segunda-feira, 7 de abril de 2025

Manuel Durand Clemente - “O 25 de Abril que Novembro traiu"

       


Associação Conquistas da Revolução - ACR

VOZ DO OPERÁRIO, 5 de Abril de 2025


* Manuel Durand Clemente

APRESENTAÇÃO 

1.Os fantasmas de todas as revoluções derrotadas, ou desvirtuadas, ao longo da história, renascem sempre em novas experiências, assim como os tempos presentes foram engendrados pelas contradições do passado. Parafraseando Eduardo Galeano: “a História é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi anuncia o que será. A memória é subversiva por ser diferente, e também projecto de futuro”. Neste livro deixo-lhes a memória subversiva de experiências vividas, que não são opinião nem interpretação; são informações para aclarar alguns factos. Conspirei e actuei com muito empenho, vários anos antes da Revolução de Abril, com civis e militares antifascistas e anticolonialistas; faço parte dessa geração intrépida que derrubou uma ditadura a cair de podre. Lembro-me, que no dia da vitória da nossa Revolução, os portugueses regozijaram-se e viveram uma euforia emancipatória de intensa participação colectiva, reivindicaram o direito à palavra e ocuparam as ruas como espaço de libertação. Mas, à medida que as promessas de justiça social se concretizavam, surgiram os golpes e os contragolpes reacionários para as asfixiar… Em certo sentido a direita tinha razão, quando se identificava com a tranquilidade e com a ordem. Porque a ordem é a duradoura humilhação da classe trabalhadora, mas sempre é uma ordem – a tranquilidade de que a injustiça continua injusta, e a pobreza aumenta. A nossa Revolução viveu tempos duros e difíceis, de contradições e sacrifícios. Os próprios portugueses confirmaram que o socialismo se construía com o esforço de todos, e que a revolução não era nenhum passeio… As sucessivas mudanças de governos culminaram na fúria das agressões contra o Primeiro-ministro Vasco Gonçalves e seus apoiantes, por serem a expressão não mascarada da luta de classes: o perigo real. E esta revolução acossada, que suportou traições sem limites, não caiu em ditadura por ter sido defendida pelo povo. As bandeiras da revolução social, que os coveiros da Revolução de Abril enterraram em Novembro, defendiam as nacionalizações das empresas estratégicas e a expropriação dos grandes agrários que teimavam em boicotar o desenvolvimento económico do país (um dos três “Ds” inscritos no Programa do Movimento das Forças Armadas).

2 Cinquenta anos passados recordo neste livro o descontrole e precipitação com que as autoridades militares analisaram os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975. Pelo carácter irreversível de afirmações e posições políticas assumidas por altos responsáveis, que não garantiram um julgamento justo aos “supostos implicados no designado golpe comunista”. Os militares e civis, presos e exilados após o 25 de Novembro, sofreram as vicissitudes de um ambíguo processo revolucionário. Humilhados e ultrajados, foram vilmente condenados à priori, por um sistema militar “novembrista” que subverteu os direitos universais. E para que conste, na memória futura, as averiguações não apuraram a Verdade que interessava ao país e à revolução dos trabalhadores, mas às forças mais reacionárias da sociedade portuguesa. “Só a verdade é revolucionária!”, escreveu António Gramsci. E George Orwell também disse algo semelhante, ao afirmar que "numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um acto revolucionário!" Por isso, escrevi estas crónicas para responder a muitas questões e inquietações que me zumbem na cabeça, e o que escrevi desfruta de um sentimento coletivo sempre que coincide com experiências comuns. Sei que pode parecer sacrilégio que algumas crónicas falem de determinados acontecimentos ao estilo de um romance de pirataria, mas confesso que me repugna ler obras de certos sociólogos, politólogos, ou historiadores, que escrevem em código. No meu caso, escrevi para divulgar experiências vividas e ideias alheias, que talvez ajudem, na justa medida, a clarificar as dúvidas que perseguem há cinquenta anos alguns dos ditos “vencidos” da Revolução. Porque nos mentem sobre o passado, como nos mentem sobre o presente, para mascararem a realidade. Para nos incutirem uma memória hegemónica, fabricada, alienada, dissecada e estéril. De maneira a resignarmo-nos e a perdermos a esperança na Humanidade. Há uma tendência para pensarmos que o presente é imutável, e esquecemo-nos de quantas vezes, ao longo da História, fomos surpreendidos pelo colapso de instituições, por mudanças extraordinárias nas mentalidades, por explosões inesperadas de rebelião popular e pelo colapso de regimes políticos que pareciam invencíveis.

3 Por isso, as coisas más que hoje acontecem não são mais do que repetições de coisas que sempre aconteceram, como as guerras, o racismo, o fanatismo religioso e nacionalista, os maus-tratos infligidos às mulheres, a desigualdade social, a fome, etc. etc. O bom, por outro lado, é o inesperado. Inesperado e explicável através de certas verdades, que de vez em quando explodem e que tendemos a esquecer. Mas convém não esquecer que a Revolução de Abril foi o culminar de lutas de muitas gerações por uma sociedade mais justa, para conquistarmos a liberdade e o direito de votarmos livremente. Hoje, muitas pessoas protestam contra um sistema capitalista que favorece “os donos do capital”, mas falham o alvo sempre que culpam os imigrantes, os ciganos, os negros ou as comunidades mais desfavorecidas. Por isso, precisamos urgentemente de criar um sistema mais justo e igualitário que combata os discursos populistas da extrema direita. O que ainda me encoraja é justamente essa possibilidade de mudança, apesar do racismo, da xenofobia, da discriminação sexual, da pobreza, das crises económicas que envenenam a nossa sociedade, e das guerras. As guerras invocam sempre motivos nobres, quer seja em nome da Paz, de Deus, da civilização, do progresso ou da democracia, e se por via das dúvidas nenhuma dessas mentiras for suficiente, os meios de comunicação social estão dispostos a inventar novos inimigos imaginários “para justificarem a conversão do mundo num grande manicómio e num imenso matadouro”, como afirmou Eduardo Galeano. Tudo isto porque as armas exigem guerras e as guerras exigem armas, e os países que dominam as Nações Unidas, com poder de veto, são os principais produtores de armas. Nunca escondi as minhas opiniões políticas: o meu ódio à guerra e ao militarismo, a minha fúria perante a desigualdade social, a minha crença no socialismo, como distribuição justa e racional da riqueza. Sabemos que a dinâmica interna do capitalismo continuará a gerar crises económicas, a destruir o meio ambiente, a aumentar a pobreza, e que com a Inteligência Artificial, os novos “donos do capital” podem substituir a verdade dos factos por falsidades, e comprometer o futuro da Democracia. Mas se apenas virmos o pior perdemos a perspetiva histórica, e podemos reduzir o mundo às notícias deprimentes dos telejornais diários.

4 Creio que o que temos de ver, para não perdermos a esperança, são as mudanças operadas ao longo do tempo. De maneira a combatermos o pessimismo como profecia auto-realizável, que mutila a nossa vontade de agir para transformar o mundo em que vivemos. No fundo, os seres humanos desejam e querem as mesmas coisas: anseiam por paz e condições de vida justas, por amizade e afecto, para além de todas as diferenças culturais. Por isso, não podemos ver apenas o pior sob pena de destruirmos a nossa capacidade de intervir no processo de mudança. O que realmente importa é continuarmos a combater a indiferença e o conformismo, a defender a verdade histórica, a questionar o discurso hegemónico que nos conduz a receptores passivos e impotentes, e a não perdermos a esperança no futuro da Democracia. Temos de acreditar que “Nada é impossível de mudar”, como escreveu Bertolt Brecht:

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

GRATO a todos.

M Duran Clemente

Lisboa, 5 de Abril de 2025       

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      ~[*] Capitão de Abril, actualmente Coronel reformado, nasceu em Almada a 28 de Junho de 1942. Foi aluno do Instituto dos Pupilos do Exército e licenciou-se em Administração na Academia Militar. Iniciou a contestação ao regime ditatorial em 1969, no MDP/CDE. Foi um dos capitães da génese clandestina do Movimento do MFA, e na Guiné, eleito para a primeira Comissão do Movimento de Capitães (1973). Durante o Processo Revolucionário foi membro da 5ª Divisão/EMGFA, onde coordenou o CEIP, estrutura de informação pública (rádio, televisão e “O Boletim do MFA”). Foi secretário-geral da Assembleia do MFA e seu porta-voz de 11 de Março a Setembro de 1975. Após o 25 de Novembro de 1975 exilou-se em Cuba e Angola. Foi co-fundador da Associação de Amizade Portugal / Guiné-Bissau, da Associação 25 de Abril, do Movimento Cívico “Não Apaguem a Memória” e da Associação Conquistas da Revolução. Foi Presidente da Assembleia de Freguesia de Santa Catarina (Lisboa) na coligação PS/PCP (1999-2011), candidato à Assembleia da República pela CDU círculo de Setúbal (1999), vereador (substituto) à Câmara Municipal de Lisboa na coligação PS/PCP (2001-2005) e assessor da Câmara Municipal do Seixal (1991-2015). Também desempenhou cargos de administração em entidades municipais do mesmo concelho. É autor de vários livros e obras colectivas, publicou diversos artigos e proferiu inúmeras comunicações sobre o 25 de Abril e o 25 de Novembro, em Portugal e no estrangeiro. Entre as várias homenagens e condecorações destaca-se o reconhecimento da Voz do Operário “pelo importante papel no desenvolvimento da Revolução do 25 de Abril, bem como a luta em defesa dos trabalhadores e do povo, pela Dignidade, Liberdade e Democracia” (2014), as insígnias de Cavaleiro da “Ordem de Avis” (1971) e de Grande-Oficial da “Ordem da Liberdade” (2021).   O texto acima é a apresentação do seu livro "O 25 de Abril que Novembro traiu", na Voz do Operário, em Lisboa.

https://resistir.info/portugal/d_clemente_05abr25.html

sábado, 5 de abril de 2025

"O Novembro que Abril não Merecia"


 Apresentação do livro "O Novembro que Abril não Merecia"

No passado dia 28 de março, a Livraria "Lápis de Memórias", em Coimbra, foi palco da apresentação da 3.ª edição revista do livro O Novembro que Abril não Merecia, da autoria do Professor António Avelãs Nunes.

O evento contou com a presença do autor e foi apresentado pelo Major General Jorge Aires, numa sessão presidida pelo Dr. Augusto José Monteiro.

Desde o início, cerca de 40 pessoas marcaram presença, demonstrando o vivo interesse pelo tema e pelo legado histórico que a obra resgata. Foi um momento de reflexão sobre os acontecimentos que marcaram o pós-25 de Abril, reafirmando a importância da defesa dos valores democráticos conquistados com a Revolução.


Palavras proferidas pelo Presidente da Direção da ACR, Jorge Manuel Caldeira Alves

 

Boa tarde, obrigado por terem vindo e certamente me acompanham num especial agradecimento à "Lápis de Memórias", pela possibilidade de aqui nos encontrarmos para uma "conversa de amigos", assim a refere o Autor. 

A ACR tem o privilégio de contar entre os seus associados com o Professor António Avelãs Nunes, autor, amigo e companheiro de jornada, digníssimo Professor, cidadão de Abril e do Mundo. É o motivo para não poder recusar o desafio de aqui fazermos o lançamento da 3ª edição desta obra que a ACR edita. 

No Prefácio à 2ª edição tivemos a oportunidade de assinalar a convicção de que as alterações introduzidas reforçavam a qualidade e a eficácia da mensagem contida no título do livro e que era imperioso assegurar que essa mensagem chegasse ao maior universo possível de leitores dado que a comunicação social dominante procura obscurecer o que foi a Revolução de Abril e as verdadeiras causas e consequências do que sucedeu em 25 de novembro de 1975 e após isso. 

Ficámos a saber que na "volta pelo País" que o Autor vem realizando para promover a leitura e a discussão em torno da sua obra, muito tem sido partilhado, partilhas que o Autor decidiu sistematizar, consolidar e criticamente analisar (não deixando, quando é o caso, de contraditar) assim dando corpo a esta 3ª edição. 

Nesta edição o conteúdo da 2ª edição foi reorganizado e densificado e entende o Autor acentuar que o livro é "uma conversa entre Amigos" e aí impera a lealdade, mas deixa um registo de alerta "não tinha o direito de silenciar as informações a que teve acesso" ainda que "as mesmas possam por em causa a imagem que construiu de certas personalidades que ajudaram a fazer a História", palavras suas. Reconhece, que não fez investigação própria mas entende que são informações que não devem ser silenciadas, para acrescentar, "Cada leitor tirará as conclusões que lhe parecerem mais corretas. Oxalá consigamos ser justos". 

Para a ACR, a edição desta obra é parte integrante do combate multifacetado pelas Conquistas da Revolução. Combate onde a preservação da memória e a escrita da História não deve ser descurada. 

A publicação d'O NOVEMBRO QUE ABRIL NÃO MERECIA" insere-se nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. São comemorações que não podem escamotear a realidade presente, construída pelos poderes de novembro em contramão com a Constituição de 1976, cuja promulgação não foram capazes de impedir e de que no próximo dia 2 de abril se assinalará o seu 49º aniversário. Constituição sequentemente golpeada por esses poderes e forças que não se dão por satisfeitas, consideram tais golpes insuficientes, persistem em desrespeitar o que de Abril restou e vigora (e que é muito!), e espreitam a oportunidade para ir mais longe no projeto que as anima de destruição da Democracia e "(re)encarceramento" dos lutadores por uma Liberdade em plenitude. 

Não foi há muito tempo que o Regime Democrático se aproximou perigosamente do regresso aos tempos de negritude. A Assembleia da República eleita em 30 de janeiro de 2022 teve uma Comissão para a revisão da Constituição cujos trabalhos eram fonte de grande preocupação. O perigo foi esconjurado pela dissolução da AR em 15 de janeiro de 2024. Em 10 de março desse ano nova AR foi eleita que acaba de ser dissolvida em consequência do chumbo da moção de confiança apresentada pelo Governo. 

Com eleições para a Assembleia da República marcadas para 18 de maio próximo, está aí a campanha eleitoral e não evito deixar o apelo, intensifiquemos o trabalho de esclarecimento e mobilização para conter os poderes novembristas e defender a Democracia e a Liberdade. 

Retomemos o que nos traz aqui. 

Em três anos o título apresenta três edições. Nesta 3ª Edição, entendeu o Autor explicitar que se trata de uma edição "REVISTA". É, como anteriormente mencionado, uma Edição em que muita informação é referenciada, questionada e sistematizada. Não detalho para não vos dispensar a leitura e espero ser suficientemente assertivo para fazer crescer o vosso interesse. 

Atentemos nas palavras que o Autor escreveu na sua "Breve nota à 3ª Edição", "Os tempos que correm obrigam-nos a estarmos cada vez mais atentos ao que se passa à nossa volta e a um esforço crescente para tentarmos perceber o curso da História, de modo a podermos dar o nosso contributo para o esforço coletivo de transformar o mundo." 

N'O NOVEMBRO QUE ABRIL NÃO MERECIA está presente essa figura ímpar de cidadão, patriota e militar que foi o Companheiro Vasco. O General referiu-se às forças divisionistas no seio do MFA, nos seguintes termos, "Essa gente é o que é, eu sou um homem do MFA" e num outro momento disse, "o que mais me preocupa nesta gente é a falta de patriotismo". 

São citações que aqui trago para destacar o que o Autor refere: há vencedores de um novembro (como o livro demonstra houve vários novembros) para quem "os fins justificaram os meios" mas, como alguns deles reconheceram, obtiveram uma "vitória de Pirro". O que da sua ação hoje aqui se lembra, é terem corroído por dentro o MFA, promovido a insubordinação de unidades militares, o desrespeito pela cadeia de comando (recorde-se o processo que levou à substituição do Brig Corvacho, Comandante da Região Militar do Norte), identificaram como inimigo principal, não os inimigos de Abril mas, a esquerda militar e os gonçalvistas, conspiraram contra os seus camaradas, colocaram o País na iminência duma guerra civil e na ressaca de novembro sobreveio a destruição da vida organizada de dezenas de militares e cidadãos (a alguns sucedeu a morte) pelo simples motivo de terem participado no 25 de Abril e no processo que lhe sucedeu. A morte dos soldados em Lanceiros só é explicável pela "sede de sangue" de Jaime Neves que acabou por ser travada a tempo sustando-se uma pinochetada. Em ação coordenada com agências estrangeiras ao tempo atuantes em Portugal (a CIA não esteve só), os ganhadores de novembro foram complacentes e por vezes coniventes se não mesmo mandantes de atos de vandalismo que assolaram Portugal. Ainda assim, como o Autor escreve, "a contrarrevolução não chegou à ditadura". 

A direita fascista e conspiradora estava disposta a tudo. Insatisfeita com os resultados da ação militar de novembro não houve Lei que a fizesse recuar e não se tratava de agir em período de efervescência revolucionária. Pelo contrário, foi uma atividade ocorrida, em muito, já depois de novembro de 1975 numa convergência de ação entre o Governo, o aparelho de estado e elementos da sociedade civil que conspiraram e organizaram ações criminosas, algumas culminando no assassinato de concidadãos. Permito-me destacar a morte logo a 1 de janeiro de 1976 de quatro cidadãos que integravam uma manifestação de solidariedade com os militares arbitrariamente presos em Custóias. Lembremos o assassinato à bomba do Padre Max, e da jovem Maria de Lurdes, na Cumieira, Santa Marta de Penaguião, a 2 de abril de 1976, 5 meses depois de novembro e o de Rosinda Teixeira, Vila Nova de Famalicão, São Martinho do Campo, a 21 de maio de 1976. O estado em que ficou a casa onde dormia com a família, está documentado na foto de capa da Obra. O executante do atentando foi Ramiro Moreira indultado em 1999 por Mário Soares, Presidente da República. Foram mais de 80 atentados executados pelo MDLP, uma organização comandada por Spínola. Spínola, um golpista perdedor - julho de 1974 (golpe Palma Carlos), 28 de setembro de 1974 (manifestação da "Maioria Silenciosa") e 11 de março de 1975 com sequente fuga para Espanha para a partir dali continuar a conspirar. Mário Soares promoveu-o a Marechal (6 de novembro de 1991) e, mais tarde, sob proposta de Vasco Lourenço e às escondidas, o Presidente Marcelo condecorou-o com a Ordem da Liberdade (5 de julho de 2023). Um desrespeito e ofensa aos mortos pela rede bombista, aos lutadores pela Liberdade e aos Militares de Abril. 

Depois de novembro, dentro e fora do aparelho de Estado e das estruturas de Governo, a contra revolução foi um combinado articulado de ação aberta, por vezes invocando a Lei e a Ordem, e ação encoberta e clandestina. Veja-se o exemplo da guerra contra a Reforma Agrária, iniciada em 1976 durou catorze anos. Além do rasto de destruição material e económica que deixou, conta com o assassinato em 26 de setembro de 1976 de José Geraldo e António Casquinha e tudo porque, cito o que ouvi ao Gen Pezarat Correia ter-lhe sido dito por Costa Brás, "tinha de ser assim não se podia dar razão ao PCP", referência que o Autor também faz densificando-a. 

Para contextualizar o que se passou na guerra contra a Reforma Agrária, socorro-me das palavras proferidas por Jerónimo de Sousa a 26 de Setembro de 2014, em Montemor-o-Novo, Santiago do Escoural, "A famigerada «Lei Barreto» foi ponto de partida da ofensiva no plano legislativo e na operação de adesão de Portugal à CEE/UE um instrumento fundamental de destruição da Reforma Agrária e de outras importantes conquistas de Abril. Uma ofensiva que durou 14 anos, que pôs o Alentejo a ferro e fogo, numa ostentação e intervenção brutal de forças e de repressão, envolvendo helicópteros, aviões, jipes, cavalos, cães, autometralhadoras; com milhares de GNR e elementos da Polícia de Choque, invadindo e ocupando dezenas e dezenas de povoações, perseguindo, prendendo, espalhando o terror." 

Foi assim que os trabalhadores rurais do Sul de Portugal viram reconhecido o seu insubstituível contributo para a liquidação do poder dos latifundiários e dos monopólios, liquidação que permitiu robustecer a Revolução de Abril e ancorar a Constituição de 1976. Como o Avelãs Nunes escreveu, "A democracia de novembro não se preocupa com o respeito pela legalidade e pelos trabalhadores". 

Depois de Abril e de Novembro, a luta pela Democracia e pela Liberdade teve mais mortos da responsabilidade do poder - 1982, noite de 30 de abril para 1 de maio, no Porto, Governo da AD, Ângelo Correia era Ministro da Administração Interna. No que pode ser considerado como uma provocação da UGT à CGTP/IN em conluio com o Governador Civil do Porto, a polícia de choque chamada de Lisboa intervém com ordem para matar (só assim compreendo o que se passou). São assassinados Mário Gonçalves, 17 anos, vendedor e Pedro Vieira, sindicalista têxtil. Para o relato do sucedido socorro-me da imprensa, cito, "Durante duas horas, homens fardados e sem freio batem e disparam às cegas.(...)Nem o serviço de Urgência do Hospital de Santo António é poupado: entram espumando e carregam sobre familiares de feridos.(...)Passa da meia-noite quando Pedro Vieira, 24 anos, operário têxtil e dirigente sindical, sai do cinema com a namorada. É apanhado pelos acontecimentos e vê-se obrigado a fugir (...) Um polícia dispara e atinge-o, pelas costas.(...) Quase duas horas mais tarde, Mário Gonçalves, 17 anos,(...) É vendedor ambulante, não é manifestante, observa apenas(...)atrás de um muro, espreita. Um polícia dispara. E corre a confirmar o feito (...) Feridos, foram às dezenas. Podia ter sido pior, comentou-se, à época: “Vi um polícia tentar atingir uma pessoa pelas costas. E só não o fez porque a arma encravou no momento do disparo” (...)Inquiriu-se, investigou-se, nada. Só as balas extraídas dos cadáveres falam: o calibre é usado apenas por graduados (comissários, chefes de esquadra e subchefes) do Corpo de Intervenção." (notícia da Visão, 30 de abril de 2019, Miguel Carvalho). 

Os poderes de novembro são assim, não respeitam nem a Lei nem a Grei. 

Se a Lei o não permite mas a situação o exige, agem com a força que o exercício do Poder lhes confere, daí que, no combate multifacetado pelas Conquistas da Revolução tenha destaque a ação cívica pela defesa e cumprimento da nossa Constituição da República alicerce do Estado de Direito Democrático. No próximo dia 2 de Abril, numa ação conjunta com o Manifesto, Cumprir e fazer cumprir a Constituição, a Associação Conquistas da Revolução, Associação Portuguesa de Juristas Democratas e a Casa do Alentejo/Lisboa, juntos celebraremos o 49º aniversário da entrada em vigor da Constituição de Abril. 

Seria longa, muito longa a lista de atos, por vezes crimes de lesa Pátria, que corporizam o "Diário da Contra revolução". Mas isso são contas de outro livro editado em 2018 pela ACR e que a seu tempo poderá ter um 2º Volume. Como consta do 1º volume, "apesar da decapitação do poder revolucionário militar da sua componente mais progressista, o movimento popular não esmoreceu a luta, resistindo às fortes investidas contrarrevolucionárias com determinação e força. Determinação e força capazes de conter o ímpeto destruidor nos limites do possível". Em 2018 como ainda hoje a força da resistência "permite-nos dizer que este ainda é o Portugal de Abril. 

E esta é, uma grande, grande Vitória!" 

Nesta edição d'O NOVEMBRO QUE ABRIL NÃO MERECIA não posso deixar de destacar o título que o Autor escolheu para o Capítulo XII, "A MORAL E A POLITICA TÊM DE ANDAR SEMPRE JUNTAS" e agradecer-lhe os questionamentos e reflexões que o preenchem. Podemos ler este título como um mandamento para as nossas vidas. Este mandamento esteve sempre presente na ação do Gen Vasco Gonçalves. Para Vasco Gonçalves o código de valores que abraçou ao decidir servir Portugal nas Forças Armadas impunham-lhe, como derivativo, o respeito de tal mandamento. È um capítulo da obra que para um militar de carreira como eu me toca em particular e cujo conteúdo coloca em evidência a baixeza daqueles que a tudo recorreram para ganhar o confronto em que decidiram eleger como inimigo (e principal) a esquerda militar e os gonçalvistas. 

Nos capítulos XII e XIII, estará por ventura o essencial para compreender o desenlace do Processo Revolucionário em Curso e a violência que se abateu nos meses seguintes sobre a esquerda militar (mas não só). São conteúdos a ter em conta por todos aqueles que, deste período da nossa História recente, queiram construir uma visão rigorosa e reconhecer que os vários 25 de Novembro nos confrontam com a imprescindibilidade de consequentemente atender que, por estes dias, só há uma linha de separação entre Portugueses, fascistas (ainda que disfarçados de populistas) ou democratas. 

O NOVEMBRO QUE ABRIL NÃO MERECIA é um repositório indispensável de informação e ensinamentos para que a memória desse tempo não se apague, "para compreendermos como chegámos aqui e como intervirmos para continuar a manter abertas as Portas que Abril Abriu e para abrirmos muitas outras portas que ainda não foram abertas." São palavras do prefácio à 2ª edição que aqui reiteramos. 

Estamos em 2025 no limiar da eleição de uma futura Assembleia da República. Empenhemo-nos para conter o crescimento da extrema direita e podermos continuar a dizer que, este ainda é o Portugal de Abril. 

25 de Abril, sempre! 

Fascismo nunca mais! 

https://www.conquistasdarevolucao.pt/

https://www.facebook.com/AssociacaoConquistasDaRevolucao/posts/-apresenta%C3%A7%C3%A3o-do-livro-o-novembro-que-abril-n%C3%A3o-mereciano-passado-dia-28-de-mar%C3%A7/585566991176207/

Chris Hedges - Restaurar mentiras e insanidade na história americana


Por Chris Hedges

A última ordem executiva do Presidente Donald Trump intitulada “RESTAURANDO A VERDADE E A SANIDADE À HISTÓRIA AMERICANA” replica uma táctica utilizada por todos os regimes autoritários. Em nome da luta contra o preconceito, distorcem a história da nação numa mitologia egoísta.

A história será utilizada para justificar o poder das elites dominantes no presente, divinizando as elites dominantes do passado. Desaparecerá o sofrimento das vítimas de genocídio, escravatura, discriminação e racismo institucional. A repressão e a violência durante as nossas guerras laborais — centenas de trabalhadores foram  mortos  por bandidos armados, capangas de empresas, polícias e soldados de unidades da Guarda Nacional na luta pela sindicalização — serão incalculáveis. Figuras históricas, como Woodrow Wilson, serão arquétipos sociais cujas ações mais sombrias,  incluindo  a decisão de  ressegregar  o governo federal e  supervisionar  uma das campanhas de repressão política mais agressivas da história dos EUA, serão ignoradas.

Na América dos nossos livros de história aprovados por Trump — li  ​​os  manuais escolares utilizados nas escolas "cristãs", pelo que isto não é uma conjetura — a igualdade de oportunidades para todos existe e sempre existiu. A América é um exemplo do progresso humano. Ela tem-se aperfeiçoado e aperfeiçoado constantemente sob a tutela dos seus governantes iluminados e quase exclusivamente brancos. É a vanguarda da “civilização ocidental”.

Os grandes líderes do passado são retratados como modelos de coragem e sabedoria, levando a civilização às raças inferiores da Terra. George Washington, que com a sua mulher  possuía e “alugou”  mais de 300 escravos e supervisionou campanhas militares brutais contra os nativos americanos, é um modelo heróico a imitar. A sombria ânsia de conquista e riqueza — que esteve na origem da escravatura dos africanos e do genocídio dos nativos americanos — é posta de lado para contar a história da valente luta dos pioneiros europeus e euro-americanos para construir a maior nação do planeta. O capitalismo é abençoado como a mais elevada liberdade. Aqueles que são pobres e oprimidos, que não têm o suficiente na terra da igualdade de oportunidades, merecem o seu destino.

Aqueles que lutaram contra a injustiça, muitas vezes à custa das suas próprias vidas, desapareceram ou, como aconteceu com Martin Luther King Jr., foram higienizados num cliché banal, congelados para sempre no tempo com o seu discurso " I have a dream ". Os movimentos sociais que abriram espaço democrático na nossa sociedade — os  abolicionistas, o  movimento operário, as  sufragistas, os  socialistas e  comunistas, o  movimento dos direitos civis  e os  movimentos anti-guerra  — desapareceram ou foram ridicularizados juntamente com aqueles escritores e historiadores, como  Howard Zinn  e  Eric Foner , que documentam as lutas e as conquistas dos movimentos populares. O status quo não foi desafiado no passado, de acordo com este mito, e não pode ser desafiado no presente. Sempre tivemos reverência pelos nossos líderes e devemos manter essa reverência.

“Preste atenção ao que lhe dizem para esquecer”, alertou prescientemente a poetisa Muriel Rukeyser.

A ordem executiva de Trump começa:

Na última década, os americanos têm assistido a um esforço concentrado e generalizado para reescrever a história da nossa nação, substituindo factos objectivos por uma narrativa distorcida, motivada pela ideologia e não pela verdade. Este movimento revisionista procura minar as notáveis ​​conquistas dos Estados Unidos, lançando uma luz negativa sobre os seus princípios fundadores e marcos históricos. Ao abrigo desta revisão histórica, o legado incomparável da nossa Nação de promover a liberdade, os direitos individuais e a felicidade humana é reconstruído como inerentemente racista, sexista, opressivo ou de outra forma irremediavelmente falho. Em vez de promover a unidade e uma compreensão mais profunda do nosso passado partilhado, o esforço generalizado para reescrever a história aprofunda as divisões sociais e promove um sentimento de vergonha nacional, desconsiderando o progresso que a América fez e os ideais que continuam a inspirar milhões em todo o mundo.

Os autoritários prometem substituir o preconceito pela “verdade objetiva”. Mas a sua “verdade objetiva” é sobre sacralizar a nossa religião civil e o culto da liderança. A religião civil tem os seus locais sagrados — Mount Rushmore, Plymouth Rock,  Gettysburg, Independence Hall em Filadélfia e Stone Mountain, o enorme baixo-relevo que representa os líderes confederados Jefferson Davis, Robert E. Lee e Thomas J. “Stonewall” Jackson. Tem os seus próprios rituais — Ação de Graças, Dia da Independência, Dia do Presidente, Dia da Bandeira e Dia da Memória. É patriarcal e hiperpatriótico. Fetichiza a bandeira, a cruz cristã, os militares, as armas e a civilização ocidental, um código para a supremacia branca. Justifica o nosso excepcionalismo e direito ao domínio global. Liga-nos a uma tradição bíblica que nos diz que somos um povo eleito, uma nação cristã, bem como os verdadeiros herdeiros do Iluminismo. Ela informa-nos que os poderosos e os ricos são abençoados e escolhidos por Deus. Alimenta o elixir negro do nacionalismo desenfreado, da amnésia histórica e da obediência inquestionável.

Há uma proposta de legislação no Congresso  que pede  a escultura do rosto de Trump no Monte Rushmore, ao lado de George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Theodore Roosevelt,  tornando  o aniversário de Trump um feriado federal,  colocando  o rosto de Trump em novas notas de 250 dólares,  renomeando  o Aeroporto Internacional Washington Dulles para Aeroporto Internacional Donald J. Trump e  alterando  a 22ª Emenda para permitir que Trump cumpra um terceiro mandato.

Um sistema educativo, escreve Jason Stanley em “Erasing History: How Fascists Rewrite the Past to Control the Future”, é “a fundação sobre a qual se constrói uma cultura política. Os autoritários há muito que compreenderam que, quando desejam mudar a cultura política, devem começar por tomar o controlo da educação”.

A  captura  do sistema educativo, escreve, “não é apenas para tornar uma população ignorante da história e dos problemas da nação, mas também para fracturar estes cidadãos numa multidão de grupos diferentes sem possibilidade de entendimento mútuo e, portanto, sem possibilidade de acção unificada em massa. Como consequência, a anti-educação torna uma população apática — deixando a tarefa de gerir o país a outros, sejam eles autocratas, plutocratas ou teocratas.”

Ao mesmo tempo, os déspotas mobilizam o grupo alegadamente prejudicado — no nosso caso, os americanos brancos — para realizar actos de intimidação e violência em apoio do líder e da nação e para exigir retribuição. Os objetivos gémeos desta campanha anti-educação são a paralisia entre os subjugados e o fanatismo entre os verdadeiros crentes.

As revoltas que varreram o país, desencadeadas pelos assassinatos de  George Floyd, Breonna Taylor e Ahmaud Arbery pela polícia, não só condenaram o racismo institucional e a brutalidade policial, como  também visaram  estátuas, monumentos e edifícios  que comemoravam  a supremacia branca.

Uma estátua de George Washington em Portland, Oregon, foi  pintada com spray  com as palavras  “colono genocida”  e derrubada. A sede das Filhas Unidas da Confederação, que liderou a construção de monumentos aos líderes confederados no início do século XX em Richmond, Virgínia, foi  incendiada. A estátua do editor de jornais Edward Carmack, um defensor do linchamento que  incitou  os brancos a matar a jornalista afro-americana Ida B. Wells pelas suas investigações sobre linchamentos, foi  derrubada . Em Boston, uma estátua de  Cristóvão Colombo  foi decapitada e estátuas dos generais confederados,  Robert E. Lee  e  Stonewall Jackson , juntamente com um dos racistas ex-presidente da câmara e chefe da polícia de Filadélfia,  Frank Rizzo, foram removidas. A Universidade de Princeton, que há muito resistia aos apelos para retirar o nome de Woodrow Wilson da sua escola de políticas públicas por causa do seu racismo virulento, acabou por  ceder.

Os monumentos não são aulas de história. São juramentos de fidelidade, ídolos do culto dos antepassados ​​brancos. Encobrem os crimes do passado para encobrir os crimes do presente. Reconhecer o nosso passado, o objectivo da teoria crítica da raça, destrói o mito perpetuado pelos supremacistas brancos de que a nossa hierarquia racial é o resultado natural de uma meritocracia onde os brancos são dotados de inteligência, talento e civilização superiores, em vez de uma hierarquia planeada e rigidamente aplicada. Os negros nesta hierarquia racial merecem estar na base da sociedade por causa das suas características inatas.

Só nomeando e documentando estas injustiças e trabalhando para as melhorar é que uma sociedade pode sustentar a sua democracia e caminhar para uma maior igualdade, inclusão e justiça.

Todos estes avanços em direção à verdade e à responsabilidade histórica devem ser invertidos. Trump  destacou  exposições sobre ataques no Smithsonian Institution, no Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana e no Parque Histórico Nacional Independence, em Filadélfia. Promete “tomar medidas para restabelecer os monumentos, memoriais, estátuas, marcadores ou propriedades semelhantes pré-existentes”. Exige que os monumentos ou exposições que “depreciem inapropriadamente os americanos do passado ou da atualidade (incluindo as pessoas que viveram na época colonial)” sejam removidos e que a nação “se concentre na grandeza das conquistas e do progresso do povo americano”.

A ordem executiva continua:

É política da minha Administração restaurar os locais federais dedicados à história, incluindo parques e museus, para monumentos públicos solenes e edificantes que recordem aos americanos a nossa extraordinária herança, progresso consistente no sentido de nos tornarmos uma União mais perfeita e inigualável histórico de avanço da liberdade, prosperidade e florescimento humano. Os museus da capital do nosso país devem ser locais onde as pessoas vão para aprender — e não para serem submetidas a doutrinação ideológica ou a narrativas divisivas que distorcem a nossa história partilhada.

Os ataques a programas como  teoria crítica da raça  ou  diversidade, equidade e inclusão,  como Stanley aponta, “distorcem intencionalmente esses programas para criar a impressão de que aqueles cujas perspectivas estão finalmente sendo incluídas — como os negros americanos, por exemplo — estão recebendo algum tipo de benefício ilícito ou uma vantagem injusta. E então eles miram nos negros americanos que ascenderam a posições de poder e influência e buscam deslegitimá-los como indignos. O objetivo final é justificar uma tomada de controle das instituições, transformando-as em armas na guerra contra a própria ideia de democracia multirracial.”

Stanley, juntamente com outro estudioso de Yale sobre autoritarismo,  Timothy Snyder , autor de “ On Tyranny ” e “ The Road to Unfreedom ”, está  a deixar  o país para o Canadá para lecionar na Universidade de Toronto.

Pode ver a minha entrevista com Stanley  aqui.

O objetivo não é ensinar o público  a  pensar, mas sim  o que  pensar. Os alunos repetirão como papagaios os slogans e os clichés entorpecentes utilizados para reforçar o poder. Este processo retira à educação qualquer independência, investigação intelectual ou autocrítica. Transforma as escolas e as universidades em máquinas de doutrinação. Aqueles que resistem à doutrinação são expulsos.

“O totalitarismo no poder substitui invariavelmente todos os talentos de primeira linha, independentemente das suas simpatias, por aqueles malucos e tolos cuja falta de inteligência e criatividade é ainda a melhor garantia da sua lealdade”, escreve Hannah Arendt em “As Origens do Totalitarismo”.

Os opressores apagam sempre a história dos oprimidos. Temem a história. Era um crime ensinar as pessoas escravizadas a ler. A capacidade de ler significava que podiam ter acesso às notícias da revolta dos escravos no Haiti, a única revolta de escravos bem-sucedida na história da humanidade. Podem aprender sobre as revoltas de escravos lideradas por  Nat Turner  e  John Brown . Podem inspirar-se na coragem de  Harriet Tubman , a fervorosa abolicionista que fez mais de uma dúzia de viagens clandestinas para sul para libertar pessoas escravizadas e, mais tarde, serviu como batedora do Exército da União durante a Guerra Civil. Podem ter acesso aos escritos de Frederick Douglass e dos abolicionistas.

A luta organizada, vital para a história das pessoas de cor, dos pobres e da classe trabalhadora para garantir a igualdade, juntamente com leis e regulamentos para os proteger da exploração, devem ser completamente envoltas em trevas. Não haverá novas investigações sobre o nosso passado. Não haverá novas evidências históricas. Não haverá novas perspetivas. Seremos proibidos de escavar a nossa identidade como povo e nação. Esta calcificação tem  como objectivo  divinizar os nossos governantes, destruir uma sociedade pluralista e democrática e incutir sonambulismo pessoal e político.

Imagem: Está muito atrasado — por Mr. Fish  

https://osbarbarosnet.blogspot.com/2025/04/restaurar-mentiras-e-insanidade-na.html
https://scheerpost-com.translate.goog/2025/04/02/chris-hedges-restoring-lies-and-insanity-to-american-history/?_ 

Pedro Almeida Vieira - Sondagens (ou palermices) no país da manipulação de massas


OPINIÃO

* Pedro Almeida Vieira

04/04/2025

Quando se afirma que uma sondagem foi feita com “rigor científico”, geralmente associada a uma margem de erro reduzida, espera-se, no mínimo, que esse rigor não se dissolva ao primeiro olhar sobre a ficha técnica. Mas o que o Público, a RTP e a Antena 1 aceitaram publicar por estes dias — com chancela 'científica' da Universidade Católica, via CESOP — não é uma sondagem: é uma palermice mascarada de estatística.

E pior: é uma palermice perigosa, porque serve para manipular a opinião pública sob o verniz da respeitabilidade acadêmica. Com a vitória sinalizada da ERC, essa entidade reguladora que há muito perdeu a humanidade e hoje apenas funciona como um armazém de olhares burocráticos, incapaz de defender os cidadãos contra a intoxicação informativa.

Começamos pelo número mais escandaloso: a taxa de resposta desta suposta sondagem (que, como todas as outras nunca são validadas externamente) foi de 29% . Isto significa, de forma crua, que sete em cada dez pessoas recusadas participaram na sondagem. Foram contatadas 4.177 pessoas, mas apenas 1.206 aceitaram responder. E, ainda assim, esses 1.206 são tratados como se representassem fielmente os mais de nove milhões de candidatos portugueses. Há aqui dois problemas graves que desviam invalidar qualquer pretensão de fiabilidade desta sondagem:

1. Seleção automática dos questionados : quem responde não é uma amostra examinada pura, mas sim quem quis responder. Esse grupo tende a ser mais politizado, mais disponível e, muitas vezes, mais alinhado com os meios de comunicação que encomendam a sondagem. Há uma diferença enorme entre uma amostra consultada de 1.206 pessoas com alta taxa de resposta e uma amostra de 1.206 extraída de um universo onde 71% recusaram participar. A Universidade Católica sabe isso; os diretores dos órgãos de comunicação social talvez -mas todos participem na farsa que alimentará notícias, comentários e entrevistas até a próxima fraude.

2. Distância entre método e realidade eleitoral : por mais que os 'produtores' destas 'sondagens' se defendam com “ponderações estatísticas”, o facto é que não se pode corresponder a uma visão de auto-selecção se não se conhecer sequer o perfil dos que não responderam. A ilusão de representatividade criada pelas chamadas ponderações é apenas isso: uma ilusão. Ou, se quisermos ser mais justos, um embuste.

Que uma universidade alimente este tipo de práticas já seria, por si só, um motivo de vergonha acadêmica. Que meios de comunicação social com responsabilidades públicas, como a RTP, aceitam difundir os resultados como se fossem uma fotografia fiável do país — isso, sim, é escandaloso. E que a ERC ajude e abençoe esta prática de manipulação de massa num regime democrático é uma prova de sua absoluta inutilidade e de uma indigência que mina a democracia. A ERC, que deve zelar pela integridade da informação divulgada, transforma-se, com a sua cumplicidade, numa aliada objectiva da pura desinformação.

Aliás, esta não é uma falha isolada. Há muito que os chamados estudos de opinião servem mais para formar percepções do que para retratar realidades. O objectivo não é saber em quem os portugueses tencionam votar, mas sim condicionar o voto dos indecisos com o argumento das previsões e da “preferência nacional”, construídas em cima de amostras frágeis e invejadas.

Não basta publicar a margem de erro (aqui 2,8%, como se isso tivesse algum valor real com 71% de não respondentes). A verdadeira margem de erro é outra: a do bom senso que se perdeu.

Estamos perante um caso claro de abuso da substituição acadêmica e jornalística para alimentar um ritual estatístico vazio. E, assim, quando o ritual substitui o rigor, a ciência cede o lugar à propaganda.
 
Se ainda há quem leve estas 'sondagens' a sério, só pode ser porque prefere viver numa realidade fabricada a aceitar a verdade nua: a maioria dos portugueses recusa participar nestes exercícios porque já percebe, por instinto, que são uma fraude. E essa é, por ironia, a única sondagem verdadeiramente representativa: a cada vez menor taxa de respostas em sondagens.

Há-de surgir o dia em que ninguém atenderá um telefone de uma empresa de sondagens – mas, lamentavelmente, serão sempre apresentados 'resultados' com rigor. Nem que se invente. Há gente para tudo, sobretudo quando a numeracia em Portugal ainda é pior do que a literacia.

https://www.paginaum.pt/2025/04/04/sondagens-ou-palermices-no-pais-da-manipulacao-de-massas

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Domingos Lopes - O KIT DA MAIS ILUSTRE COMISSÁRIA EUROPEIA

* Domingos Lopes

Uma comissária da União Europeia – Hadja Lahbib- a congeminadora do famoso do Kit para 72 horas para “responder” a crises.

Pode acontecer terramotos, tempestades, cheias, incêndios e é bom estar preparado. É preciso muito trabalhinho e juizinho.

Por outro lado, a comissária Hadja talvez não quisesse continuar a viver num anonimato que devia, sendo comissária da UE, considerar um infortúnio.

Ela deu conta doimpulso incontrolável dos cidadãos e das cidadãs para pegar em armas e partir para atacar a malévola Rússia que, segundo alguns estrategos, brevemente chegará a São Romão, bem próximo de Olivença. Ou, dizem outros, a Óbidos por causa do festival de chocolate.

Há até quem tenha visto para os lados da Sierra Morena (após o alerta do senhor Almirante por baixo do gelo da Gronelândia ao vislumbrar submarinos russos, perdão disfarçados de USA) carrinhas de caixa aberta cheia de drones e coisas desse género, disfarçadinhas de pacotes de rebuçados e de bolachas Cuetara que por sinal são muito boas.

Não desimaginemos das doenças e das intempéries, mas ao mesmo tempo imaginemos que os russos que fartos de batalhar na Ucrânia há mais de três anos, decidem contornar a Ucrânia e virem apanhar pela tardinha, sem dizer nem água vai, nem água vem, a Comissão inteirinha em Bruxelas a comer os chocolates belgas que também são bons, como eram os nossos Regina, que tinha uma fábrica para as bandas de Coimbra, quando havia fábricas de fazer coisas, que agora fazem notícias que é o que prende as pessoas aos telemóveis.

Cá está uma covardias sem limites, vir às escondidas e quando uma pessoa menos conta záscatrapás .  Oiçam lá, diz o oficial, agora os chocolates são para nós, vocês não têm direito a eles, temos de os aprisionar, e esta operação especial vai apanhá-los todos, e depois se quiserem negociamos, mas atenção, só depois de nos empanturrarmos.

Percebe-se bem o fito dos russos e a senhora comissária para não criar mau ambiente com o senhor Putin arranjou esta moenga do Kit para nos alertar para o perigo da Rússia vir por aí abaixo com os norte-coreanos a cheirar a alho e gastarem a água e as pilhas todas e nós sem nada. Os de cá sem água e sem os canivetes chineses que só a sra Hadja pode andar com eles nos aviões, porque o resto do pessoal nem corta unhas.

Esta ideia do kit é, por isso, fantástica. Num juízo de prognose é bem possível que os russos venham a Portugal aproveitar esta água das chuvas copiosas porque a deles ainda é do tempo dos bolchevistas.

E tem outra coisa; têm de o fazer enquanto está o Marcelo que é todo beijos e abraços. Se for com o senhor Almirante será muito diferente, mas mesmo muito. Fia fino. Se o artigo 5º ficar a seco ele vai direitinho a Washington e acerta as contas com o Trump num lampo.

Com ele é tudo armas, armas, nem pão, nem queijo. Ainda bem que há comissárias assim. Com ela é a sério – água, radio, medicamentos, pilhas e umas cartitas, não vão os russos fazerem amizades com os de cá e a coisa durar mais de 72 horas. Bem-haja o cérebro da sra. comissária, resplandecente de imaginação e prevenção.

2 de Abril de 2025  ~

https://ochocalho.com/2025/04/02/o-kit-da-mais-ilustre-comissaria-europeia/

Tiago Franco - TRÊS HORAS DE ROMANCE |

 * Tiago Franco

Esta administracão americana junta à ignorância, e falta de chá já agora, uma falta de inteligência processual que chega a ser arrepiante.

Não há propriamente uma grande novidade nisto de anexar territórios. Toda a minha vida vi este "business as usual" mas os métodos eram mais graciosos. Havia sempre uma razão moral para meter a pata em território alheio.

Ou iam levar camiões de democracia ou derrubar um ditador que fazia mal ao seu povo. Não se dizia à boca cheia que o interesse era sacar petróleo.

E quando o tema não era pilhar recursos mas sim criar governos amigos, também se fazia tudo com algum "glamour". Patrocinavam-se uns "Contras", escolhia-se a dedo um presidente, interferia-se com a democracia sem grande alarido. Eram bons tempos, cheios de histórias secretas, conspiracões em bailes de gala, recepcões a embaixadores ou desembarques de mercenários em baías vigiadas.

Todo o império tem a sua, ou as suas, Bielorrússias. A arte está na forma que usam para nos convencerem da anexacão. Agora, vir um bronho com a melhor alcunha de sempre (Mango Mussolini), dizer repetidas vezes na televisão que "temos que ter aquilo porque há navios chineses e russos por todo o lado"...epá...corta todo o romance e encanto da espionagem e da política externa.

Nós sabemos que é por isso que queres aquilo. Nós sabemos a história da guerra aos recursos naturais....mas mente, pá! Mente! Dá algum charme a esta coisa de se anexar território alheio.

Uma coisa é perceber no início do século 20 que o Hawai dá jeito para encaixar umas bases. Anexa-se e ninguém se queixa. Nem havia instagram nessa altura. Tudo bem.

Mas hoje em dia, com a velocidade a que a informacão se espalha, francamente, é deprimento ver o facho encartado a visitar um território sem ser convidado e, de forma improvisada, a fazer uma conferência de imprensa na base militar onde se dirigia às maravilhosas pessoas da Gronelândia e às lindíssimas paisagens, quanto desancava os dinamarqueses.

JD...tu conheces alguma pessoa na Gronelândia? Viste alguma paisagem nas 3h que passaste na base? Sinceramente fico desiludido porque os EUA habituaram-nos com espectáculos muito melhores e bem mais ensaidados. Estes gajos são muito amadores, nem chegam a actores de fimes B. São o Stevan Seagel numa sequela que pedia Denzel Washington.

Dito isto...tenho dúvidas técnicas. Se de facto os americanos se abarbatarem com a Gronelândia:

1 - A Nato mete as botas no terreno para correr com eles de lá, cumprindo o artigo 5?

2 - A Ursula vai cobrar-nos mais impostos para apoiar a Gronelândia for as long as it takes?

3 - Os Dinamarqueses vão passar a terroristas na lista do FBI?

4 - A UE vai impôr sancões económicas a Washington?

5 - Os refugiados dinamarqueses também vão para o Ruanda (para onde eles mandam os que lá chegam) ou fazemos uma vaquinha para os acomodar em Alicante?

Esta história da Grônelandia promete ser apaixonante, tanto na parte da narrativa histórica como na das anexacões democráticas. É certo como o destino que os chineses ainda vão ser os culpados disto. Bem vistas as coisas, ainda só passaram dois meses do Donald. Dois mesitos.

Eu já só quero que me expliquem isto com o papel da conta à frente. Retencões na fonte, IVA, IRC, IRS, taxa do audiovisual, imposto nos combustíveis...não importa. Digam-me só quanto é que nos vão sacar para mais esta e tudo bem, seguimos cantando e rindo, a pagar.

2025 04 02

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Carlos Coutinho - [Abriladas]

 ABRILADA é nome por que foi registado na história de Portugal um terramoto político ocorrido no dia 30 de abril de 1824, mas que falhou. Essa revolta dos absolutistas tentou ressuscitar a Vilafrancada que também falhara no ano anterior. Felizmente. 

   A batuta estava na mão do infante D. Miguel, irmão de D. Pedro, o normal herdeiro do trono português e imperador do Brasil.

 O terramoto inverso precisou de um século aparentemente inacabável para também acontecer e ninguém o tomou como uma segunda abrilada, precisamente pelo que nos trouxe esse luminoso levantamento político-militar que ainda hoje muito nos ajuda a viver pacificamente o desenvolvimento solidário e patriótico, que continua consagrado na Constituição da República, embora seja cada vez menos respeitado.

   Se formos à História, vamos ver que a revolta miguelista foi derrotada, mas cavou os alicerces do viria a ser a fratricida e longa Guerra Civil Portuguesa (1828-1834). Descendo ao pormenor, reparamos que no dia 30 de Abril de 1824, o Infante D. Miguel, que havia sido nomeado generalíssimo do Exército Português, fez deter nos calabouços do Castelo de S. Jorge e da Torre de Belém importantes personalidades civis e militares do País...

   Entre os encarcerados estavam o Intendente-geral da Polícia, barão de Rendufe, o duque de Palmela (então no governo em coligação com o conde de Subserra) e o o visconde de Santa Marta. 

D. Miguel, que contava com o apoio de sua mãe, a gorducha Rainha Carlota Joaquina, considerava-os partidários do “nefando liberalismo” e de conspirarem contra o pai, D. João VI. Na chamada “Proclamação da Abrilada”, proferida nesta ocasião, D. Miguel diz que  era sua intenção acabar com o que denominava de "pestilenta cáfila de pedreiros-livres", numa referência à Maçonaria, que além de liberal, era constitucional.    

    "Soldados! se o dia 27 de Maio de 1823 raiou sobremaneira maravilhoso, não será menos o de 30 de Abril de 1824; antes hum e outro irão tomar distincto lugar nas paginas da história Lusitana; naquelle deixei a Capital para derribar uma Facção desorganizadora, salvando o Throno, e o Excelso Rei, a Real Família, e a Nação inteira, dando mais hum exemplo de virtude á Sagrada Religião, que professamos, como verdadeiro sustentaculo da Realeza, e da Justiça; e neste farei triumfar a grande obra começada, dando-lhe segura estabilidade, esmagando de huma vez a pestilente cáfila dos Pedreiros Livres, que aleivosamente projectava alçar a mortifera fouce para àcabar, e de todo extinguir a Reinante Casa de Bragança.

     "Soldados! foi para este fim que vos chamei ás armas, plenamente convencido da firmeza do vosso caracter, da vossa lealdade, e do decidido amor pela Causa do Rei.

Soldados! sejais dignos de Mim, que o Infante D. Miguel, Vosso Commandante em Chefe, o será de vós. Viva ElRrei Nosso Senhor, Viva a Religião Catholica Romana, Viva a Rainha Fidelíssima, Viva a Real Família, Viva o Briozo Exercito Portuguez, Viva a Nação, Morram os malvados Pedreiros Livres.

   "Palacio da Bemposta 30 de Abril de 1824.
Infante C. em C”

   Enviou, então, diversos corpos militares ao antigo Palácio dos Estaus (onde  hoje está o Teatro Nacional D. Maria IIT,  em Lisboa, aí instalando o seu quartel-general. Deu ordens ainda para que se impusesse cerco ao Palácio da Bemposta, onde estava o rei, acompanhado do seu conselheiro inglês, o general William Carr Beresford que o trazia pela trela, embora enojado com o aspeto físico monarca resultante da procriação endógena.

   Para a resolução deste conflito parece ter sido determinante o apoio do corpo diplomático em Portugal, nomeadamente a ação do embaixador francês Hyde de Neuville. Numa tentativa de apaziguamento, este diplomata conseguiu entrar no palácio e convencer o rei a chamar o filho para uma conversa a a sério. 

   Alcançou-se, desse modo, um acordo que fez regressar as tropas aos quartéis, mas que mantinha os detidos encarcerados, com exceção do duque de Palmela, que se refugiou num navio inglês, prosseguindo assim a situação de instabilidade política e militar.

Em maio, os diplomatas ajudaram D. João VI a refugiar-se no navio britânico “HMS Windsor Castle”, onde tomou uma série de medidas: demitiu D. Miguel do seu cargo no Exército, ordenou a libertação dos presos políticos e a captura dos apoiantes do filho, que foi intimado a vir a bordo. 

   Assim retido, D. Miguel foi obrigado a embarcar com destino à França na fragata “Pérola”, acabando a sublevação dos absolutistas. O infante foi seguidamente deportado para Viena e D. Carlota Joaquina ficou internada no Palácio de Queluz com a devida assistência médica e religiosa. 

   Não sei se os seus aposentos finais foram convenientemente desinfetados, mas é de crer que sim, porque já passeei pelos jardins afrancesados do palácio e também assisti a concertos musicais inesquecíveis no salão dos embaixadores. E nada me aconteceu.

2025 04 02 

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terça-feira, 1 de abril de 2025

Prabhat Patnaik - O regresso do macartismo



Prabhat Patnaik [*]

A atual repressão da administração Trump à liberdade de expressão nos Estados Unidos faz lembrar assustadoramente a década de 1950, quando houve uma caça às bruxas liderada pelo senador Joseph McCarthy que não só vitimou toda uma geração de artistas e intelectuais sob a acusação de serem comunistas, como também deixou uma marca negativa profunda na vida criativa daquele país durante décadas. As vítimas dessa caça às bruxas incluíram numerosas personalidades notáveis, desde artistas e escritores como Dashiel Hammet, Dalton Trumbo, Bertolt Brecht e Charles Chaplin, a académicos como Lawrence Klein, Richard Goodwin, E H Norman, Daniel Thorner, Moses Finlay e Owen Lattimore. Mesmo figuras públicas notáveis como J Robert Oppenheimer, que dirigiu o Projeto Manhattan para a construção de uma bomba atómica, e Harry Dexter White, que fundou o sistema de Bretton Woods (juntamente com J M Keynes do Reino Unido) não foram poupados:   foram convidados a comparecer perante uma ou outra das comissões criadas para investigar o comunismo nos EUA. O prejuízo para os EUA com esta caça às bruxas foi imenso. Há mesmo quem sugira que o país se envolveu na Guerra do Vietname porque os estudos disponíveis sobre o Leste e o Sudeste Asiático foram dizimados pelo McCarthyismo; se estivessem disponíveis, os EUA poderiam ter tirado partido deles e evitado entrar no atoleiro.

A semelhança entre o fenómeno macartista e as acções agora iniciadas por Trump é sentida por muitos; mas foi explicitamente articulada pelo Professor da Universidade de Columbia, Bruce Higgins (MR online, 21 de março). À primeira vista, pode parecer que traçar esse paralelo constitui um grande exagero. Afinal de contas, até agora só houve uma mão-cheia de casos de detenção e deportação; porquê ficar tão exaltado com isso e sugerir paralelos com a caça às bruxas macartista? Do mesmo modo, pode argumentar-se que os alvos até agora têm sido cidadãos não americanos, que residem no país quer com um visto quer com uma Green Card; isto é certamente diferente do período macartista, em que os cidadãos americanos, e não apenas os “forasteiros”, tinham sido vítimas da caça às bruxas.

Mas dificilmente se pode retirar muito conforto de tais considerações. Trump deixou claro que casos como o de Mahmoud Khalil são apenas o começo; seguir-se-ão acções em milhares de outros casos semelhantes. Mahmoud Khalil, recorde-se, era o estudante de Columbia titular de um Green Card e casado com uma cidadã americana que, por acaso, estava grávida de oito meses. Khalil foi detido e aguarda a deportação sob a acusação de ter ligações com “terroristas” por ter liderado as manifestações de estudantes de Columbia contra o genocídio em Gaza. Do mesmo modo, quando se verificar a deportação em larga escala de titulares de vistos e de Green Card, os cidadãos americanos que participarem em protestos contra genocídios do tipo de Gaza e também contra essas deportações, dificilmente serão poupados a acções punitivas. Também eles serão vitimados por apoiarem actividades “terroristas” estrangeiras. Em suma, é impossível, uma vez iniciado o processo de vitimização de uma parte da população por exprimir livremente as suas opiniões, sentirmo-nos seguros de que esse processo se limitará apenas a essa parte e não afectará o resto da população. É, portanto, justificado sentirmos que estamos no início de uma caça às bruxas ao estilo de McCarthy.

De facto, a caça às bruxas que se aproxima é ainda pior, em muitos aspectos, do que a lançada pelo Senador Joe McCarthy. Em primeiro lugar, a deportação de Mahmoud Khalil está a ser ordenada ao abrigo de uma disposição da Lei de Imigração e Nacionalidade dos Estados Unidos de 1952, que afirma que qualquer “estrangeiro, cuja presença ou actividades nos Estados Unidos, o secretário de Estado tenha motivos razoáveis para acreditar, teria consequências adversas potencialmente graves para a política externa dos Estados Unidos, é deportável”. A invocação desta cláusula significa, de facto, que nenhum estrangeiro, quer seja titular de um visto ou de uma Green Card, pode criticar a política externa dos Estados Unidos. No caso de Khalil, por exemplo, a acusação contra ele, para além de ser próximo de uma organização “terrorista”, o Hamas (para a qual não foi apresentada qualquer prova), é de “antissemitismo”, que é uma das caraterísticas que a política externa dos EUA pretende combater em todo o mundo; a sua oposição ao genocídio infligido em Gaza por Israel é classificada como “antissemitismo” e, portanto, como tendo consequências adversas para a política externa dos EUA. Mas uma acusação semelhante pode ser feita contra qualquer “estrangeiro” que critique qualquer aspecto da política externa dos EUA; e mesmo os cidadãos americanos que “ajudem e sejam cúmplices” desses “estrangeiros”, participando em manifestações contra a política externa dos EUA, um eufemismo para actos do imperialismo americano noutras partes do mundo, podem sem dúvida ser também acusados.

Por outras palavras, o âmbito da atual caça às bruxas é ainda mais vasto do que o do senador Joe McCarthy. Não é apenas dirigida contra um segmento da população, nomeadamente os comunistas e os seus simpatizantes, como era o caso do macartismo; pelo contrário, é dirigida contra qualquer pessoa que ouse criticar a política externa dos EUA e, acima de tudo, a política dos EUA de controlar a Ásia Ocidental através de um colonato israelense agressivo e expansionista.

Em segundo lugar, o macartismo foi desencadeado no contexto da Guerra Fria. A própria Guerra Fria fazia parte da luta do imperialismo contra o prestígio e o apêlo que a União Soviética havia adquirido durante a Segunda Guerra Mundial; criou o fantasma da agressão soviética, embora a União Soviética, devastada pela guerra, não tivesse quaisquer intenções agressivas. Em suma, o macartismo fazia parte de uma estratégia imperialista muito específica num contexto muito específico; mas a atual ofensiva de Trump surge numa situação em que o imperialismo não pode apresentar qualquer ameaça específica de qualquer potência em particular. Destina-se simplesmente a encobrir a agressividade do imperialismo num mundo em que nenhuma potência específica pode ser citada como uma ameaça, mas em que um grande número de países, empurrados para a parede pela crise infligida pela ordem neoliberal, procuram algum alívio aos acordos económicos que lhes são impostos. O contexto para o ataque de Trump é a falência moral do imperialismo e não a estatura moral subitamente reforçada de qualquer potência não imperialista em particular.

Em terceiro lugar, o facto de o ataque de Trump à liberdade de expressão ter um alvo mais vasto do que o do macartismo é confirmado pela forma totalmente anticonstitucional e peremptória como a sua administração está a ditar às universidades americanas a forma como devem conduzir os seus assuntos e a reter fundos federais no caso de se oporem. Assim, foram retidos 450 milhões de dólares de fundos federais à Universidade de Columbia [NR] se esta não acedesse à exigência da administração Trump de proceder a uma série de alterações no seu funcionamento; e a universidade terá alegadamente acedido agora a estas exigências, o que truncará grandemente a liberdade académica. Condicionar o acesso das universidades a fundos federais à sua gestão a contento do governo é tanto uma violação da autonomia da universidade como do seu ambiente académico. Obriga as universidades a tornarem-se órgãos do governo e não espaços de pensamento criativo e crítico. Trata-se de uma inovação inédita em comparação com o macartismo.

Por outras palavras, estamos a assistir a uma investida neofascista contra o pensamento que é ainda mais vasta do que a investida macartista da década de 1950. É claro que mesmo no resto dos países imperialistas que não têm regimes neofascistas no poder, o pensamento crítico e a liberdade de expressão também estão a ser atacados. Na Europa, por exemplo, não só se assiste a uma ameaça totalmente infundada de expansionismo russo (quando a realidade é o expansionismo da NATO até às fronteiras da Rússia e até o estacionamento de tropas alemãs na Lituânia), mas também a um apoio total à ação israelense em Gaza. De facto, qualquer crítica à ação israelense está a ser alcunhada de antissemitismo; e reuniões para discutir o genocídio em Gaza foram canceladas na Alemanha por ordens oficiais.

Assim, os países imperialistas, quer sejam governados por regimes neofascistas, quer por regimes burgueses liberais, estão a atacar fortemente a liberdade de expressão e estão a tornar-se mais repressivos; os regimes neofascistas são, evidentemente, comparativamente mais repressivos, mas os regimes burgueses liberais não ficam muito atrás. Além disso, isto está a acontecer numa altura em que os países imperialistas também estão a aumentar as despesas militares. A Alemanha acaba de aprovar uma alteração constitucional que eleva o limite máximo do seu défice orçamental, de modo a poder gastar mais em armamento. Também a França e o Reino Unido estão a aumentar as suas despesas militares em relação ao seu produto interno bruto. Em suma, o capitalismo metropolitano está a entrar numa fase de militarismo repressivo como não se via desde a Segunda Guerra Mundial, o que é um mau presságio para os povos do mundo.

30/Março/2025

[NR] Ver In complying with Trump’s demands to crack down on free speech, Columbia confesses that money, not education, is its goal

Ver também:
The dark, McCarthyist history of deporting activists

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2025/0330_pd/return-mccarthyism

António Gil - A ilusão de uma Europa pacífica



* António Gil

Um mito persistente mas agora moribundo.

Durante décadas acreditou-se que a União Europeia (antes CEE) seria a garantia de paz no continente. Eu mesmo, quando jovem acreditava nisso mas acordei para a dura realidade há mais de 3 décadas, por ocasião da guerra na ex Jugoslávia.

A crença era partilhada por muitos não europeus. Não por acaso, o neo con Robert Kagan escreveu que "Os americanos são de Marte e os europeus são de Vénus". Marte, como se sabe, era o Deus romano da guerra e Vénus a Deusa do amor. E a expressão resultou de uma conversão do título de um livro do filósofo John Gray ‘’Os homens são de Marte e as mulheres são de Vénus’’.

Bom, ambas as ideias estão erradas. No que ao impulso belicista diz respeito, a Europa esteve na origem de duas guerras mundiais. E depois disso, não apenas no caso jugoslavo mas também na Líbia, os europeus (franceses e ingleses, no caso) foram os verdadeiros iniciadores da guerra, a administração Obama acabou por se lhes juntar mais tarde.

Se algum mérito Trump teve, no caso da guerra da Ucrânia, foi dar a machadada final na crença que os EUA são entusiastas da guerra e os europeus apenas os seguem. Ninguém agora pode mais acreditar nisso.

A indignação de Macron, Starmer, Baerbock e Merz diante da possibilidade dos EUA simplesmente se retirarem de uma guerra que eles teimam em continuar é evidente. Os apelos de Ursula, Kallas e Mark Rutte (um holandês) para o rearmamento europeu, falam por si.

Isto é tanto mais grave quanto sabemos que duas guerras mundiais na Europa arruinaram o continente e levaram a sua perda de influência mundial. Uma terceira guerra generalizada ao continente devia, por isso, fazer soar todos os alarmes e despertar todos os terrores.

No entanto, não se nota, nas opiniões públicas europeias qualquer agitação. Em alguns países fala-se de serviço militar obrigatório, a Dinamarca irá mobilizar também as mulheres, Ursula propõe um kit ridículo de sobrevivência para 3 dias e poucos cidadãos reagem a tais propostas.

Há um sonambulismo incompreensível dos europeus quanto a esta verdadeira ameaça a sua sobrevivência e ainda não entendi se ela resulta do cepticismo (ninguém acreditar em tal possibilidade) se de conformismo ou preguiça de reagir.

https://antoniojfgil.substack.com/p/the-illusion-of-a-peaceful-europe? 

terça-feira, 25 de março de 2025

Domingos Lopes - UM PROVOCADOR É UM PROVOCADOR JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS


*  Domingos Lopes


Confesso que só hoje vi a entrevista à RTP1 no dia 24, devido aos protestos do PCP e de outros comentários.

 Na verdade, a RTP 1 não encomendou ao pivô uma entrevista. Encomendou um julgamento, até no plano, tal como num tribunal, o pivô estava numa posição mais alta que o Secretário-Geral do PCP. E esse plano é brutal do ponto de vista psicológico no sentido de diminuir o entrevistado.

José Rodrigues dos Santos, ao longo dos dez minutos, apenas tinha em mente encurralar Paulo Raimundo e foi o que tentou fazer, comportando-se como se fosse o dono da RTP, e quisesse acusar o PCP de blasfémia por não aplaudir os deputados ucranianos. Por muito que P.R. explicasse que não aplaudiu aqueles deputados porque serem também responsáveis pelo facto de na Ucrânia os partidos social-democrata, comunista, e outros, menos os partidos ligados aos nazis – os Banderistas e os nazis do batalhão Azov – bem como os sindicatos estarem ilegalizados.

JRS impediu conscientemente que PR abordasse os temas relacionados com as eleições de 18 de maio. Seguramente não convidaram PR com a informação que a entrevista de 10 minutos seria exclusivamente sobre a Ucrânia.

JRS e os seus donos atraíram PR para uma entrevista sobre as eleições e depois de o “apanharem” nos estúdios enfiaram-lhe um enxerto de “porrada”, o que não conseguiram face ao desempenho do entrevistado. Trata-se de uma covardia sem limites. Como todos os covardes, JRS pretendeu ser forte com a eventual  “ fraqueza” do entrevistado face ao tema Ucrânia, onde o pensamento único, o do partido da guerra é dominante e ficam boquiabertos quando alguém ao arredio da bolha dos media se atreve a defender outra solução que não seja a do rearmamento e a da guerra.

Como se convidasse Luís Montenegro, Pedro Nuno dos Santos, e todos os outros dirigentes e, durante o tempo, lhes perguntasse os motivos de defenderem o envio de cada vez mais armamento para a Ucrânia e a razão de os seus partidos aplaudirem deputados  de um parlamento onde socialistas, social-democratas, comunistas e partidos de esquerda  estão interditos. Ou por que motivo defendem o envio de armas para a Ucrânia e não para a Palestina. E nem mais um segundo sobre o dia 18 de maio.

JRS prestou um péssimo serviço ao pluralismo que deve nortear a informação. Vestiu a farda de capataz e despiu a de jornalista. Foi um pouco mais longe. De cima da sua arrogância comportou-se como um velhaco. Só faltou piscar o olho em direto aos que com ele organizaram semelhante velhacaria.  

25 de Março de 2025

https://ochocalho.com/2025/03/25/um-provocador-e-um-provocador/

quinta-feira, 20 de março de 2025

Domingos Lopes - Gira, el mundo gira

 * Domingos Lopes  

Admite-se a dificuldade em acompanhar as grandes mudanças no mundo. Normalmente é mais fácil seguir o curso normal. Porém, o curso normal das coisas não é seguro. Muda, às vezes. Estamos a assistir e a participar num desses momentos de mudança. O que levou o nosso Camões a dizer que – todo o mundo é composto de mudança, tomando novas qualidades – e cá vamos nós atrás das mudanças que outros vão à frente.

A guerra nunca teria acontecido se a Rússia não tivesse invadido a Ucrânia e os EUA /UE/Zelenski não quisessem a invasão/guerra. Os ucranianos davam o sangue, a UE o apoio material (em boa medida) e os EUA alimentavam-na com sua poderosa máquina de guerra. Daí ser uma guerra do Ocidente por via dos proxys ucranianos que dependiam dos EUA em matéria de armamento.

Se recuarmos no tempo, os dirigentes ocidentais, designadamente os da UE posicionam-se hoje em frontal contradição com as suas declarações a garantir que não havia espaço para negociações e a Rússia teria de sofrer uma derrota estratégica. Em todos os media, salvo três ou quatro honrosas exceções, esta era a verdade única, a que podia ser difundida e foi ad nauseam.

A arrogância ocidental atingia o pico himalaiano. Os russos nem sequer tinham botas e as armas eram da 1ª guerra mundial. E provavelmente muitos daqueles fazedores de opinião acreditavam no que diziam, tão grande era, por que não dizê-lo, a sua burrice e, nalguns casos, a cretinice.

Esta guerra contribuiu para mudar o mundo. Os que a viam, perdidos no tempo dos filmes sem som e a preto e branco, não têm agora capacidade (talvez alguns mais refinados não queiram) de encarar a novidade no mundo. Ainda vivem no mundo hegemónico ocidental.

Os que seguiam os EUA para onde quer que eles fossem, não compreendem que o papel dos subservientes é serem-no e assim está cumprido o seu papel. Quando já não servem, são descartáveis. A História demonstra-o.

O aparecimento de um novo chefe de fila do grande Império com ideias iguais às do ex-chefe, mas com um caminho diferente para manter a hegemonia, baralhou os súbditos e deixou-os a esbracejar e a fazer proclamações ocas e próprias, na linguagem de Nitzsche, da décadence evidente partout.

António Costa, refiro-o por ser de cá do burgo, passou o seu tempo enquanto Primeiro-Ministro a proclamar que a Rússia tinha de ser derrotada. Ele e o seu governo. Ele e quase todos os dirigentes do PS. Ia atrás da Sra. Ursula, do Sr. Scholtz, do Sr. Macron, do Sr. Riki, do Sr. Steimer, do Sr. Borrel, do Sr. Stoltenberg e do atual Sr. Rutte e da Sra. Kaya Kallas e de tutti quanti.

O Sr. Presidente do Conselho Europeu acordou ontem no meio de esta longa letargia para vir acusar a Rússia de não querer negociar e, por isso, era preciso obrigá-la a negociar…Depois de terem prometido a Zelenski que se não assinasse o Acordo de Istambul, lhe daria todo o apoio as long as it takes.

Esta nata de dirigentes da UE são irresponsáveis e movem-se num mundo paralelo à realidade material. É de admitir que se sintam fora do tempo. Só que não voltam para dentro do tempo e continuam a correr numa realidade paralela e abusivamente a tentar impor às nações da UE e aos povos destas nações o fardo do partido da guerra.

Abraçaram – socialistas, liberais novos e antigos, populares e democratas-cristãos, certos verdes e outros de outras cores – o partido único, o partido da guerra.

Já nada têm a propor à Europa, a não ser a guerra. A Alemanha rearma-se e a França assusta-se. Macron está de partida. Mertz tem 30% e sem o SPD e os Verdes não anunciaria o que anunciou. Falou em 800 000 milhões para armas, grande parte delas para comprar aos EUA…

O rearmamento da Europa não é só para dar cobertura à russofobia; destina-se a manter os povos em estado de alienação e tentar cada uma das potências ficar com mais poder que a outra. A NATO quanto tempo durará? Sem o cimento do patrão…

Trump tenta dividir o eixo Rússia/Irão/China. O novo imperador trata de se ocupar de outros assuntos dada a quase insignificância da UE com tais senhoras e cavalheiras à frente dos seus destinos. Trump “compreendeu” que a escalada na guerra atingiria perigosamente o patamar nuclear. A UE, como não dispõe tal armamento, afirma-se como um garnizé frente ao galo da capoeira. Por isso, a UE está como está, com governos minoritários à espera de fazer aceitar o que já muitos aceitam, a extrema-direita.

Nem nestas circunstâncias, únicas para fazer a diferença, a UE e seus dirigentes são capazes de confiar nos povos respetivos e mobilizá-los para fazer do nosso fantástico continente um continente de paz, harmonia, liberdades, direitos, com um ambiente sustentável e de cooperação com todos os povos do mundo numa plataforma de segurança para todos, ucranianos, russos e todos, mesmo todos. Essa seria a melhor defesa da Europa. Os russos vieram a este lado da Europa para derrotarem em Berlim Hitler e a Paris atrás do exército napoleónico e regressaram de imediato. Os que vivem na Europa são europeus, desde Lisboa aos Urais. A Europa precisa de paz e cooperação para ser diferente e importante no mundo.

20 de Março de 2025 

https://ochocalho.com/2025/03/20/gira-el-mundo-gira/

segunda-feira, 17 de março de 2025

António Gil - Os líderes políticos actuais do ocidente foram escolhidos num casting



* António Gil


Os líderes políticos actuais do ocidente foram escolhidos num casting

Disso mesmo se gabou várias vezes Klauss Schwab, o patrão do Fórum Económico Mundial

.Se é verdade -como acredito que é - que a qualificação para a sobrevivência dos indivíduos, como dos povos, depende em larga medida da capacidade de adaptação a novas circunstâncias, então devo dizer que a civilização no seio da qual nasci parece irremediavelmente comprometida

Há um número indeterminado - mas grande - de indivíduos europeus, canadianos, americanos, australianos e neo-zelandeses que parecem ter ficado presos num tempo em que a URSS e os EUA putativamente decidiam os destinos do mundo. Bom, nem nessa época isso era verdade, imaginem agora, mais de uma geração depois.

Podemos certamente acusar os sistemas educativos e a propaganda ocidentais de tudo, certamente, menos de sofisticação. Não há nuances nem flexibilidade mental nas formas de conceber o mundo geo-político actual nas massas ocidentais. Só o preto e branco, sem sequer a qualidade imagética de Eisenstein, esse genial realizador que deixava os tons de cinzento implícitos, no seu gosto pelos grandes contrastes.

É tudo tão primitivo que ainda vemos gente falando sobre ditaduras comunistas e lutadores pela liberdade (anti-comunistas, dentro desse esquema simplista). E sim, para muitos a Rússia permanece comunista e os EUA os campeões do livre mercado, não importa quantas tarifas imponham aos produtos que …importam.

Tudo o que aconteceu depois do colapso do muro de Berlim? é como se não tivesse existido! se isto não representa um caso de estado coma mental, nem sei o que chamar-lhe. E não, isto não é uma percepção de ‘camponeses’, de gente iletrada, pelo contrário. Na verdade, esta visão foi imposta de cima para baixo, os ‘camponeses’ apenas papagueiam o que dizem suas supostas elites.

Nada disto seria novo, não se desse o caso de parecer cada vez mais evidente que as ditas ‘elites’ parecem realmente acreditar no que dizem. Em épocas históricas não tão distantes assim, a elite parecia ter -pelo menos - a noção que havia duas ‘realidades’ imiscíveis:
1- O que era preciso dizer à populaça para que esta se mantivesse ordeira. As elites do passado não acreditavam naquilo que diziam, mas sabiam o que era preciso dizer para manterem seus privilégios.

2- A realidade propriamente dita, que as elites conheciam e mantinham em circuito fechado, longe do conhecimento público. Essa realidade não era desprezada, dentro de um certo círculo, era mesmo estudada e aprofundada, com o mesmo objectivo: a manutenção ou ampliação dos privilégios próprios.

Hoje isso não parece acontecer. A própria elite parece acreditar piamente nas suas mentiras. Como explicar isso? 

Bom, na minha opinião a ‘elite’ que temos é pouco mais que um punhado de camponeses deslumbrados, pagos a peso de ouro mas nem por isso cientes do que dizem e do que fazem. Não são pessoas que alguma vez tivessem recebido (como os aristocratas do passado) qualquer rudimento da arte de governar, são ‘celebridades’, promovidas pelos mesmos processos que consagraram artistas da música pop ou do cinema. E tal como a maioria destes, vindos dos extractos mais baixos da sociedade. Talvez as chamadas democracias ocidentais se resumam a isto, afinal: pessoas escolhidas num casting para interpretarem o papel de governantes. E quando o casting falha, quem paga o ‘filme’ anula a escolha e avança com protagonistas de seu agrado, como aconteceu recentemente na Roménia.


mar 16, 2025
https://antoniojfgil.substack.com/p/the-current-political-leaders-of?