- hélder moura
- 17.12.25
A repetição, muitas
vezes sobrevalorizada por se acreditar na capacidade inferior das massas para a
perceber e recordar, é, contudo, importante porque as convence da
consistência ao longo do tempo, H. Arendt.
O termo “lavagem de cérebro”,
apesar de carecer de qualquer fundamentação científica validada, entrou para o
imaginário da nossa sociedade como um conjunto de técnicas científicas.
O nosso problema é que as
pessoas são obedientes quando as prisões estão cheias de pequenos ladrões
enquanto os grandes ladrões comandam o país, H. Zinn.
Não é por acaso que nos EUA (não
só) a chamada e assumida Direita Cristã tem vindo a impor que
o criacionismo, ou o “desígnio inteligente” faça parte dos
programas escolares, a ser ensinado em pé de igualdade científica com o
evolucionismo. Ela sabe que o descrédito das disciplinas racionais, pilares do
Iluminismo, é fundamental para destruir a indagação intelectual honesta e
desapaixonada. A partir daí, os factos passam a poder ser intermutáveis
com as opiniões.
O conhecimento da realidade não
necessita já de ter por base a colheita elaborada de factos e evidências. Só
por si, a ideologia é a verdade. Os factos que se interponham no caminho da
ideologia podem ser mudados. As mentiras passam a ser verdades.
Mais abrangente, Hannah Arendt,
explica-nos nas Origens do Totalitarismo, o comportamento de
aceitação das massas:
“Aquilo que convence as massas
não são os factos, nem mesmo os inventados, mas apenas a consistência do
sistema de que eles presumidamente fazem parte. A repetição, muitas
vezes sobrevalorizada por se acreditar na capacidade inferior das massas para a
perceber e recordar, é, contudo, importante porque as convence da
consistência ao longo do tempo.”
É a 24 de setembro de 1950 que
o Miami News publica um artigo do jornalista americano Edward Hunter em
que pela primeira vez aparece o termo “lavagem de cérebro”
(brain washing), que apesar de carecer de qualquer fundamentação
científica validada, vai entrar para o imaginário da nossa sociedade como o
conjunto de técnicas psicológicas que manipulam ações ou pensamentos contra a
vontade, o desejo ou o conhecimento de uma pessoa, reduzindo-lhe a capacidade
de pensar criticamente ou de forma independente, permitindo a introdução de
novos pensamentos e ideias indesejáveis na sua mente.
Segundo Hunter, combinando a
teoria Pavloviana com a tecnologia moderna, os psicólogos chineses e russos
conseguiram desenvolver técnicas poderosas de manipulação do cérebro das
pessoas. Hunter cunhou o termo após entrevistar ex-prisioneiros chineses que
foram submetidos a um processo de "reeducação”, bem como às técnicas de
interrogatório que o KGB utilizava durante as purgas para extrair confissões de
prisioneiros inocentes e, a partir daí, conseguiram variações - controlo da
mente, alteração da mente, modificação do comportamento e outras.
Um ano depois, Hunter publica a
sua obra base, Brain-Washing
in Red China: The calculated Destruction of Men’s Minds, (Internet
Archive, pdf), como alerta para o que entendia ser um vasto sistema maoísta de
"reeducação" ideológica. A nova terminologia encontrou o seu caminho
de aceitação maioritária na nossa sociedade como provam o mais vendido romance O Candidato da
Manchúria e os filmes com o mesmo nome de 1962 (de
John Franenheimer, com Frank Sinatra) e de 2004 (de
Jonathan Demme, com Denzel Washington e Meryl Streep).
Talvez seja importante notar que
Hunter fez parte de várias organizações de propaganda da
CIA, e durante uma sua deposição perante o Comité
de Atividades Antiamericanas da Câmara dos Representantes dos EUA,
afirmou que os EUA e a NATO perderam a Guerra Fria devido à vantagem dos
comunistas na propaganda e na manipulação psicológica, e que o Ocidente perdera
a Guerra da Coreia por não estar disposto a usar a sua vantagem em bombas
atómicas. Não via qualquer diferença entre os vários países comunistas e
advertiu que tanto a Jugoslávia como a China estavam tão empenhadas na
dominação mundial comunista quanto a União Soviética.
Estava criado o ambiente social e
político para que a partir do início da década de 1950, a Agência Central de
Inteligência (CIA) e o Departamento de Defesa dos EUA realizassem pesquisas
secretas, incluindo o Projeto
MKUltra, para o desenvolvimento de procedimentos e identificação de
drogas que pudessem ser usadas para alterarem o comportamento humano. Estas
experiências incluíram "desde a terapia de eletrochoques,
hipnose, privação
sensorial, isolamento, abuso verbal e sexual a altas
doses de LSD e outras
formas de tortura,
tendo como base experiências em
humanos anteriormente efetuadas pelos nazis.
À frente do projeto (que incluía
mais de 30 instituições e universidades envolvidas no programa de
experimentação de drogas em cidadãos "de todos os níveis sociais, altos e
baixos, nativos americanos e estrangeiros" sem o seu conhecimento, e em
ainda mais de mil militares voluntários e empregados da CIA, e outros fora dos
EUA nos black sites),
Sidney Gottlieb e a sua equipa conseguiram "destruir a mente
existente" de um ser humano utilizando técnicas de tortura; no entanto, o
conseguir a reprogramação, em termos de encontrar "uma forma de inserir
uma nova mente neste vazio resultante", não foi alcançada.
Em 1979, John D. Marks escrevia
no seu livro "The Search for the Manchurian Candidate" que,
até ao encerramento efetivo do programa MKUltra em 1963, os investigadores da
agência não tinham encontrado uma forma fiável de fazer uma lavagem cerebral a
outra pessoa, uma vez que todas as experiências terminaram sempre em amnésia ou
catatonia, tornando impossível qualquer utilização operacional.
Mas algo se aproveitou: um
relatório bipartidário do Comité de Serviços Armados do Senado, divulgado
parcialmente em dezembro de 2008 e na íntegra em abril de 2009, relatou que os
instrutores militares dos EUA que estiveram em Guantánamo em dezembro de 2002,
basearam um curso de interrogatório num gráfico copiado de um estudo da Força
Aérea de 1957 sobre técnicas de lavagem cerebral "comunistas
chinesas" utilizadas para obter falsas confissões de prisioneiros de
guerra americanos durante a Guerra da Coreia. O relatório mostrou ainda como a
autorização do Secretário da Defesa, em 2002, para a utilização destas técnicas
agressivas em Guantánamo, levou à sua utilização no Afeganistão e no Iraque,
incluindo em Abu
Ghraib.
E tão bem foram estas operações
realizadas (servindo apenas para criar a tal “perceção da realidade”),
que hoje acabamos a viver num mundo desejado estranhamente obediente. Eis o
que Howard Zinn conclui:
“Sempre que dizemos que o
problema é a desobediência civil, estamos a dizer que o nosso problema é
a desobediência civil. Esse não é o nosso problema… O
nosso problema é a obediência civil. O nosso problema é o número de pessoas
em todo o mundo que obedeceram às ordens dos líderes dos seus governos e foram
para a guerra, e milhões foram mortos por causa dessa obediência. E o nosso
problema é aquela cena em ‘Nada de Novo na Frente Ocidental’, onde os alunos
marcham obedientemente em fila para a guerra. O nosso problema é que as pessoas
são obedientes em todo o mundo, apesar da pobreza, da fome, da estupidez, da
guerra e da crueldade. O nosso problema é que as pessoas são obedientes
quando as prisões estão cheias de pequenos ladrões enquanto os grandes ladrões
comandam o país. Esse é o nosso problema.”
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