sábado, 16 de maio de 2015

Jorge de Sena - Quatro sonetos a Afrodite Anadiómena

* Jorge de Sena



                                               PANDEMO
                (SONETO 1 A AFRODITE ANADIÓMENA)
                                                                                    

Dentífona apriuna a veste iguana
de que seescalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcendia inana!

Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrrica donstália penicela,
às tricotas relesta demiquela,
fissivirão bolíneos, ó primana!

Dentívolos palpículos, baissai!
lingânicos dolins, refucarai!
Por mamivornas contumai a veste!

E, quando prolifarem as sangrarias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.



                                      ANÓSIA
         ( SONETO 2 A AFRODITE ANADIÓMENA)
                                                                                    

Que marinais sob tão porá luva
de esbranforida pela retinada
não dão volpúcia de imajar anteada
a que moltínea se adamenta ocuva?

Bocam dedetos calcurando a fuva
que arfala e dúpia de antegor tutada,
e que tessalta de nigrors nevada.
Vitrai, vitrai, que estamineta cuva!

Labiliperta-se infanal a esvebe,
agluta, acedirasma, sucamina,
e maniter suavira o termidodo.

Que marinais ducífima contebe,
ejacicasto, ejacifasto, arina!...
Que marinais, tão porá luva, todo...



                                      URÂNIA
         (SONETO 3 A AFRODITE ANADIÓMENA)
                                                                                    
Purília amancivalva emergidanto,
imarculado e rósea, alviridente,
na azúrea juventil conquinomente
transcurva deaste o fido corpo tanto...

Tenras nadáguas que oculvivam quanto
palidiscuro, retradito, e olente
é mínimo desficta, repente,
rasga e sedente ao duro latipranto.

Adónica seesvolve na ambolia
de terso antena avante palpinado.
Fímbril, filível, viridorna, gia

Em túlida mancia, vaivinado.
Transcorre uníflo e suspentreme o dia
noturno ao lia e luçardente ao cado.



                                     AMÁTIA
                   (SONETO 4 AAFRODITE ANADIÓMENA)

                                                                                    
Timbórica,  morfia, ó persefessa,
melaina, andrófona, repitimbídia,
ó basilissa, ó scotia, masturlídia,
amata cíprea, calipígia, tressa

de jardinatas nigras, pasifessa,
luni-rosácea lambidando erídia,
erínea, erítia, erótia, erânia, egídia,
eurínoma, ambológera, donlessa.

Áres, Hefáistos, Adonísio, tutos
alipigmaios, alilícios, futos
de Lívia damitada, organissanta,

Agonimais se esgorem, morituros,
necrotentavos de escancárias duros,
tantisqua abrandimenbra a teia canta.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Agostinho Neto - MEIA-NOITE NA QUITANDA



* Agostinho Neto

- Cem réis de jindungo
Sá Domingas.
O sol
entrega Sá Domingas à lua
nas quitandas dos musseques

E a quitandeira esperando

-Cinquenta réis de tomate
três tostões de castanha-de-caju
um doce de coco
Sá Domingas

Ela vende na quitanda à meia-noite
que o filho
está na estrada
precisa de cem réis para pagar o imposto

O sol deixa Sá Domingas
na quitanda
e ela deixa o luar

Um tostão
dois tostões
três tostões
que o coração de Sá Domingas
sofre mais ainda do que o corpo na quitanda.

partilhado por Clara Esteves

domingo, 10 de maio de 2015

Frei António das Chagas - Romance de uma Freira Indo às Caldas

Frei António das Chagas


Belisa, aquela beldade, 
Cujas perfeições são tais, 
Que a formosura e juízo 
Vivem nela muito em paz; 
Aquela Circe das almas, 
Cuja voz sempre será 
Encanto dos alvedrios 
E o pasmo de Portugal; 
Enferma, bem que sublime, 
De uns achaques mostras dá, 
Pois às deidades também 
Os males se atrevem já. 
Por se livrar das moléstias 
Que a costumam magoar, 
Se negou remédio às vidas, 
Por remédio às Caldas vai. 
Aquele sol escondido 
Entre as nuvens de um saial, 
Se ocaso faz de um convento, 
Do campo eclíptica faz. 


Mas, logo que os campos lustra, 
Alento e desmaios dá 
Ao dia para luzir, 
Ao Sol para se eclipsar. 
Aos prados, a quem o Estio 
Despe a gala natural, 
Quando os olhos podem ver, 
Flores tornam a enfeitar. 
Dando-lhe a música os bosques 
Com citara de cristal, 
Parece entre os ramos verdes 
Cada rouxinol um Brás. 
A viração que entre as folhas 
Sempre buliçosa está, 
Ou já murmure ou suspire, 
Faz de cada assopro um ai. 
Cuido que, por festejá-la 
Com contentamento igual, 
As fontes querem tanger 
E as plantas querem bailar. 

Frei António das Chagas, in 'Fénix Renascida' 

Drummond e Neruda - Poemas a Estalinegrado

8 de maio de 2015 - 16h07 

A Batalha de Stalingrado, que deu início à vitória do povo soviético durante a Grande Guerra Patriótica, já foi citada e homenageada em inúmeras obras literárias. Prosa, Poesia & Artetraz duas poesias sobre o tema: Novo Canto de Amor a Stalingrado, do poeta chileno Pablo Neruda e Stalingrado de Carlos Drummond de Andrade. 



Os dois poemas abordam a coragem e a convicção dos soldados do Exército Vermelho ao avançar contra a Alemanha Nazista. 


Leia na íntegra: 


Novo Canto de Amor a Stalingrado


(Pablo Neruda)


Escrevi sobre a água e sobre o tempo,
descrevi o luto e seu metal acobreado,
escrevi sobre o céu e a maçã,
agora escrevo sobre Stalingrado.



As noivas já guardam no seu lenço
raios de meu amor enamorado,
meu coração agora está no solo,
na fumaça e na luz de Stalingrado.



Já toquei com as mãos a camisa
do crepúsculo azul e derrotado:
agora toco a própria luz da vida
nascendo com o sol de Stalingrado.



Sinto que o velho-jovem transitório
de pluma, como os cisnes adornado,
despe a roupagem de seu mal notório
por meu grito de amor a Stalingrado.



Ponho minh`alma onde quero.
E não me nutro de papel cansado
temperado de tinta e de tinteiro.
Nasci para cantar a Stalingrado.



Minha voz esteve com teus inúmeros mortos
contra teus próprios muros esmagados,
minha voz soou como o sino e o vento
vendo-te morrer, Stalingrado.



Agora americanos combatentes
brancos e escuros como a romã,
matam no deserto a serpente.
Já não estás a sós, Stalingrado.



França volta às velhas barricadas
com pavilhão de fúria hasteado
sobre as lágrimas recém derramadas.
Já não estás a sós, Stalingrado.



E os grandes leões da Inglaterra
voando sobre o mar de furacões
cravam as garras na parda terra.
Já não estás a sós, Stalingrado.



Hoje abaixo de suas montanhas de escarmento
não estão apenas os teus enterrados:
tremendo está a carne de teus mortos
que tocaram tua frente, Stalingrado.



Teu aço azul de orgulho construído,
seu cabelo de planetas coroados,
teu baluarte de pães divididos,
tua fronteira sombria, Stalingrado.



Tua Pátria de louros e martírios,
o sangue no teu esplendor nevado,
o olhar de Stalin sobre a neve
tingida com teu sangue, Stalingrado.



As condecorações que teus mortos
colocaram sobre o peito transpassado
da terra, o estremecimento
da morte e da vida, Stalingrado.



O sal profundo que de novo traz
ao coração do homem estremecido
com a rama de vermelhos capitães
saídos de teu sangue, Stalingrado.



A esperança que se rompe em seus jardins
como a flor da árvore esperada,
a página gravada de fuzis,
as letras de sua luz, Stalingrado.



A torre que concebes nas alturas,
os altares de pedra ensanguentados,
os defensores de tua idade madura,
os filhos de tua pele, Stalingrado.



As águias ardentes de tuas pedras,
os metais por tua alma amamentados,
os adeus de lágrimas imensas
e as ondas de amor, Stalingrado.



Os ossos dos assassinos feridos,
os invasores de pálpebras fechadas
e os conquistadores fugitivos
atrás de sua centelha, Stalingrado.
Os que humilharam a curva do Arco
e as águas do Sena transpuseram
com o consentimento do escravo,
se detiveram em Stalingrado.



Os que a bela Praga sobre lágrimas,
sobre o emudecido e o traído,
passaram pisoteando suas feridas,
morreram em Stalingrado.



Os que na gruta grega esculpiram
a estalactite de cristal quebrado
em seu clássico azul escasso,
agora onde estão, Stalingrado?



Os que a Espanha incediaram e dividiram
deixando o coração encarcerado
dessa mãe de ensinos e guerreiros,
se puseram a seus pés, Stalingrado.



Os que na Holanda, água e tulipas
salpicaram no lodo ensanguentado
e derramaram o açoite e a espada,
agora dormem em Stalingrado.



Os que na branca noite da Noruega
Um uivo de chacal soltaram
incendiando esta gelada primavera,
emudeceram em Stalingrado.



Horror a ti pelo que o ar traz,
o que se há de cantar e o cantado,
horror por tuas mães e teus filhos
e teus netos, Stalingrado.
Horror ao combatente da névoa,
horror ao comissário e ao soldado,
horror ao céu por traz da tua lua,
horror ao sol de Stalingrado.



Guarda-me um pedaço de violenta espuma,
guarda-me um rifle, guarda-me um arado,
e que o coloquem em minha sepultura
com uma espiga vermelha de teu estado,
para que saibam, se há alguma dúvida,
que morri amando-te e que me tens amado,
e se não estive combatendo em tua cintura
deixo em tua honra esta granada escura,
este canto de amor a Stalingrado.




Stalingrado


(Carlos Drummond de Andrade) 


Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas 
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora, 
e o hálito selvagem da liberdade 
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem, 
enquanto outros, vingadores, se elevam.



A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída, 
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas, 
na tua fria vontade de resistir.



Saber que resistes.
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.
Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.
Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
Saber que vigias, Stalingrado,
sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes
dá um enorme alento à alma desesperada
e ao coração que duvida. 



Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder, 
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta, 
aprendem contigo o gesto de fogo.
Também elas podem esperar.



Stalingrado, quantas esperanças!
Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!
Que felicidade brota de tuas casas!
De umas apenas resta a escada cheia de corpos; 
de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas, 
todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!



A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,
apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,
caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,
sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?
Uma criatura que não quer morrer e combate, 
contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,
contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,
contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate, 
e vence.



As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres, 
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.



Leia também: 


Do Portal Vermelho

sábado, 9 de maio de 2015

Jacques Prevert - Rappelle-toi Barbara (1046)

Apesar das sangrentas batalhas a poesia nasce. Este poema nasceu sobre a batalha de Brest em 1939 aquando da invasao da Polonia pela Alemanha nazi



Jacques Prevert


Rappelle-toi Barbara 


Rappelle-toi BarbaraIl pleuvait sans cesse sur Brest ce jour-làEt tu marchais souriante
Epanouie ravie ruisselante
Sous la pluieRappelle-toi BarbaraIl pleuvait sans cesse sur Brest
Et je t'ai croisée rue de Siam
Tu souriais
Et moi je souriais de même Rappelle-toi Barbara
Toi que je ne connaissais pas
Toi qui ne me connaissais pas
Rappelle-toi
Rappelle toi quand même ce jour-là
N'oublie pas
Un homme sous un porche s'abritait
Et il a crié ton nom
Barbara
Et tu as couru vers lui sous la pluie
Ruisselante ravie épanouie
Et tu t'es jetée dans ses bras
Rappelle-toi cela Barbara
Et ne m'en veux pas si je te tutoie
Je dis tu à tous ceux que j'aime
Même si je ne les ai vus qu'une seule fois
Je dis tu à tous ceux qui s'aiment
Même si je ne les connais pas
Rappelle-toi Barbara
N'oublie pas
Cette pluie sage et heureuse
Sur ton visage heureux
Sur cette ville heureuse

Cette pluie sur la mer
Sur l'arsenal
Sur le bateau d'Ouessant

Oh Barbara
Quelle connerie la guerre
Qu'es-tu devenue maintenant
Sous cette pluie de fer
De feu d'acier de sang
Et celui qui te serrait dans ses bras
Amoureusement
Est-il mort disparu ou bien encore vivant
Oh Barbara
Il pleut sans cesse sur Brest
Comme il pleuvait avant
Mais ce n'est plus pareil et tout est abîmé
C'est une pluie de deuil terrible et désolée
Ce n'est même plus l'orage
De fer d'acier de sang
Tout simplement des nuages
Qui crèvent comme des chiens
Des chiens qui disparaissent
Au fil de l'eau sur Brest
Et vont pourrir au loin
Au loin très loin de Brest
Dont il ne reste rien.


                             Jacques Prévert, "Paroles", Gallimard, 1946

(tradição)

Lembra-te Barbara

Chovia sem parar sobre Brest
naquele dia
E tu caminhavas sorridente
Alegre feliz resplandecente
Sob a chuva
Lembra-te Barbara
Chovia sem parar sobre Brest
E cruzei-me contigo na rua de Siam
Tu sorrias
E eu sorria também
Lembra-te Barbara
Tu que eu não conhecia
Tu que me não conhecias
Lembra-te
Lembra-te portanto daquele dia
Não esqueças
Um homem sob um pórtico abrigado
Gritou o teu nome
Barbara
E tu correste para ele sob a chuva
Resplandecente feliz alegre
E lançaste-te nos seus braços
Lembra-te disso Barbara
E não me queiras mal por te tratar por tu
Trato por tu todos os que amo
Ainda que os tenha visto uma só vez
Trato por tu todos os que se amam
Ainda que os não conheça
Lembra-te Barbara
Não esqueças
Esta chuva sábia e feliz
Sobre o teu rosto feliz
Sobre esta cidade feliz
Esta chuva sobre o mar
Sobre o arsenal
Sobre o barco de Ouessant
Oh Barbara
Que parvoíce a guerra
Quem és tu agora
Sob esta chuva de ferro
De fogo de aço de sangue
E aquele que te apertava nos braços
Amorosamente
Morreu desapareceu ou é ainda vivo
Oh Barbara
Chove sem parar sobre Brest
Como chovia antes
Mas nada é igual e está tudo destruído
É uma chuva de luto terrível e desolada
Não é a mesma tempestade
De ferro de aço de sangue
Simplesmente nuvens
Que rebentam como cães
Cães que desaparecem
Na torrente da água que cai sobre Brest
E vão apodrecer longe
Longe muito longe de Brest
Da qual nada resta

(partilhado por Manela Pinto)