sábado, 28 de dezembro de 2024

Crônicas Históricas · - Dados perturbadores da Idade Média

Ao visitar o Palácio de Versalhes em Paris, Nota-se que o sumptuoso palácio não tem banheiros. Na Idade Média, não havia escovas de dentes, perfumes, desodorizantes, e muito menos papel higiênico. Os excrementos humanos eram jogados pelas janelas do palácio. Em um feriado, a cozinha do palácio conseguiu preparar um banquete para 1500 pessoas. sem a mínima higiene.

Nos filmes atuais vemos as pessoas dessa época abanar ou abanar... A explicação não está no calor, mas no mau cheiro que eles emitiam sob as saias (que foram feitas de propósito para conter o cheiro das partes íntimas, pois não havia higiene). Também não era costume tomar banho devido ao frio e quase inexistência de água corrente. Só os nobres tinham lacaios para abaná-los. para dissipar o mau cheiro que o corpo e a boca expiravam, além de afugentar os insetos.

Aqueles que estiveram em Versalhes admiraram os enormes e belos jardins que, naquele momento, não só eram contemplados, mas usados como sanita nas famosas baladas promovidas pela monarquia, porque não havia banheiros.

Na Idade Média, a maioria dos casamentos ocorreram em junho (para eles, o início do verão). A razão é simples: o primeiro banho do ano era tomado em maio; então, em junho, o cheiro das pessoas ainda era tolerável. No entanto, como alguns cheiros já começaram a incomodar, as noivas levavam buquês de flores perto dos corpos para cobrir o fedor. Daí a explicação da origem do buquê de noiva.

Os banheiros eram tomados em uma banheira enorme cheia de água quente. O chefe da família teve o privilégio do primeiro banho em água limpa. Depois, sem trocar a água, chegavam os outros na casa, por ordem de idade, mulheres, também por idade e, finalmente, crianças. Os bebês eram os últimos a tomar banho. Quando chegava a sua vez, a água na banheira estava tão suja que era possível matar um bebê lá dentro.

Os telhados das casas não tinham céu e as vigas de madeira que os seguravam eram o melhor lugar para os animais: cães, gatos, ratos e escaravelhos mantivessem-se aquecidos. Quando chovia, as fugas obrigaram os animais a saltar para o chão.

Os que tinham dinheiro tinham pratos de lata. Certos tipos de alimentos oxidaram o material, fazendo com que muitas pessoas morram por envenenamento. Lembremos que os hábitos higiênicos da época eram terríveis. Os tomates, sendo ácidos, foram considerados venenosos por muito tempo, as xícaras de lata eram usadas para beber cerveja ou whisky; essa combinação, por vezes, deixava o indivíduo "no chão" (numa espécie de narcolepsia induzida pela mistura de bebida alcoólica com óxido de estanho).

Alguém que passasse na rua pensaria que ele estava morto, então eles recolhiam o corpo e preparavam-se para o funeral. Depois colocou o corpo na mesa da cozinha por alguns dias e a família ficava olhando, comendo, bebendo e esperando para ver se o morto acordava ou não. Daí que os mortos são velados (velatório ou velório), que é a vigília ao lado do caixão.  Inglaterra é um país pequeno, onde nem sempre havia lugar para enterrar todos os mortos. Depois abriam-se os caixões, removiam-se ossos, colocavam-se em ossários e o túmulo era usado para outro cadáver.

Às vezes, ao abrir os caixões, notava-se que havia arranhões nas tampas do interior, o que indicava que o homem morto tinha sido enterrado vivo. Assim, ao fechar o caixão, surgiu a ideia de amarrar uma tira do pulso do falecido, passar por um buraco feito no caixão e amarrá-la a um sino. Depois do enterro, alguém ficava de serviço perto do túmulo por alguns dias. Se o indivíduo acordasse, o movimento do seu braço tocaria o sino. E seria "salvo pela campanha", uma expressão usada por nós até hoje.

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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Pai Natal foi à guerra

Pai Natal foi à guerra  // O uso da imagem do Pai Natal desde a Guerra Civil Americana até à Segunda Guerra Mundial


 
A imagem moderna do Pai Natal, ícone da paz e da boa vontade, realmente foi forjada durante os dias mais negros da América, quando ele apareceu numa ilustração da Guerra Civil, e não foi a última vez que o alegre St. Nick foi convocado para apoiar esforços de guerra na frente de guerra.
 
Apesar de "paz na terra" nunca ter parecido mais evasiva do que durante a Guerra Civil, os anos mais sangrentos da América na realidade produziram a nossa imagem popular de Pai Natal. Clement Clarke Moore havia introduzido o Pai Natal na psique americana com seu poema de 1823 "A Visit from St. Nicholas" (mais popularmente conhecido como "The Night Before Christmas"), mas foi quatro décadas mais tarde, quando a figura moderna de St. Nick saía da caneta do notável ilustrador Thomas Nast.
 
O humorista político, que mais tarde ganhou fama parodiando ambos os partidos políticos, desenhando um elefante como um símbolo para os republicanos e um burro para os democratas, juntou-se à equipa do semanário Harper, um dos mais lidos jornais durante a Guerra Civil Americana, no verão de 1862. Um fervoroso apoiante da causa da União, Nast tinha considerável experiência de ilustrar Abraham Lincoln, mas outra figura de barba, Pai Natal, era o seu tema para a capa de 3 de Janeiro da revista de 1863.
 
Nast, que tinha emigrado da Alemanha com a sua família quando ele tinha seis anos de idade, recorreu às suas memórias de infância de St. Nicholas para esboçar um Pai Natal com um trenó puxado por renas, longa barba branca e chapéu forrado de pele e pelagem a visitar um acampamento do exército da União. O Pai Natal de Nast não é decorado de vermelho, mas sim com uma roupa cheia de estrelas, com calças listradas de vermelho e branco e uma jaqueta azul com estrelas brancas. Nast aumenta a configuração patriótica pondo soldados no desenho a disparar uma salva de artilharia, as estrelas e riscas agitadas orgulhosamente na brisa e um arco triunfal decorado com sempre-vivas que diz: "Bem-vindo Pai Natal."
 
Sentando-se sobre seu trenó, Pai Natal distribui presentes. Pai Natal não está claramente a desejar boa vontade de todos, no entanto, nas suas mãos está um fantoche a dançar do presidente confederado Jefferson Davis com uma corda amarrada no pescoço que faz parecer como se ele está sendo linchado por St. Nick. "Pai Natal está a entreter os soldados, mostrando-lhes o futuro de Jeff Davis," expôs o semanário Harper. "Ele está amarrando uma corda muito firmemente à volta do seu pescoço, e Jeff parece estar chutando muito em tal destino."



 
 
Nast desenhou representações menos beligerantes de Pai Natal numa mesma edição do semanário Harper. Uma ilustração pródiga retrata um solitário soldado da União na véspera de Natal 1862 sentado perto de uma fogueira bruxuleante olhando para fotografias de sua família, enquanto em casa está a sua esposa ajoelhada com as mãos em oração desejando para o regresso seguro do seu marido ao mesmo tempo que o luar ilumina os seus filhos angelicais dormindo na cama, sonhando com o Pai Natal. A extensão de duas páginas inclui imagens de campos de batalha e lápides, mas também do Pai Natal a descer uma chaminé e a ser arrastado num acampamento da União pelas suas renas à medida que ele atira presentes fora do seu trenó.
 
O Pai Natal ficou entrelaçado com a Confederação durante a Guerra Civil. A escassez de tempo de guerra trouxe Natais austeros, o que exigiu explicações sobre a ausência do Pai Natal. Alguns pais explicaram que o bloqueio da União tinha impedido o Pai Natal de viajar para o Sul, enquanto um escravo ainda jogou a final Scrooge dizendo a um grupo de crianças na Geórgia que St. Nick tinha sido baleado pelos Yankees. O Richmond Examiner disse mesmo em Virginia, que não havia um Pai Natal. O jornal criticou St. Nick como "um brinquedo-traficante holandês" e "um imigrante da Inglaterra", que não tinha nada a ver "com a genuína hospitalidade da Virginia e enfeites de Natal."
 
Durante as duas décadas seguintes, as primeiras gravuras de Nast do Pai Natal cristalizaram a imagem moderna de um robusto e alegre Kris Kringle com uma longa barba branca e roupa vermelha. No entanto, a guerra civil não seria a última vez que o Pai Natal seria convocado para o esforço de guerra. Durante a Primeira Guerra Mundial, o Pai Natal foi transformado numa figura patriótica ao longo das linhas do Tio Sam com o governo dos EUA a produzir anúncios e obras de arte que mostravam o Pai Natal com as tropas e vendendo títulos de guerra.
 
Quando a Segunda Guerra Mundial chegou aos Estados Unidos com o bombardeio de Pearl Harbor apenas algumas semanas antes do Natal de 1941, o Pai Natal foi novamente implantado para ajudar no esforço de guerra. O Pai Natal pediu aos americanos para comprarem títulos de guerra, conservarem os recursos e manterem silêncio para evitar fugas para o inimigo.
 
Ele também foi envolvido numa iconografia mais militarista. O Conselho de Produção de Guerra produziu um cartaz de um alegre, Pai Natal com uma espingarda sobre o ombro e que diziam "Pai Natal foi à guerra!" Foi-se os familiares fato vermelho e chapéu de St. Nick, substituídos por um monótono uniforme do exército e capacete. Outro cartaz de propaganda da War Production Board mostrou o Pai Natal junto com aviões e munições com o título: "Feliz Natal para Todos e para Todos uma boa luta." Uma carta para o Pai Natal prometeu que as armas seriam entregues aos "Srs. Hitler, Mussolini e Tojo." Foi uma tentativa não tão súbtil de usar o Pai Natal para enquadrar a Segunda Guerra Mundial como um conflito entre o bem e o mal, entre a impertinente e agradável.

Fonte:
History.com

https://pt.worldwar-two.net/outros/pai-natal-foi-a-guerra/

Carlos Coutinho - [Camões, Marguerite Duras e a velhice]

* Carlos Coutinho 

Por razões que facilmente se depreenderão, não gostei nada de certas considerações de Camões (que, por vezes, surge referido como Luiz de Sá de Camoens, por ser filho de uma dama de Santarém chamada Ana de Sá e Macedo),  que era parente do Gama, além de trineto envergonhado de um fidalgo de ascendência galega (Vasco Pires ou Pérez de Camoens, que lutou em Aljubarrota do lado dos castelhanos). 

   É o caso, por exemplo, do que ele pensava sobre o ocaso da vida. Porém, nem por isso resisto a transcrever da estância 9 do canto X de “Os Lusíadas”: 

   “Vão os anos descendo, e já do Estio/ há pouco que passar até ao Outono;/ a Fortuna me faz o engenho frio, / do qual já não me jacto nem me abono;/ os desgostos me vão levando ao rio/ do negro esquecimento e eterno sono.” 

      Aliás, já o velho Catão havia dito a Lélio e a Cipião, na prosódia indigesta do seu tempo e na minha abusiva tradução, que “a velhice torna a pessoa inútil à sociedade, retira-lhe as forças do corpo, priva-a dos prazeres da vida e, finalmente, traz o homem sob a permanente ameaça da iminência da morte”. E Camões, na sua comédia “El-Rei Seleuco”, escarrapachou: “Um homem velho, cansado, não tem força nem vigor, para em si sentir amor.”  Meio milénio mais tarde, era Marguerite Durras, em “O Amante”, quem vinha contar-nos: 

   “Certo dia, já na minha velhice, um homem se aproximou de mim no saguão de um lugar público. Apresentou-se e disse: "Eu a conheço há muito, muito tempo. Todos dizem que era bela quando jovem, vim dizer-lhe que para mim é mais bela hoje do que em sua juventude, que eu gostava menos de seu rosto de moça do que desse de hoje, devastado". Penso frequentemente nessa imagem que só eu ainda vejo e sobre a qual jamais falei a alguém. Está sempre lá no mesmo silêncio, maravilhosa. É entre todas a que me faz gostar de mim, na qual me reconheço, a que me encanta. Muito cedo na minha vida ficou tarde demais.”

   Convém anotar que Luís Vaz, ou de Sá, de Camões, ainda sem o til no ‘o’, nasceu no dia seguinte ao do aterrador eclipse que pôs às escuras durante algumas hora a Europa ocidental, ou seja, o menino aliviou o ventre da mãe na noite de 24 para 25 de Dezembro de 1524, num bairro periférico da já multiétnica Lisboa a que hoje chamamos Mouraria e, com 3 anos de vida, foi levado para Coimbra, onde outro parente próximo era o poderoso patrão da lídima universidade.

   Estes dados e muitos outros são colhíveis em “Fortuna, Caso, Tempo e Sorte”, uma biografia hiper documentada do poeta, que Isabel Rio Novo assina e tenho vindo a ler com agrado, mas só hoje, com grande espanto meu, reparo, por uma notícia do “Observador”, que também existe “Camões – Altos Cumes, Scabelicastro e Correlatos”, de Vítor Serrão e Mário Rui Silvestre”, obra saída nas Edições Cosmos que é pecado desconhecer – mea culpa, mea maxima culpa – que Isabel ignora calamitosamente. Vá lá saber-se porquê.  

   Confesso que o desgosto que me acomete agora é não ter sido contemplado este ano com a melhor prenda de Natal que alguém me podia pôr no sapatinho, este livro de um historiador de arte que muito prezo e muito me tem ensinado.

P.S. - Está explicado pelo próprio Vítor: o seu livro saiu depois do da Isabel.

https://www.facebook.com/carlos.coutinho.71

Alfredo Barroso - OS INCÊNDIOS ATEADOS PELO "OCIDENTE" NA "ERA DOS EXTREMOS"


* Alfredo Barroso 

(que se limitou a actualizar de 140 para 160 anos a 1ª linha do texto publicado originalmente no 'Expresso' há 20 anos*)

Há 160 anos, em Setembro de 1864, no decurso da Guerra da Secessão americana (ou «Civil War», se preferirem), o general «nortista» William Sherman (que deu o nome a carros de combate) conquistou a cidade de Atlanta e mandou incendiá-la. Tal como faria em Savannah, no final de 1864, depois de ter devastado a Geórgia. Mas o incêndio de Atlanta é o mais conhecido e popular, por ter sido reconstituído em uma cena aterradora do filme «E Tudo o Vento Levou». 

A Guerra da Secessão americana (1861-1865), uma das mais brutais de todos os tempos, custou para cima de um milhão de mortos, embora só se saiba, com precisão, quantos militares morreram de ambos os lados. Ao todo, 617 mil mortos (359 mil entre os «nortistas» vitoriosos; 258 mil entre os «sulistas» derrotados). Quanto a vítimas civis, não é apresentado um número exacto, mas todos os especialistas concordam em apontar para «centenas de milhares» de mortos e feridos. 

O mesmo se passa em relação ao genocídio dos índios americanos [os ameríndios], que começou ainda antes da Guerra Civil e atingiria o auge bastante depois, em Dezembro de 1890, com o célebre «massacre de Wounded Knee», onde os soldados do famoso «7º de Cavalaria» se vingaram da derrota que os Sioux (chefiados por Crazy Horse e Sitting Bull) tinham infligido ao regimento (então comandado pelo general Custer) em Little Big Horn, no Verão de 1876. Além de ser um «castigo», a chacina dos amerindios foi um genocídio institucional (uma «sanção política do conquistador») e utilitário (uma «exploração da conquista colonial») no contexto da corrida para conquistar o Oeste («Go West»), apresentada, paradoxalmente, como um exemplo da «modernidade». Assim se consolidou, no século XIX («A Century of Dishonor», como escreveu Helen Hunt Jackson, em 1881), o país que hoje se considera  «farol» da «civilização ocidental» e «campeão» da liberdade contra a «barbárie».

Mas seria durante todo o século XX - «A Era dos Extremos», como lhe chamou Eric Hobsbawm - que a «civilização ocidental» revelaria toda a sua capacidade para praticar genocídios, crimes de guerra, massacres e carnificinas. Em suma: destruição e morte a uma escala nunca antes imaginada. Hitler - com o genocídio de judeus (holocausto), ciganos e opositores - e Estaline - com o genocídio pela fome na Ucrânia e com o Arquipélago do Gulag (entre o Estreito de Behring e o Mar Negro, atravessando as regiões mais inóspitas da Sibéria) - assassinaram milhões de seres humanos, em nome da «civilização», do «homem novo» e da «modernidade». Um e outro ocupam, indiscutivelmente, lugares no topo da escala do «terror». 

Mas aparecem depois, a uma distância que não é assim tão grande quanto se julga, os «Aliados», sobretudo os EUA e a Grã-Bretanha, com os «crimes de guerra» que cometeram, quer na na Alemanha equer no Japão, durante a II Guerra Mundial. As duas bombas atómicas largadas pelos bombardeiros americanos B-29 «Enola Gay» e «Great Artist» (que belos nomes!) sobre Hiroshima e Nagasaki, em 6 e em 9 de Agosto de 1945, mataram, imediatamente e a curto prazo, mais de 200 mil civis. Isto é, mais do dobro dos civis chacinados pelos 279 bombardeiros americanos que arrasaram Tóquio no dia 19 de Março de 1945. Mas estas carnificinas não constituíram excepções. Durante cinco anos, mais de mil cidades, vilas e aldeias alemãs foram alvos de bombardeamentos brutais e constantes. Milhares de toneladas de bombas explosivas e incendiárias atingiram 30 milhões de civis - sobretudo velhos, mulheres e crianças- matando mais de um milhão, numa série de ataques planeados e executados com minúcia, e de forma sistemática, por «peritos» norte-americanos e britânicos. O objectivo foi o de causar a maior devastação possível, provocando o terror entre a população civil. As bombas foram especialmente aperfeiçoadas para atear incêndios e matar civis, não só pelo impacto, mas também pelo calor asfixiante, pela compressão do ar e pelos gases tóxicos.

É isto que o historiador berlinense Jörg Friederich descreve, num livro aterrador, intitulado «O Incêndio, a Alemanha sob as bombas, 1940-1945». Autor insuspeito, também se distinguiu a investigar os crimes de guerra nazis e foi colaborador da «Enciclopédia do Holocausto». Em complemento, vale a pena ler o ensaio do escritor alemão W.G. Sebald «Sobre a História Natural da Destruição», em que o autor reflecte sobre a tragédia alemã, concluindo que, nem por ter sido merecido, o castigo infligido à Alemanha foi menos brutal. A decisão de incendiar cidades alemãs, reduzindo-as a cinzas, provocando o que tecnicamente se chama «tempestade de fogo», leva-nos a concluir que «todos perderam a razão, porque o indivíduo desapareceu sob o horror em massa». A tecnologia foi posta ao serviço do terror com uma precisão implacável.

Sobre as origens desse terror e sua actualidade neste «mundo globalizado», de cuja «modernidade» o «Ocidente» tanto se orgulha, convém ler o livro de John Gray, «A Al-Qaeda e o significado de ser moderno», já publicado em Portugal. Chega-se à conclusão de que não foram os «ocidentais» a aprender os métodos de terror com os «bárbaros». É bem mais provável que tenham sido os «bárbaros» a aprender a praticar o «terror» com os «ocidentais». O pretenso «choque de civilizações» só serve para alimentar «guerras santas» e «vinganças de Deus». Noutro ensaio notável, «A Fractura Imaginária», sobre «as falsas raízes do confronto entre Oriente e Ocidente», o libanês Georges Corm critica o «discurso narcisista do Ocidente», que se fecha sobre si próprio e que faz da pretensa «excepcionalidade ocidental» um absoluto, condenando os outros à «barbárie». Como se vivêssemos num mundo maniqueu, dividido entre o Céu e o Inferno, entre o Bem e o Mal, entre um Ocidente exemplar - «racional, laico, técnico, materialista e democrático» - e um Oriente abominável - «místico, irracional e violento». São mitos perigosos.  

É essa «fractura imaginária» - já denunciada por Edward Said no seu magnífico ensaio sobre o «Orientalismo» (só agora publicado em Portugal) - que é preciso refutar. Porque é ao abrigo de tais mitos que florescem os apelos ao autoritarismo e se invoca o terrorismo como pretexto para limitar as liberdades e condicionar a democracia. Não é com «democracias musculadas» e «guerras preventivas» baseadas em mentiras que se combate o terrorismo. Com as «bombas inteligentes» só se ateiam mais incêndios! 

(*) O texto original foi publicado no 'Expresso" de 18/Setembro/2004


2024 12 26
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quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Cartoons natalícios



Presentes de Natal


 Natal em Portugal (2024) - irmaolucia_works (Pedro Vieira), Baltazar e as percepções 

Natal na Palestina


Banksy - Natal na Palestina


Banksy - Natal na Palestina


Banksy - O muro da vergonha


Natal na Palestina


Natal na Palestina



Natal e consumismo


Natal e consumismo


Natal e consumismo


Natal e consumismo


Natal e consumismo

Natal e consumismo

VER

Festas felizes… da parte de Banksy

José Gabriel - Os natais de boa memória


 * José Gabriel

Quando eu era garoto, não se falava no Pai Natal nem outras figuras da mitologia comercial do Natal – sim, eu sei da lenda do bondoso e generoso Nicolau de Mira, ou S. Nicolau, curiosamente padroeiro da Rússia, mas essa figura e seus méritos foi apagada da História pelo gorducho vestido pela Coca-Cola. Tudo andava em volta do Menino Jesus, da sua mitologia popular e do presépio que, lá em casa, era levado muito a sério, como obra de arte e engenharia, com uma estrutura de base em cortiça virgem, todos os competentes figurantes e mais alguns que a nossa imaginação criasse. A cena ia muito para lá da gruta de Belém e das figuras sagradas. Havia personagens – humanos e animais – de toda a espécie, eram representadas profissões, atividades mais próximas da nossa realidade popular que dos lugares longínquos onde teriam ocorrido os eventos essenciais do Natal.

Os meus avós encarregavam-se das lendas e mitos, dos cânticos – nada das americanices de agora, cânticos do povo, “acordai ó homens todos/acordai mulheres também/venham ver Jesus menino/no presépio em Belém” –, da explicação de que era o menino Jesus que nos proporcionava todos os presentes que recebêssemos. Quando, mais espigadotes, nos surgiram dúvidas sobre a origem das prendas, foram eles que justificaram o embuste garantido que se devia ao menino Jesus o facto de os nossos pais terem recursos para nos poder oferecer tudo aquilo. E nós participávamos naquela cena, nas suas histórias, nos cânticos, sem pensar muito no facto de, lá em casa, ninguém, excepto os avós, ser dado à religião e – o que me motivou as minhas primeiras dúvidas…teológicas – ser pouco compreensível que alguns dos nossos amiguinhos e vizinhos não tivessem prendas, nem sequer um par de sapatos, posto que alguns andavam descalços. 

E havia os detalhes. E, até, a discriminação animal, que decorria dos papéis atribuídos à vaquinha – tinha direito a diminutivo carinhoso – e ao burro. Uma, aquecia o menino com o seu bafo. O outro, comia a palha da manjedoura sem respeito pelo seu santo ocupante. Quando hoje vemos o interesse e cuidados dedicados aos burricos e à sobrevivência da espécie – ao ponto de até já concorrem com os gatos nos vídeos das redes sociais – justo é considerar que há uma merecida recuperação dos jumentos, nossos velhos companheiros dos trabalhos e dos dias.

A mitologia do Natal era, pois, marcada pela tradição popular, pelas memórias dos mais velhos, depositários das memórias dos povos. Claro que poderíamos fazer aqui uma incursão sobre o facto de muitas divindades de muitas culturas comemorarem o seu aniversário nesta data, de ser o tempo do solstício de Inverno, ou falar da proximidade de atributos de divindades do Médio Oriente com as das figuras centrais do presépio – Maria e Jesus.


Que a pomba da paz sobrevoe o coração dos belicistas

Mas não é hora de tergiversar. É hora de enviar um abraço aos nossos amigos, desejar-lhes um feliz Natal e um novo ano de paz e felicidade. Porque, seja qual for a razão, a hora é sempre boa para festejar a vida, a paz, o encontro com os outros. Os homens de boa vontade de que falavam os meus avós e as histórias de Natal. 

in Facebook, 18/12/2024

https://estatuadesal.com/2024/12/25/os-natais-de-boa-memoria/

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Carlos Esperança - Natal (Escrito em 2006)


* Carlos Esperança

Há meio século o Natal era pretexto para a reunião das famílias. Os ausentes voltavam todos os anos, à aldeia de origem, nas carruagens de 3.ª classe de comboios apinhados de pessoas e cabazes, com odores a que se resignavam as pituitárias de então.

Através do vidro partido, ou da janela avariada, o ar gélido entrava nas carruagens e nos corpos. Os passageiros partilhavam a vida e as merendas durante a penosa e longa viagem de pára-arranca. Os Senhores Passageiros precisavam de embarcar, ou de desembarcar, e a máquina a vapor de abastecer de lenha a fornalha e de água a caldeira.

Às vezes o comboio parava nas subidas para que a caldeira ganhasse pressão e pudesse rebocar o peso acrescido que deslocava. Entre Lisboa e a Guarda era normal um atraso de duas ou três horas, pela Beira Alta, e ainda mais pela Beira Baixa.

Nas estações e apeadeiros esperavam bestas e pessoas impacientes e enregeladas. À chegada do comboio havia abraços, ternos e demorados, e lágrimas de alegria. Do comboio acenavam mãos e ouviam-se votos de Feliz Natal quando o apito anunciava o retomar da marcha. Aos que se apeavam, só o caminho lamacento os separava, agora, da casa da aldeia onde aguardavam os parentes que ficaram em ansiosa espera. 

Quando eram pequenas as casas e numerosas as famílias, sobrava sempre lugar para os que chegavam. A ceia de Natal era o momento mágico que matava fomes ancestrais e a saudade das ausências.

Na lareira fumegavam panelas cheias cujos odores, fundidos com os que vinham da sala, traziam à memória os sabores da infância.

A candeia de azeite iluminava os trajetos domésticos enquanto o candeeiro a petróleo projetava as sombras dos familiares reunidos em conciliábulo.

Estranhava-se o milagre que permitira tantas postas de bacalhau, já que repolhos e batatas os dava a horta e os frutos eram secos no devido tempo. Rabanadas, arroz doce, sonhos, filhós e toda aquela variedade de guloseimas eram fruto dos ingredientes próprios e de segredos herdados a que o lume brando da lareira requintava o paladar.

Não deixava de ser estranho que tanto desse, quem pouco tinha, e negasse, avaro, quem muito podia. Eram esses os tempos, ainda são assim as pessoas.

Ceavam primeiro as crianças, por questão de espaço e de impaciência; passavam depois à sopa os mais velhos, antes de se fartarem no bacalhau, repolho e batatas, regados com azeite. Só depois de esgotado o vinho no garrafão e de se ver o fundo à panela se entrava nas sobremesas, nas aguardentes e na jeropiga.

As crianças impacientavam-se com a demora do menino Jesus que raramente trazia os presentes que pensavam, mas se conformariam com os que viessem. Os adultos sugeriam-lhes a cama enquanto os sapatos rodeavam a lareira à distância conveniente do lume que ainda crepitava. O sono ia-as vencendo, adormecendo primeiro as mais pequenas, que as mães e a avó iam depositando em camas improvisadas.

No pouco espaço disponível havia ainda lugar para o presépio, uma ingénua encenação do mito cristão que o pinheiro, oriundo de outras culturas, havia de substituir num prenúncio da globalização, para acabar feito de plástico, cheio de bolas coloridas.

De manhã, à medida que acordavam, os miúdos corriam para a chaminé, ansiosos por encontrar as prendas, e exultavam com os presentes.

O Menino Jesus, que então descia pelas chaminés, foi substituído pelo Pai Natal, a viajar de trenó, puxado por renas, em terras onde só a neve fazia jus à nova fábula que roubou o encanto dos musgos, da serradura, do algodão em rama e dos animais que rodeavam o menino de barro, deitado em berço de palha.

Nos sapatinhos, onde então cabiam os chocolates e os carrinhos de corda que faziam as delícias das crianças, o terço para a tia beata ou a onça de tabaco para o avô, não cabem hoje os jogos de computador, esperados sem ansiedade, nem os volumosos presentes embrulhados em papel reluzente.

Alguns pais ainda voltam aos sítios de origem para mostrar os netos aos avós, com o mesmo ar de enfado com que os levam ao Jardim Zoológico a ver a girafa e o elefante ou os metem nos Centros Comerciais. Mas o mais frequente é tirar os velhos da toca e pô-los a fazer o percurso inverso, com 50% de desconto no preço do bilhete, num exílio que começa na véspera da consoada e termina no início do Ano Novo, com a devolução ao habitat.

Mudaram-se os tempos. Do Natal que havia, resta a recordação das crianças que foram.

https://ponteeuropa.blogspot.com/2024/12/natal-escrito-em-2006.html
 

Carlos Coutinho - Vasco da Gama


* Carlos Coutinho
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MORREU para uns e nasceu para outros – é o mínimo que se pode dizer do passamento de Vasco da Gama, em Cochim, na noite de 25.1.1524, dando a oportunidade a Yechua, também conhecido por Jesus que tinha nascido no mesmo dia, mas um mês e 1524 anos antes, para justificar as grandes comezainas que os cristãos passaram a fazer pelo mundo fora na noite que chamam de Consoada.

Morreu o navegador alentejano, concluída que fora a sua terceira viagem à Índia, cumprindo a rota marítima que abrira em 1498,  por encomenda régia. Tinha ele 58 anos e o rei D. João III  já o tinha nomeado vice-rei da Índia.

Para sabermos de certeza certa do que estamos a falar, o melhor é socorrermo-nos da síntese elaborada por Francisco Bettencourt, que recorda uma primeira viagem do Gama, escassa de rendimento, mas abundante em revezes e desfeitas do samorim de Calicute, e, depois, uma segunda, em 1602, mais bem preparada e, para nossa eterna vergonha, recheada de crueldade e forjadora do terror que ainda tentamos não recordar.

Fora, entretanto, criada uma feitoria na Ilha de Moçambique, estabelecida a ligação com Sofala e imposto o tributo de Quiloa. Na costa da Índia, a política de vingança contra o samorim levou a um ato de inaudita barbaridade contra um navio de mercadores daquela cidade que regressava de uma peregrinação a Meca. 

O Gama ordenou que fosse pilhado e queimado, com as pessoas a bordo, tendo as crianças sido raptadas para virem a ser cristianizadas. Dado que o samorim não vergou, muitas dezenas de pescadores locais foram sequestrados, enforcados e pendurados nos mastros dos navios portugueses, coisa que Luís de Camões optou por ignorar na sua epopeia, mas que deixou naquelas terras a má fama de um chefe de piratas apelidado Gama, que era português e cristão, como os cruzados de antigamente que até a antropofagia em certa altura praticaram. 

A terceira viagem do monstruoso Gama, empreendida supostamente para debelar a crise deixada pelo governador que nunca chegou ser vice-rei, Duarte de Meneses, não deixou recordações especiais, já que o navegador sineense, com a patente de almirante,  contraíra a malária lá pelo multicultural Industão e acabou por falecer muito zangado também com a justiça divina.

Os seus ossos, se ainda não se desintegraram, estão num riquíssimo túmulo, em Lisboa, no panteão inigualável dos Jerónimos, na vizinhança do de Camões que, com idêntica pompa, não passa de um cenotáfio vazio de estrofes e de estâncias decassilábicas. 

A memória de Vasco da Gama na então Índia Portuguesa foi dilacerada por querelas de fação entre os seus descendentes e os de Afonso de Albuquerque, o conquistador de Goa, Malaca e Ormuz, os três nós do comércio luso no Oriente. Foi Francisco da Gama, vice-rei da índia de 1597 a 1601, quem ordenou a criação de uma estátua ao seu bisavô no Cais da Ribeira, monumento que foi vandalizado por gente afeta aos Albuquerques e a outro vice-rei, um tal Aires de Saldanha. 

Reapareceu já no século XIX a imagem do mitificado Gama, agora no Arco da Rua Augusta, acompanhada pelas de Viriato, Nuno Álvares Pereira e Marquês de Pombal, com o mulherengo D. José em frente, de costas para o Paço e com o Cais das Colunas a servir de miradouro para ver Cacilhas, muitos navios de travessia e quase tudo o que rodeia o Mar da Palha. 

Foi Veloso Salgado, um pintor naturalista nortenho, quem pintou este retrato, mostrando um elegante siniense que, além de Vasco, também era Gama, como  pai que pertencia à Ordem de Santiago, sendo detentor da respetiva comenda e exercendo os cargos de alcaide-mor e capitão da vila de Sines.

2024 12 23
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sábado, 21 de dezembro de 2024

Bernardo Mendonça - A democracia está encostada à parede

 A Beleza das Pequenas Coisas

* Bernardo Mendonça

Jornalista

Vamos lá ver se a gente se entende: O que seria do nosso país, ou mesmo da Europa, se não contasse com a expressiva força de trabalho dos imigrantes?

Seja na área dos transportes, da agricultura, da construção civil, das pescas, da restauração e hotelaria, na saúde, nos lares ou apoio de idosos, no turismo, e por aí fora. Parava. Falia. Dava o berro. Desacertava o passo neste mundo competitivo e veloz.

Ajit Hanssraj, presidente cessante da comunidade hindu, recordou ontem que são tantas vezes os imigrantes que asseguram o “3D  ork”: Difficult (difícil), Dirty (sujo), Dangerous (perigoso).

Em troca, Portugal tem a obrigação moral e ética de garantir de volta dignidade e direitos humanos, respeitando e integrando todas as pessoas que escolhem viver e contribuir para o nosso país.

A desconfiança com base em nada

Que não haja dúvidas, os imigrantes ajudam a sustentar a economia, além de nos trazerem mais mundo e diversidade cultural.

Mas há quem olhe para eles com desconfiança, e o governo parece alimentar de forma irresponsável esse desconforto, com base em coisa nenhuma.

No ano em que se celebram os 50 anos do 25 de abril, e a poucos dias do Natal, a PSP e o governo presentearam esta quinta-feira várias dezenas de imigrantes na rua do Benformoso, no Martim Moniz, com um tratamento maldoso, humilhante e perverso, digno do antigo regime fascista.

Como se de um pelotão de fuzilamento se tratasse.

Senti vergonha alheia e repúdio pela forma como aquelas pessoas, só por serem imigrantes, foram encostadas à parede, de costas, como se ali estivesse um gangue de perigosos rufias, pronto a prevaricar.

Quem prevaricou, afinal?

“Prevaricar”, de acordo com o dicionário, significa “trair, por interesse ou má-fé, os deveres do seu cargo ou ministério ou abusar do exercício do cargo.”

Ora quem prevaricou foi o governo e a polícia. Porque não havia razões com base em dados sólidos e concretos para aquela ação espalhafatosa e daquela dimensão. E o governo deve ser questionado e escrutinado sobre isto. As críticas somam-se.

Não podemos deixar que este tipo operações, dirigidas a comunidades inteiras de bairros, sejam normalizadas. Elas passam uma mensagem clara e perigosa:

Para este governo todas as pessoas imigrantes da comunidade do subcontinente indiano são criminosas, até prova em contrário, forjando e reforçando a percepção errada de intranquilidade social. O mesmo que tem acontecido no bairro do Zambujal.

Isto para validar uma série de políticas discriminatórias e persecutórias de minorias étnicas.

Montenegro afirmou que esta operação especial foi “importante” para criar “visibilidade e proximidade” no policiamento e para aumentar a sensação de “segurança” e “tranquilidade”. Só que não. O que Montenegro fez foi encostar os valores da nossa democracia à parede.

E não só enxovalhou de forma gratuita a comunidade de imigrantes hindu, como deixou o país com a cara da vergonha, pelo passado e presente tão marcado pela emigração.

Como nos sentiríamos se o governo francês (ou inglês) decidisse fazer o mesmo aos muitos portugueses que lá trabalham?

Percepções erradas e injustas

Não há qualquer indício de que os imigrantes em Portugal criem mais insegurança e mais criminalidade, como vem provar o Barómetro da Imigração da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). O que existem são percepções erradas, irreais, injustas e infundadas.

Mas com tudo isto, um novo sentimento de choque, medo e revolta cresce. E não, não é medo dos imigrantes. É choque com este governo de coligação à direita, com tiques xenófobos, racistas e autoritários, cada vez mais alinhado com uma certa visão de mundo alarve da extrema-direita, a instigar o ódio e a desconfiança contra as minorias raciais e étnicas.

Precisamos de um governo democrático e humanista, seja à direita ou à esquerda, para não ficarmos reféns de delirantes narrativas securitárias e extremistas, que alimentam percepções erradas, a colocar uns contra os outros, numa crescente incapacidade de lidar com a diversidade, encostando-a à parede. Onde isto vai parar?

Recordo as palavras da minha entrevistada desta semana, a escritora Patrícia Portela:

“2024 é o ano em que a Europa Unida vai nua, escondendo-se atrás de um finíssimo fio dental de hipocrisia de cada vez que aborda temas como os refugiados, a imigração ou os conflitos que se desenrolam às suas portas.”

Deixo uma sugestão Natalícia

Este Natal sugiro que façam algumas das vossas compras no Martim Moniz, no comércio local, com preços bem em conta.

Levem toda a vossa família, as vossas crianças e, nesse passeio, descubram novos condimentos, produtos e alimentos nas mercearias e lojas do bairro, ou nos dois centros comerciais que lá existem, comam por ali uma refeição, falem com as pessoas imigrantes que por ali trabalham, que são simpáticas, educadas e prestáveis.

E perceberão que aquela zona é mesmo segura e que o que talvez falte ao primeiro-ministro Luís Montenegro é coragem para furar a sua bolha de privilégio para conhecer melhor aquele bairro lisboeta (que já agora, sempre foi multiétnico), e perceber os anseios e lutas da população do bairro, que faz parte da força de trabalho deste país.

Talvez a sua percepção mude se provar uma bela e doce ‘bebinca’ indiana, conversar com os imigrantes locais, com empatia, interesse e curiosidade, pois aquelas pessoas, acima de tudo, trazem multiculturalidade a Lisboa. A insegurança não mora ali.

NOTA: Como reacção de repúdio ao que aconteceu esta quinta-feira na Rua do Benformoso, está a ser organizada uma manifestação por um grupo de cidadãos no próximo dia 11 de Janeiro, com o ponto de encontro marcado às 15h, na Alameda, numa marcha até à Praça do Martim Moniz, sob o mote “NÃO FIQUES ENCOSTADO À PAREDE, MARCHA.” Que seja uma grande manifestação!

https://expresso.pt/newsletters/newsletter-a-beleza-das-pequenas-coisas/2024-12-21

Maria Castello Branco - Um País Encostado à Parede

Opinião

Maria Castello Branco
Comentadora política da CNN Portugal, autora do podcast Lei da Paridade

Montenegro não combate a insegurança; fabrica-a. Cria um cenário onde o medo é a norma, porque sabe que um país com medo é um país que aceita tudo — até o inaceitável.

Luís Montenegro prefere esconder-se atrás da democracia do que governar com ela. Não governa com princípios, nem com factos, muito menos com pessoas. Governa com perceções. Para o Primeiro-Ministro, o que conta não é o que é justo, legal ou eficaz. O que conta é parecer que faz alguma coisa. O resto que se ajuste ao teatro.

É o governo do “parece que”. Parece que há segurança porque encostamos dezenas de pessoas à parede. Parece que o país está protegido porque colocamos trabalhadores imigrantes e minorias na posição de alvos fáceis. Parece. Só parece.

E Montenegro admite sem hesitação: encostar pessoas à parede é importante. Com esta declaração, o primeiro-ministro faz questão de nos recordar que o seu projeto de poder não tem espaço para subtilezas. Para Montenegro, não é preciso crime. Não é preciso investigação. Basta a perceção de que alguém – que coincidentemente nunca é alguém como ele – pode ser uma ameaça.

E aqui está a verdade: isto pode acontecer a qualquer um de nós. Hoje é no Martim Moniz. Amanhã pode ser em qualquer praça, rua ou estação de metro. Pode ser contigo, com a tua família, com os teus amigos. Porque, no fim, esta política não tem rosto, não tem alvo específico – tem apenas um objetivo: o medo.


O Governo quer que aceitemos esta ideia de que a segurança pública exige sacrifícios, mesmo que esses sacrifícios incluam os nossos próprios direitos e liberdades. Quer que acreditemos que isto é normal, que ser revistado sem motivo ou tratado como suspeito é apenas o preço de viver num país “seguro”.

Mas não há nada de seguro nisto. Não há nada que impeça estas operações de acontecerem em qualquer lado, a qualquer momento, a qualquer pessoa. E é exatamente isso que as torna tão perigosas. O que Montenegro nos está a dizer, com estas ações, é que ninguém está realmente protegido. Hoje são eles, amanhã somos nós.

O problema não é só a humilhação pública de dezenas de pessoas encostadas a uma parede, sob os holofotes da polícia e os flashes das câmaras. O problema é o que isto diz sobre o país que estamos a aceitar. Somos governados por alguém que prefere o espetáculo à substância, a teatralidade da força à verdadeira proteção da sociedade.

No entanto, este episódio não é apenas sobre Luís Montenegro. É sobre o que permitimos enquanto sociedade. Estamos dispostos a viver num país onde a polícia pode encostar-nos à parede porque sim? Onde a dignidade é opcional e os direitos são descartáveis? Montenegro acredita que sim. Que basta empilhar perceções para que não reste espaço para perguntas.

Quando as pessoas encostadas já não forem as "de sempre", serão outras pessoas. E quando aceitarmos que os nossos direitos podem ser ignorados em nome de uma falsa sensação de segurança, eles já não serão direitos – serão concessões temporárias.

Montenegro não combate a insegurança; fabrica-a. Cria um cenário onde o medo é a norma, porque sabe que um país com medo é um país que aceita tudo — até o inaceitável.

E há outra questão: quem foram as pessoas encostadas à parede? Não foram criminosos conhecidos ou procurados pela polícia. Foram cidadãos comuns, pessoas que estavam no Martim Moniz a viver as suas vidas. Muitos deles imigrantes, outros apenas desafortunados o suficiente para estar no lugar errado, à hora errada, sob um Governo que decidiu fazer deles um exemplo. Montenegro usa estas pessoas como figurantes na sua narrativa de força. E fá-lo sem remorsos, porque, para ele, são números. São perceções. Não são pessoas.

No entanto, este episódio não é apenas sobre Luís Montenegro. É sobre o que permitimos enquanto sociedade. Estamos dispostos a viver num país onde a polícia pode encostar-nos à parede porque sim? Onde a dignidade é opcional e os direitos são descartáveis? Montenegro acredita que sim. Que basta empilhar perceções para que não reste espaço para perguntas.

Mas aqui está uma pergunta que importa fazer: até onde vai isto? Porque, quando a parede do Martim Moniz já não for suficiente, haverá outras. Quando as pessoas encostadas já não forem as “de sempre”, serão outras.

E, quando aceitarmos que os nossos direitos podem ser ignorados em nome de uma falsa sensação de segurança, já não serão direitos – serão concessões temporárias.

Luís Montenegro escolheu governar pelo medo, mas o país não precisa de um primeiro-ministro que encosta pessoas à parede.

Precisa de alguém que as tire de lá.

https://expresso.pt/opiniao/2024-12-21

Porfírio Silva - Ontem fomos todos encostados à parede no Martim Moniz



* Porfirio Silva

Ontem, numa rua de um bairro de Lisboa, pessoas, muitas pessoas, foram indiscriminadamente mandadas encostar à parede e sujeitas a revista policial, no quadro de um aparato mandado montar para mostrar essa humilhação coletiva a determinados grupos étnicos ou raciais (embora, cientificamente, não existam raças humanas, mas apenas a raça humana). Uma operação desta natureza não podia acontecer sem motivos fortes – e desses motivos, suficientemente concretos, a opinião pública devia ser adequadamente esclarecida. Ora, segundo se sabe, desse espetáculo lamentável resultou a apreensão de uma arma branca e de canábis. A desproporção entre os meios e os resultados, mais as declarações do primeiro-ministro, denunciam o fito puramente propagandístico da operação. As forças policiais estão a ser usadas para fins político-partidários, isto é, para tentar obter uma transferência de votos entre partidos da direita portuguesa, à custa do respeito que devemos a todas as pessoas que vivem na nossa comunidade.

Não por acaso, a zona escolhida para aquela humilhação coletiva e seletiva é conhecida pela forte presença de imigrantes. O governo não se atreveria a produzir este espetáculo numa rua de Cascais ou do Estoril, porque, aí, as perceções preconceituosas que alimentam estas manobras não funcionariam no sentido desejado pelos instigadores. Seguindo uma estratégia de cavar divisões, o governo está, repetidamente, a criar as condições para uma fratura social que julgávamos impossível na nossa sociedade. Não se trata de pretender que não havia racismo entre nós, porque havia. Trata-se de que, até há pouco, não havia nenhuma pessoa decente e com responsabilidades públicas que enveredasse pelo caminho de explorar o racismo existente, latente, subliminar, para espicaçar perceções distorcidas, erradas e contrárias aos dados existentes, apenas como parte de um jogo de pequena política. Hoje, essa espécie, que devia ser rara, tem um espécime na chefia do governo.

Efetivamente, pelo que diz, o primeiro-ministro parece ter sido o mandante desta ação. Não deu nenhuma justificação, nenhuma explicação, nem apresentou nenhum resultado que, pelo menos remotamente, indiciasse qualquer lógica assente na legalidade democrática que estivesse subjacente ao teatro público montado para humilhar pessoas que vivem entre nós e que contribuem para a nossa humanidade comum. A sua explicação é vergonhosa, quando assume que labora na manipulação de perceções.

O primeiro-ministro foi capturado pela extrema-direita. Não somos capazes de precisar se o primeiro-ministro sabe de história o suficiente para compreender que encontramos antecedentes destas práticas de humilhação de grupo para fins políticos na estratégia do partido nazi na Alemanha da primeira metade do século passado ou se é levianamente que o primeiro-ministro entra pelo caminho infernal do acirrar divisões de grupo na sociedade do Portugal onde vivemos.

O que sabemos é que todos os portugueses de paz, respeitadores da Constituição e da legalidade, aderentes aos princípios fundadores dos direitos humanos, foram ontem colhidos por aquela ação numa rua de Lisboa. O que sabemos é que somos todos ameaçados com ações, como aquela, que pretendem acirrar a desconfiança, e até o despeito e a raiva, entre pessoas que são, desta forma, acantonadas em identidades grupais que alguns pretendem transformar em antagónicas. O que sabemos é que todos perdemos com esta ameaça, politicamente inspirada, à concórdia entre membros da comunidade dos humanos que vivem no nosso país. Por isso, ontem fomos todos encostados à parede no Martim Moniz, e isso foi obra de quem nos governa e trai, por truque político, os seus deveres e responsabilidades. 


Porfírio Silva, 20 de Dezembro de 2024

https://www.blogger.com/blog/post/edit/7624295442706210520/5974648759229395149
https://accaosocialista.pt/#/1631/ontem-fomos-todos-encostados-a-parede-no-martim-moniz
 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Ricardo Esteves Ribeiro - Prémios de Jornalismo Direitos Humanos & Integração


Discurso, feito por Ricardo Esteves Ribeiro, jornalista, na cerimónia de entrega de prémios, no dia 10 de dezembro, no Palácio das Necessidades, em Lisboa:


“Obrigado pelo prémio. Obrigado à Comissão Nacional da UNESCO e à Estrutura de Missão para a Comunicação Social do estado português. E parabéns a todas as outras jornalistas nomeadas e vencedoras.

Desde 2021, o júri dos Prémios de Jornalismo Direitos Humanos & Integração reconhece ao Fumaça trabalho de jornalismo digno de ser homenageado. E desde 2021 reconhecemos a ironia desta entrega de prémios. O estado português e o Ministério dos Negócios Estrangeiros (dentro do qual trabalha a Comissão Nacional da UNESCO) premeiam investigações e reportagens jornalísticas que demonstram falhas do estado. “Trinta e dois e setecentos”, tal como outros trabalhos sobre saúde e doença mental, espelha o desinvestimento público reiterado nas estruturas de cuidado e prevenção de problemas psicológicos e doenças psiquiátricas.

Mas no ano passado, falámos de uma ironia ainda maior: a de o Ministério dos Negócios Estrangeiros premiar uma redação jornalística que, desde a sua génese, se foca em reportar como o projeto colonial sionista está há décadas a efetivar a limpeza étnica do povo palestiniano com o apoio ou silêncio de sucessivos governos portugueses. 

Há exatamente um ano, subimos a este palanque para denunciar a cumplicidade incondicional do então governo português no genocídio em curso em Gaza. Dissemos muito claramente: “O ministro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o governo escolheram o seu lado. E têm sangue palestiniano nas mãos. Não vai ser fácil lavá-lo.” 

Entretanto, o governo mudou, não a política. No passado maio, Paulo Rangel disse ao jornal El País que “seria muito injusto dizer que Israel pretende eliminar o povo palestiniano”. Nesta altura, 35 mil pessoas palestinianas tinham sido mortas em cerca de sete meses. Recusou que estaríamos a assistir a um genocídio. A entrevista foi publicada dias antes do 76º aniversário da Nakba, em que mais de 500 vilas foram destruídas e centenas de milhares de pessoas feitas refugiadas durante a criação do “estado de Israel”. 

Também foi o ministro Paulo Rangel quem, há poucos meses, negou que o navio MV Kathrin, com a bandeira portuguesa hasteada, levava explosivos para armas a usar contra pessoas palestinianas. Apenas com a pressão da população foi o ministro  obrigado a reconhecer esse encobrimento, que garantiria a expansão de um arsenal usado para perpetuar um genocídio.  E nunca decidiu que o estado português deveria retirar proteção legal ao barco (foi a empresa a pedi-lo).

E a 7 de outubro de 2024, no aniversário do maior intensificar do genocídio palestiniano desde 1948, com mais de 40 mil pessoas palestinianas mortas, das quais pelo menos 137 são jornalistas, milhares presas sem acusação nem julgamento, tortura e raptos em massa, condições de higiene epidémicas, centenas de milhares de pessoas refugiadas, fome generalizada e uma expansão colonial na Cisjordânia, Líbano, Iraque, Iémen e Síria, Paulo Rangel decidiu passar o dia ao lado do embaixador colonial sionista. 

Nunca, neste ano de mandato, Paulo Rangel sancionou o estado sionista, as empresas que lucram com ele ou boicotou a produção de armas que diretamente assassinam pessoas palestinianas. 

Hoje, 10 de dezembro, é celebrado internacionalmente o Dia dos Direitos Humanos. Por isso, perguntamos: para que servem, para o governo e estado portugueses, os chamados “direitos humanos”? São muletas das quais se lembram para, de quando em vez, entregarem prémios a jornalistas? São metáforas que utilizam para enfeitar bonitas cerimónias onde batemos palmas umas às outras, como se tudo estivesse bem? Ou são parte de um projeto colonial criado para perpetuar desequilíbrios racistas e manter no poder quem é branco? Se “direitos humanos” realmente existem, então, para o governo português, só pode haver uma maneira de resolver este dilema: pessoas palestinianas não são humanas. Estão na zona do “não ser”, são bestas. E, portanto, não têm direito a direitos.

O ministro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o governo escolheram o seu lado. Têm sangue palestiniano nas mãos. Não vai ser fácil lavá-lo.

Obrigado.” 


https://fumaca.pt/premio-direitos-humanos-unesco-saude-mental-palestina/

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Caitlin Johnstone - ONDE A AGRESSÃO REALMENTE COMEÇA? -


quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

* Caitlin Johnstone

Promotores de Nova York acusaram Luigi Mangione de “assassinato como ato de terrorismo” pelo suposto assassinato do CEO da seguradora de saúde Brian Thompson no início deste mês.

Esta notícia sai ao mesmo tempo que uma reportagem do Haaretz intitulada “ 'Sem civis. Todos são terroristas': Soldados da IDF expõem assassinatos arbitrários e ilegalidade desenfreada no corredor Netzarim de Gaza. ” A reportagem contém depoimentos de tropas israelenses de que civis estão sendo assassinados em Gaza e, então, estão sendo retroativamente designados como terroristas para justificar sua execução.

“Estamos matando civis lá, que são considerados terroristas”, disse um oficial recentemente dispensado ao Haaretz.

Essas duas histórias juntas dizem muito sobre a maneira como o rótulo “terrorista” é usado sob o guarda-chuva do poder centralizado dos EUA.

O cara que atirou no CEO do seguro saúde é um terrorista, mas as pessoas que sistematicamente massacram civis em Gaza não são terroristas. As pessoas que lutam contra aqueles que estão massacrando civis são terroristas, e os não combatentes estão sendo categorizados como pertencentes a essa organização terrorista para justificar matá-los. Os afiliados da Al-Qaeda na Síria eram terroristas, mas agora são um regime fantoche dos EUA, então em breve não serão terroristas  — mas precisam ser designados terroristas por mais um tempo porque a alegação de que a Síria está infestada de terroristas é a justificativa de Israel para suas recentes apropriações de terras lá. O grupo militante uigur ETIM costumava ser um grupo terrorista, mas agora não é um grupo terrorista porque pode ser usado para ajudar a dividir a Síria e talvez lutar contra a China mais tarde. O IRGC é uma ala militar de uma nação soberana, mas conta como um grupo terrorista por causa de vibrações ou algo assim.

Está claro o suficiente?

Na verdade, o rótulo “terrorista” nada mais é do que uma ferramenta de controle da narrativa imperial que é movida com base em se o uso da violência por alguém é considerado legítimo ou não pelos gerentes do império. Como o suposto crime de Mangione acendeu um interesse público na guerra de classes, o rótulo “terrorismo” está sendo usado para enquadrá-lo como um ato especialmente hediondo de maldade contra um membro inocente do público.

O truque favorito do império é começar o registro histórico no momento em que seus inimigos retaliam seus abusos. Ah, não, um CEO de seguro saúde foi vítima de um ato maligno de terrorismo. Ah, não, Israel estava apenas inocentemente cuidando de seus próprios negócios quando foi violentamente atacado pelo Hamas. Ah, não, o Irã atacou Israel completamente do nada e agora Israel deve retaliar. Ah, não, a Rússia acaba de lançar uma guerra totalmente sem provocação contra a Ucrânia.

Tudo o que levou ao ato não autorizado de violência é apagado do registro, porque toda a violência, provocação e abuso que deram origem ao ato não autorizado de violência foram autorizados pelo império. Agressão autorizada não conta como agressão.

Quem controla a narrativa controla o mundo. Se você controla a narrativa, pode controlar não apenas quando o registro histórico de violência começa, mas que tipos de violência se qualificam como violência. Matar pessoas privando-as de assistência médica porque negar serviços de assistência médica é como sua empresa aumenta suas margens de lucro? Isso não é violência. Infligir tirania e abuso a um grupo étnico deliberadamente marginalizado em um estado de apartheid? Isso não é violência. Violência é quando você responde a essas agressões enérgicas com agressões enérgicas suas.

Se quisermos nos tornar uma sociedade saudável, teremos que parar de permitir que algumas formas de violência, agressão e abuso sejam redigidas dos registros oficiais enquanto outras são listadas e condenadas. Aqueles que se importam com a verdade e a justiça respondem por todas as formas de violência, agressão e abuso, não apenas aquelas que incomodam os ricos e poderosos.

É um ato de agressão fazer coisas que deixam os outros doentes e empobrecem, a fim de aumentar sua própria riqueza.

É um ato de agressão poluir a biosfera da qual todos dependemos para sobreviver, a fim de aumentar nossas margens de lucro.

É um ato de agressão usar sua riqueza para manipular a política de sua nação de maneiras que exacerbem a desigualdade e a injustiça.

É um ato de agressão manter um estado de apartheid que não pode existir sem violência incessante.

É um ato de agressão cercar a Terra com bases militares e cercar nações que desobedecem seus ditames.

É um ato de agressão tentar governar o mundo usando violência militar, conflitos por procuração, golpes encenados, ameaças, sanções de fome e coerção financeira e econômica.

Todos esses são atos de agressão, e qualquer retaliação contra eles nunca será um ataque não provocado. À medida que avançamos para o futuro enquanto esses abusos se exacerbam, vai se tornar muito importante manter uma consciência aguda disso.

* O trabalho de Caitlin Johnstone é totalmente compatível com o leitor, então se você gostou deste artigo, considere compartilhá-lo, seguindo-a no Facebook, Twitter, Soundcloud, YouTube, ou jogar algum dinheiro em seu pote de gorjetas Kofi, Patreon or Paypal. Se você quiser ler mais você pode compre os livros dela. A melhor maneira de garantir que você verá o que ela publica é se inscrever na lista de discussão em seu site ou na subpilha, que receberá uma notificação por e-mail sobre tudo o que ela publicar. Para obter mais informações sobre quem ela é, sua posição e o que está tentando fazer com sua plataforma, clique aqui. Todos os trabalhos são de coautoria com seu marido americano Tim Foley.

Este artigo é de Caitlin Johnstone.com.au e republicado com permissão 

# Traduzido em português do Brasil 

https://paginaglobal.blogspot.com/2024/12/onde-agressao-realmente-comeca-caitlin.html

Ricardo Reis - [Quando, Lídia, Vier o Nosso Outono]

* Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa)

Quando, Lídia, vier o nosso Outono
Com o Inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o Estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa —
O amarelo actual que as folhas vivem
E as torna diferentes.

Odes de Ricardo Reis – Fernando Pessoa. 

Fernando Pessoa - [Não quero rosas, desde que haja rosas]

* Fernando Pessoa

Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?

Não quero a noite senão quando a aurora
A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quero possuir.

Para quê?... Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria...
Ah, com que esmola a aquecerei?...

7-1-1935
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa.

Eugénio de Andrade - [Foi para ti que criei as rosas]

* Eugénio de Andrade

Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.

Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
um corpo aberto como os animais.

Eugénio de Andrade, Primeiros Poemas · As Mãos e os Frutos · Os Amantes sem Dinheiro

John Keats - Bright star

* John Keats 

Estrela brilhante, fosse eu como tu és constante -
Não em solitário esplendor no alto do céu pendurado
E com as eternas pálpebras abertas vigilante,
Como um eremita da natureza paciente e acordado,

As águas movendo-se em sua tarefa sacerdotal
De pura ablução nas praias da terra inteira
Ou observar a máscara virginal
da neve sobre cada charneca e cordilheira -

Não - apesar de ainda constante, imutável ainda,
Acomodado sobre o seio maduro da minha amada linda,
Sentir para sempre seu suave subir e descer,

Despertar para sempre em doce desassossego,
Ainda, ainda ouvir seu delicado ofego,
E viver para sempre - ou então na morte desfalecer.


(Poema "Bright Star", de John Keats,1795-1821, traduzido por Alex Raymundo)


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Bright star! would I were steadfast as thou art—

     Not in lone splendour hung aloft the night,

And watching, with eternal lids apart,

     Like Nature's patient, sleepless Eremite,

The moving waters at their priestlike task

     Of pure ablution round earth's human shores,

Or gazing on the new soft fallen mask

     Of snow upon the mountains and the moors—

No—yet still steadfast, still unchangeable,

     Pillow'd upon my fair love's ripening breast,

To feel for ever its soft fall and swell,

     Awake for ever in a sweet unrest,

Still, still to hear her tender-taken breath,And so live ever—or else swoon to death.