sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Análise do poema "Tabacaria" de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

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Análise do poema "Tabacaria" de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
 

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Datado de 15/1/1928, o poema "Tabacaria" enquadra-se na terceira fase poética de Álvaro de Campos, denominada a fase pessoal (Jacinto Prado Coelho) ou "Fase Pessimista", que vai de 1916 a 1935 (ano da morte de Pessoa). Desiludido dos esforços das fases anteriores, "Sensacionista" e "Futurista", Campos deixa-se cair num pessimismo intenso, marcado com um forte regresso das memórias da sua infância e a consciência de que ficou (e está) sozinho no mundo.
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A linguagem é muito mais moderada do que nas fases anteriores. Campos assume-se agora como um poeta plenamente desiludido com a vida, e muitos dos seus poemas - como Tabacaria - ganham um ritmo deliberadamente lento e retrospectivo, em clara contraposição com por exemplo as grandes Odes do seu período futurista.
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O tema do poema é a dimensão da solidão interior face à vastidão do Universo exterior. A Tabacaria acaba por ser um símbolo que não tem valor próprio - verdadeiramente importante é que esse símbolo faz nascer em Campos a necessidade de analisar a sua própria existência face à existência da Tabacaria enquanto coisa fixa e real.
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Podemos imaginar Pessoa no seu quarto da Rua Coelho da Rocha. Talvez nada disto tenha ocorrido, ou tenha sido um episódio real que se derramou para a literatura. Seja como for, há nisto um leit-motif muito próprio de Pessoa - a ligação do imanente e do transcendente, do real e do ideal, do eu e do vário.
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A própria simbologia do quarto e da janela versus a rua e a Tabacaria, representa essa oposição entre o "dentro" e o "fora", uma oposição dialéctica que parte em busca de uma síntese de compreensão.
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Mas ao longo de todo o texto, há uma noção clara de diálogo, mesmo sem personagens. É de facto um monólogo, onde Campos fala para si mesmo, e em evidentes momentos de quebra (passagens entre parêntesis) pára mesmo para pensar, intercalando ao discurso racional momentos de delírio momentâneo, irracionais, emocionais, mas complementares.
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Eu dividiria o poema em 5 partes.
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A primeira parte corresponde à primeira estrofe, onde é assumido uma espécie de vazio ontológico - "não sou nada", e a contraposição entre o nada exterior e o tudo interior ("tenho em mim..."). Na realidade o vazio ontológico é ilusório e aquele "nada" é apenas o assumir de não ser nada exteriormente - a nulidade não é verdadeiramente ontológica, mas fenomenológica.
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Na parte seguinte, estrofes 2-6, Campos estabelece a sua condição actual ao mesmo tempo que nos localiza - sabemos que está no seu quarto e a metáfora do quarto é a metáfora da sua condição humana. Ele é uma mente presa num quarto que olha a realidade do dia-a-dia por uma janela. Simples, mas ao mesmo tempo delicada, a simbologia marcante destas estrofes levam-nos à definição do "eu" de Campos enquanto ser só e abandonado à sua sorte. Ao transferir para metáforas reais os seus sentimentos, Campos concretiza poeticamente uma análise impossível através do raciocínio simples. Mas o que fica é sobretudo um sentido de oposição entre realidade (a rua, a Tabacaria) e irrealidade (a vida de Campos, o quarto). A ligação entre ambas é apenas uma janela, ou seja, permite uma interacção limitada, mas nunca uma passagem concreta de uma para a outra. Campos é um "falhado", mesmo que se saiba um génio - é afinal Pessoa que fala pela voz da Campos. Está vencido e sabe que nunca conseguirá ser feliz.
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Na quarta parte (estrofes 7-13), até à entrada do homem na Tabacaria, Campos justifica para si mesmo o rumo que tomou na vida e, deixando ainda tomar-se pelo desespero, olha as alternativas que lhe restavam para ser feliz. Aqui a contraposição já não é entre o real e o ideal, entre o fora e o dentro, mas entre ele e os outros, entre a sua condição e a condição dos outros. Choca-lhe sobretudo aqueles que vivem a sua vida numa inconsciência plena - essa é afinal em muitas das passagens de Pessoa, afinal o ideal inatingível de felicidade - porque os vê precisamente como os suas próprias némesis, os seus adversários, os adversários de quem pensa e se preocupa. Começa com a rapariga que come chocolates, suja, perdida na sua gula. Essa passagem é marcante e simples de analisar: "Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! / Mas eu penso". Mas sabe que isso está fora do seu alcance - ele não vai deixar de pensar. Resta-lhe uma atitude nobre vaga: os poemas. Uma atitude nobre que ele espera que o salve, não sabe bem como, de uma mediocridade intensa que lhe vem de não nada fazer sentido na sua vida.
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A quinta parte (estrofe 8 e seguintes) marcam o regresso da realidade. Campos deixa de "filosofar" quando um elemento real se intromete entre ele e a Tabacaria. Tudo se desmorona, porque tudo estava apenas no pensamento de Campos e nunca poderia ser real da mesma maneira que o Esteves é real. (haverá também afinal um nome mais real do que Esteves?). Passando subitamente a interveniente na realidade que analisava, Campos, assim que vê um conhecido e que depois lhe acena, deixa de poder estar fora da realidade para ser puxado violentamente para o meio dela. É assim que o Universo se reconstrói subitamente, sem metafísica, ou seja, sem dar mais azo ao pensamento e à análise - é só a verdade dos sentidos e não a idealização do pensamento.
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Ver mais notas sobre o estilo do texto aqui:
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81lvaro_de_Campos
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1 comentário:

Unknown disse...

Pessoa é FUNDAMENTAL! Adorei sua análise! Já estou te seguindo.

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