Ucrânia. "Primeiro: não temos nenhuma providência, nenhum artigo que conceda os poderes que a senhora von der Leyen se arrogou para funcionar como se fosse a comandante suprema de uma coisa que não existe, que são as Forças Armadas Europeias. Segundo: existe uma confusão total entre a União Europeia e a NATO. Chegámos a este ponto. Confundimos totalmente. Terceiro: o uso de procedimentos, e dia 18 de dezembro vamos ver se isto vai acontecer ou não, procedimentos que vão conduzir a uma situação dramática".

Depois de na passada sexta-feira a União ter aprovado, por maioria e com os votos contra da Hungria e Eslováquia, uma decisão para manter os ativos russos imobilizados indefinidamente no espaço comunitário, o tema volta a ser debatido esta semana pelos ministros europeus dos Negócios Estrangeiros que vão decidir se esse dinheiro pode ser usado para o empréstimo de reparações à Ucrânia. "Se isso for roubado à Rússia e entregue à Ucrânia, eu acho que somos nós, os europeus, que não depositamos mais o nosso dinheiro aqui, são também os estrangeiros que cá têm dinheiro que vão para outro sítio", antecipa o filósofo. "A gente do mundo árabe, a gente da África, a gente da América Latina, os magnatas, etc., vão para outro sítio. E também os portugueses. Vão transformar esses euros em ienes e vão pô-los na China, ou transformam-nos dólares e põem nos Estados Unidos."

 

A ESCALADA ACTUAL: "NÃO PODEMOS. COMO CIDADÃOS, ACEITAR ESTE DISCURSO DA INEVITABILIDADE DA GUERRA”

 

Chegamos, assim, aos dias de incerteza em que vivemos. Viriato Soromenho Marques "colecionou" uma série de frases proferidas nos últimos dias por "altos responsáveis políticos e militares da nossa Europa" e que mostram bem o estado do mundo:

 

• 3 de Novembro: Boris Pistorius, ministro da defesa da Alemanha, falando sobre o plano de reconstrução armamentista da Alemanha, que está outra vez na corrida dos armamentos, está a preparar um sistema que permita a rápida passagem para leste, ou seja, em direção à Rússia de 800 mil soldados da NATO, disse: "Há quem fale que a guerra vai ser em 2029. Há outros que dizem que vai ser em 2028. Mas há alguns que dizem mesmo que gozámos em 2025 o último verão em paz".

 

• 16 de novembro: o general Fabien Mandon, que era conselheiro do presidente Macron, da França, diz que "temos de aceitar perder os nossos filhos, sofrer economicamente".

 

• 3 de Dezembro: o almirante Giuseppe Cavo Dragone, chefe do Comité Militar da Nato, disse ao Financial Times que a NATO deveria considerar a possibilidade de uma ação preventiva contra a Rússia.

 

• 11 de Dezembro: Mark Rutte, secretário-general da NATO, diz que "depois da Ucrânia nós somos o próximo alvo da revolução. E nós precisamos estar prontos. Devemos estar preparados para uma guerra da escala dos nossos avós e dos nossos bisavós. Preparados para a possibilidade de milhões de mortos" e dizendo que, por isso, nós precisamos gastar 5% do PIB na corrida ao armamento.

 

• Entretanto, Vladimir Putin, interrogado numa conferência de imprensa, a seguir às declarações de Dragone, diz: "Se a Europa começar subitamente, o tal ataque preventivo, uma guerra contra nós, eu penso que essa guerra acabará rapidamente. Isso não será a Ucrânia. Com a Ucrânia nós estamos a atuar com precisão cirúrgica, cuidadosamente, isto não é uma guerra no sentido direto, moderno da palavra. Se a Europa começar uma guerra contra a Rússia, em breve, Moscovo não terá ninguém com quem negociar."

Perante isto, Soromenho Marques questiona-se até que ponto é que aquela ideia de Kennedy, que é fruto do conceito da "destruição mútua assegurada", ainda estará atualizada. "Na altura de Kennedy existiam 70 mil armas militares. Hoje existem à volta de 13 mil. Mas 13 mil são suficientes para dar cabo de tudo. E eu pergunto-vos, será que estas pessoas partilham desta preocupação?", pergunta.

E ainda, mais incisivo: "A questão que me parece prioritária é não aceitarmos, como cidadãos, este discurso da inevitabilidade da guerra", diz.

Na sua perspetiva, "uma guerra em que fossem usadas armas nucleares representaria o fim da história". "Mas vamos pensar que haverá ainda alguma sombra de cuidado com o futuro, e alguma inteligência também, e que não vamos entrar por aí", diz, recorrendo ao que resta do seu otimismo.

 

"QUAL A POSSIBILIDADE QUE TEMOS DE SOBREVIVER A ISTO? (E «ISTO» NÃO É SÓ A GUERRA NA UCRÂNIA)”

 

"Este conflito [na Ucrânia] é o centro do vulcão. Claro que temos conflitos noutros lugares no mundo, mas a Europa é, mais uma vez, o centro do vulcão e é onde, de facto, a situação pode ficar completamente fora de controlo. Mas eu pergunto: será apenas na guerra que estamos fora do controlo? Não me parece." Viriato Soromenho Marques tem um olhar mais abrangente. "Nós, europeus, temos muito orgulho na maturidade, com todo o contributo para a ciência e para a tecnologia moderna, mas realmente os grandes desígnios da modernidade, que eram a emancipação humana, que era, como no tempo do grefos, vencer um destino, uma moira, a que estávamos condenados pelos deuses, ou, como dizia depois Descartes, vencer a vida curta, prolongar a vida humana, impedir as tragédias, o sofrimento - será que conseguimos isso? A verdade é que nós construímos um aparato gigantesco para combater esse destino natural, mas temos uma crise existencial na área do ambiente. Portanto, eu colocaria o nosso debate sobre a guerra e a paz no quadro de uma interrogação ainda mais penetrante: qual é a possibilidade que temos de sobreviver a isto? Onde é que erramos? E teremos a coragem para primeiro identificar as causas fundamentais e depois agir em consequência? Ou seja, sermos capazes de fazer a renúncia a tanta coisa a que nos acostumamos a considerar fundamentais?"

A verdade, diz, "é que estamos numa situação em que, perante os desafios existenciais que temos, nomeadamente o facto de estarmos a viver num planeta que estamos a destruir, que estamos a devorar", deveríamos estar preocupados com outros problemas. "Quando começou a guerra na Ucrânia, surgiu um artigo chamado 'Uma guerra no convés do Titanic'. Nós temos que que fazer o possível para que ele não afunde. E neste momento não vemos muita gente que esteja preocupada com isto", lamenta.

Na sua opinião, seria necessária "uma visão integrada". Em primeiro lugar, deveríamos "tomar consciência da gravidade da situação. Já não é evitar, não, é de fazer uma adaptação que permita a continuação da história humana e que permita uma visão de reconstrução do modo como as nossas instituições, nomeadamente a nossa economia, que é uma economia primitiva. Nós precisamos de uma economia ecológica, ou seja, de uma economia que considere que é um subsistema da ecologia e não o contrário".

Cícero dizia que «a salvação do povo seja a suprema lei».

«Quando a gente fala em salvação do povo, está a falar fundamentalmente da vida das pessoas e da fazenda das pessoas, do que as pessoas têm. A minha preocupação é com a nossa vida. Porque acho que a fazenda já está perdida».

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Wyndham Lewis, «The Waste Land», sobre o poema de T.S. Eliot

https://cnnportugal.iol.pt/guerra/ucrania/nao-podemos-aceitar-este-discurso-da-inevitabilidade-da-guerra-a-europa-esta-a-beira-de-uma-guerra-irracional-mas-seremos-capazes-de-a-impedir/20251215/693fe7afd34e3caad84c62ea

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Helder Moura - (561) O desvelar das tendências militaristas atuais

 

 

O direito, de acordo com o que se passa no mundo, apenas se discute entre os que são igualmente poderosos, porquanto os mais fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que têm de sofrer, Tucídides.

 

Quando em 1945 os Estados Unidos ocuparam o Japão, não se preocuparam especialmente em desenraizar a cultura do militarismo.

            

Diversos altos funcionários presos por crimes de guerraretomaram discretamente os seus cargos no Estado japonês.

 

Na Alemanha, negar o Holocausto é crime. No Japão, é política de governo.

 

A revista Time escolheu Hitler para figurar na sua capa, como “homem do ano 1938”, entendendo que devia ser o candidato ao Prémio Nobel da Paz.

 

 

 

Quando apenas um mês depois de ter sido eleita como a 104ª primeira-ministra do Japão (21 de outubro de 2025), Sanae Takaichi, presidente do Partido Liberal Democrático (PLD), logo no seu primeiro discurso no parlamento ter afirmado que o Japão poderia envolver-se militarmente num conflito entre a China e Taiwan (“an attack on Taiwan could trigger the deployment of her country’s self-defence forces if the conflict posed an existential threat to Japan”), alterando radicalmente toda a política externa seguida até então pelo Japão, tal não fez mais que confirmar as tendências militaristas presentes não só no Japão mas que se têm vindo a apoderar das nossas sociedades.        

Uma das várias explicações para a emergência destas tendências, tem que ver com o que se passou na Segunda Guerra, particularmente com a forma como o pós-guerra que se lhe seguiu foi resolvido.

 

Quando em 1945 os Estados Unidos ocuparam o Japão, não se preocuparam especialmente em desenraizar a cultura do militarismo. Washington debateu se deveria destituir o imperador, figura central do projeto imperial, mas, seguindo o conselho da antropóloga Ruth Benedict, optou por manter o imperador e outros símbolos do militarismo. Isto incluía o Santuário Yasukuni, dedicado aos mortos de guerra, fundado em 1869 e que ainda hoje alberga os restos mortais de mais de mil criminosos de guerra condenados.

 

Diversos altos funcionários presos por crimes de guerra, mas nunca julgados, retomaram discretamente os seus cargos no Estado japonês. Entre eles estavam Yoshida Shigeru, diplomata de alto nível durante a guerra e primeiro-ministro do Japão durante a maior parte do período entre 1946 e 1954; Nobusuke Kishi, burocrata no nordeste da China durante a ocupação, ministro no gabinete de guerra e, mais tarde, primeiro-ministro de 1957 a 1960; Shigemitsu Mamoru, ministro dos Negócios Estrangeiros no gabinete de guerra, julgado como criminoso de guerra de Classe A pelo seu papel na Coreia e preso, e mais tarde ministro dos Negócios Estrangeiros na década de 1950; Okazaki Katsuo, diplomata durante os anos da guerra e mais tarde ministro dos Negócios Estrangeiros de 1952 a 1954; Ikeda Hayato, funcionário do Ministério das Finanças durante os anos da guerra e, mais tarde, primeiro-ministro de 1960 a 1964; e Sato Eisaku, funcionário do Ministério dos Transportes durante os anos da guerra e mais tarde primeiro-ministro de 1964 a 1972. Neste caso, todos eles fizeram parte da chamada "máfia manchu" que liderou a ocupação na China, manteve-se no poder.

 

Para que conste, Nobusuke Kishi foi o avô de Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão de 2006 a 2007 e novamente de 2012 a 2020. Muitas vezes é omitido o facto de Kishi ter sido o arquiteto da ocupação japonesa do nordeste da China e responsável pelo regime de trabalho forçado na China e na Coreia. Após a guerra, Kishi foi brevemente preso em Sugamo como suspeito de ser um criminoso de guerra de Classe A, sendo libertado sem julgamento em 1948. Esperou alguns anos antes de regressar à política com um objetivo fundamental: rever a Constituição de 1947 para remover o Artigo 9, que impunha restrições à militarização no Japão.

 

Em 1952, os EUA reabilitaram formalmente muitos oficiais japoneses que serviram durante a guerra, abrindo caminho para que homens como Kishi entrassem na política ativa e pavimentando o terreno para a formação do Partido Liberal Democrático (PLD) em 1955. Este partido é atualmente liderado por Sanae Takaichi, que nasceu em 1961 e que é a atual primeira-ministra do Japão.

 

Desde que entrou na política, Takaichi tem sido uma figura de destaque na direita chauvinista do Japão, tendo emergido por intermédio do seu mentor, Shinzo Abe. Tal como o avô de Abe, Kishi, Takaichi deseja rever a Constituição japonesa para que o Japão possa reconstruir as suas forças armadas. Em diversas ocasiões, demonstrou reverência pelo período anterior a 1945: visitou o Santuário Yasukuni, defende a conduta do Japão durante a guerra, questiona a natureza coerciva do sistema das "mulheres de conforto" e apoia a ideia de "restauração do orgulho" no passado imperialista. Afirmou que deseja que os manuais japoneses deixem de ser "autodepreciativos" e questionou a veracidade dos crimes de guerra cometidos em Nanquim. As opiniões de Takaichi, que nasceu após a guerra, ilustram que a ocupação americana não só falhou em erradicar a essência do fascismo da sociedade japonesa, como também lhe permitiu florescer.

 

 

Segundo o extenso artigo sobre “Os crimes de guerra do Japão”, antes e durante a Segunda Guerra Mundial, Império do Japão cometeu inúmeros crimes de guerra e crimes contra a humanidade em diversas nações da Ásia-Pacífico, nomeadamente durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a Guerra do Pacífico. Estes crimes ocorreram durante o reinado do Imperador Hirohito.

Exército Imperial Japonês (IJA) e a Marinha Imperial Japonesa (IJN) foram responsáveis ​​por crimes de guerra entre 1927 e 1945, que levaram a 19 milhões a 30 milhões de mortes, desde assassinatos em massa, terrorismo, limpeza étnica, genocídio, escravatura sexual, massacres, experimentação em humanos, tortura, fome e trabalho forçado.

 

A liderança política e militar japonesa tinha conhecimento dos crimes das suas forças armadas, mas continuou a permiti-los e até a apoiá-los, com a maioria das tropas japonesas estacionadas na Ásia a participar ou a apoiar os assassinatos.

Embora não seja claro se o Imperador Hirohito foi informado da extensão total desses crimes, o irmão mais novo do Imperador, o Príncipe Mikasa, serviu como oficial no Exército Imperial Japonês estacionado na China, escreveu nas suas memórias que os oficiais utilizavam prisioneiros de guerra chineses para o treino com baioneta, a fim de fortalecer a determinação dos soldados japoneses. Além disso, observou que os prisioneiros de guerra eram asfixiados e fuzilados em grande número.

Serviço Aéreo do Exército Imperial Japonês participou em ataques químicos e biológicos contra civis durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a Segunda Guerra Mundial, violando acordos internacionais que o Japão tinha assinado, incluindo as Convenções de Haia, que proibiam o uso de "veneno ou armas envenenadas" nas guerras.

 

Após a Guerra, foram emitidos inúmeros pedidos de desculpas pelos crimes de guerra por parte de altos funcionários do governo japonês. O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão reconheceu o papel do país em causar "tremendos danos e sofrimento" antes e durante a Segunda Guerra Mundial, particularmente o massacre e violação de civis em Nanquim pelo Exército Imperial Japonês.

No entanto, a questão continua a estar pronta a ser reaberta, com alguns membros do governo japonês, incluindo os ex-primeiros-ministros Junichiro Koizumi e Shinzō Abe, a terem prestado homenagem no Santuário Yasukuni, que honra todos os mortos de guerra japoneses, incluindo criminosos de guerra de Classe A condenados.

Segundo Shinzö Abe, o Japão aceitou o Tribunal de Tóquio e os seus julgamentos como condição para acabar a guerra, mas as suas sentenças não têm qualquer relação com as leis do Japão: assim, os condenados em crimes de guerra não são criminosos segundo a lei japonesa.

Além disso, alguns manuais de história japoneses fornecem apenas breves referências aos crimes de guerra, e certos membros do Partido Liberal Democrático negaram algumas das atrocidades, como o envolvimento do governo no rapto de mulheres para servirem como "mulheres de conforto", um eufemismo para escravas sexuais.

 

Quanto a assassinatos em massa, o historiador britânico Mark Felton afirma que foram mortas até 30 milhões de pessoas, a maioria civis:

 

Os japoneses assassinaram 30 milhões de civis enquanto "libertavam" do domínio colonial aquilo a que chamavam a Esfera de Coprosperidade da Grande Ásia Oriental. Cerca de 23 milhões destas pessoas eram de etnia chinesa. É um crime que, em números absolutos, é muito maior do que o Holocausto naziNa Alemanha, negar o Holocausto é crime. No Japão, é política de governo.”

 

Quanto a experimentação em humanos e guerra biológica, unidades militares especiais japonesas realizaram experiências em civis e prisioneiros de guerra na China. O objetivo da experimentação era desenvolver armas biológicas que pudessem ser utilizadas para a guerra. Agentes biológicos e gases desenvolvidos a partir destas experiências foram utilizados contra o Exército Chinês e a população civil. Isto incluiu a Unidade 731 sob o comando de Shirō Ishii. As vítimas foram submetidas a experiências que incluíram, entre outras, vivissecção, amputações sem anestesia, testes de armas biológicas, transfusões de sangue de cavalo e injeção de sangue animal nos seus cadáveres. A anestesia não era utilizada porque se acreditava que os anestésicos afetariam adversamente os resultados das experiências:

 

Para determinar o tratamento da hipotermia, os prisioneiros eram levados para o exterior com um tempo gelado e deixados com os braços expostos, sendo periodicamente encharcados com água até congelarem completamente. O braço era posteriormente amputado; o médico repetia o processo na parte superior do braço da vítima até ao ombro. Depois de ambos os braços serem amputados, os médicos passavam para as pernas até que restassem apenas a cabeça e o tronco. A vítima era então utilizada para experiências com peste e agentes patogénicos”.

 

Do artigo referido, consta uma listagem que pode ser consultada respeitante a definições dos crimes de guerra japoneses, a lei internacional e a japonesa, o militarismonacionalismo , imperialismo e racismo japonêsarmas de destruição massivatortura de prisioneiros de guerra, os julgamentos de Tóquio, lista dos maiores crimes e massacres, dos crimes de guerra, e outros.

 

 

É no blog de 27 de setembro de 2017, “Os ovos da serpente”, que podem ler:

“[…] Ainda antes do fim da II Guerra já centenas de milhar de prisioneiros dos exércitos nazis capturados e para os quais não havia campos de internamento em quantidade suficiente, foram colocados nos navios de carga que regressavam vazios aos EUA depois de terem descarregado todo o material na Europa. E por lá ficaram.

 É sempre bom recordar que em 1939 os nazis contavam com mais de duzentos mil seguidores e simpatizantes nos EUA, que a revista Time escolheu Hitler para figurar na sua capa, como “homem do ano 1938”, entendendo que devia ser o candidato ao Prémio Nobel da Paz, e que entre os seus admiradores se encontravam o magnate automobilístico Henry Ford e o aviador Charles Lindbergh.

E que na Grã-Bretanha, a abdicação em 1936 do rei Eduardo VIII, Duque de Windsor, ficou certamente mais a dever-se às suas simpatias para com Hitler e o regime nazi do que com o facto de se pretender casar com uma divorciada americana. Eram notórias as simpatias da classe alta e dos aristocratas britânicos para com o regime nazi, o que talvez tenha levado Hitler a cometer o erro estratégico de acreditar que a implantação do seu regime na Grã-Bretanha seria relativamente fácil, não se preocupando muito em dificultar a retirada do exército britânico de Dunquerque.

 Na destruição e na confusão que se seguiu após o fim da II Guerra, a necessidade de se manter a funcionar um mínimo de administração pública nos países derrotados, e até na dificuldade de separar nazis de não nazis fez com que, intencionalmente ou não, muitos deles passassem despercebidos. Vamos acreditar que foram essas as razões e que não foi intencional.

Na realidade, os aliados que ocuparam a República Federal da Alemanha (Estados Unidos, Reino Unido e França) condenaram apenas 6650 ex-nazis, o que só por si era uma pequena parte do total dos membros do partido. E, as elites alemãs da época fizeram o resto.

Um recente estudo denominado “Projeto Rosemburg” apresentado publicamente por Heiko Maas, atual ministro da Justiça alemão, vem confirmar que em 1957, 77% dos funcionários com cargos de responsabilidade no Ministério da Justiça alemão (ou seja, três em cada quatro) eram antigos membros do partido nazi. O que não deixa de ser até curioso, porquanto essa percentagem em 1957 era mais alta do que durante o Terceiro Reich (http://www.dn.pt/mundo/interior/sistema-de-justica-alemao-do-pos-guerra-estava-dominado-por-ex-nazis-5434041.html) […]”.

E por lá estão.

 

E no blog de 1 de fevereiro de 2023, “Crimes de guerra e guerra sem crimes”,  poderão ler sobre o Tribunal de Nuremberga e o Tribunal de Tóquio::

 

“[..]A primeira sessão, sob a presidência do representante soviético, Gen. I.T. Nikitchenko, realizou-se a 18 de outubro de 1945, em Berlim. Foram acusados 24 ex-líderes nazis ​​por perpetuarem crimes de guerra, e ainda vários grupos (como a Gestapo, a polícia secreta nazi) acusados ​​por terem carácter criminoso. A partir de 20 de novembro de 1945, todas as sessões do tribunal passaram a ser realizadas no Palácio da Justiça em Nuremberga.

Após 216 sessões, a 1 de outubro de 1946, foi proferido o veredicto de 22 dos 24 réus originais (Robert Ley cometeu suicídio enquanto estava na prisão, e as condições físicas e mentais de Gustav Krupp von Bohlen und Halbach impediram que ele fosse julgado). Três dos réus foram absolvidos: Hjalmar Schacht, Franz von Papen e Hans Fritzsche. Quatro foram condenados a penas de prisão que variaram de 10 a 20 anosKarl DönitzBaldur von SchirachAlbert Speer e Konstantin von Neurath. Três foram condenados à prisão perpétuaRudolf HessWalther Funk e Erich Raeder. Doze dos réus foram condenados à morte por enforcamento. Dez deles - Hans FrankWilhelm FrickJulius StreicherAlfred RosenbergErnst KaltenbrunnerJoachim von RibbentropFritz SauckelAlfred JodlWilhelm Keitel e Arthur Seyss-Inquart - foram enforcados a 16 de outubro de 1946. Martin Bormann foi julgado e condenado à morte à revelia, e Hermann Göring suicidou-se antes de poder ser executado.

 

Para além deste tribunal, foram ainda constituídos logo de seguida, entre dezembro de 1946 e abril de 1949, outros 12 subsequentes tribunais militares para julgar crimes de guerra cometidos por chefias do partido nazi, médicosindustriaisjuízesministros e outros elementos de organizações nazis. Dos 3.887 casos, 3.400 foram abandonados, tendo sido presentes a tribunal 489, com 1.672 acusados, dos quais 1.416 foram condenados (200 foram executados, 279 condenados a prisão perpétua – embora em 1950 quase todos acabassem por serem soltos ao abrigo de uma amnistia).

 

Particular interesse tem também o caso do tribunal para julgar os crimes dos nazis japoneses (Tribunal de Tóquio) instaurado pelo General Douglas MacArthur, onde, devido ao encobrimento feito pelo próprio governo americano, os principais responsáveis pelos crimes horrendos da Unidade 731 (experiências com armas biológicas e químicas em humanos) não foram presentes à justiça, e onde devido aos então recentes bombardeamentos atómicos de Hiroxima e Nagasáqui se invocou que os pilotos japoneses não podiam ser punidos por bombardearem cidades dado os pilotos americanos terem feito o mesmo […]”  

 

Na História da Guerra do Peloponeso, começada a escrever já lá vão 2.400 anos (431 a. C.), Tucídides pôs os poderosos Atenienses a explicar aos derrotados e impotentes melitanos, a razão para o genocídio que se lhe seguiu:

 

 “o direito, de acordo com o que se passa no mundo, apenas se discute entre os que são igualmente poderosos, porquanto os mais fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que têm de sofrer”, (capítulo XVII, Décimo sexto Ano da Guerra, A Conferência Melitana, O Destino de Melos).