quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Marta Pinho Alves - No cinema e na rua, a luta continua

 


*   Marta Pinho Alves

A ficção também pode ser en­ga­jada com causas

No momento em que a Netflix comprou a Warner Bros. Discovery, incluindo os seus estúdios de cinema e televisão, HBO Max e HBO, e deixou os clientes a tremer, a pensar que vão perder acesso às suas doses diárias de entretenimento e alienação, e a empresa de stre­a­ming esfrega as mãos a decidir como rentabilizar o negócio, ao mesmo tempo que apazigua o temor daqueles, importa lembrar que as imagens em movimento não servem apenas como mercadoria, mas também podem constituir mecanismos de esclarecimento e mobilização.

A pro­pó­sito da greve geral que se avi­zinha e da luta contra a perda dos di­reitos con­quis­tados pelos tra­ba­lha­dores, alude-se a al­guns filmes que de formas dis­tintas con­si­de­raram estas pre­o­cu­pa­ções. Ha­verá cer­ta­mente filmes mais ób­vios, ou­tros que fazem re­fe­rência di­recta a greves, al­guns mais im­por­tantes para a his­tória do ci­nema ou ainda uns que, pelo seu re­gisto do­cu­mental, terão uma forma tes­te­mu­nhal mais forte e mais le­gi­ti­ma­dora dos di­reitos e as­pi­ra­ções dos tra­ba­lha­dores. Pre­tendeu-se, con­tudo, aqui, como pri­meiro cri­tério, es­co­lher filmes de ficção, pois, como se disse, pre­tendia-se mos­trar que a ficção também pode ser en­ga­jada com causas, e, como opção mais pes­soal, filmes que ti­vessem as­su­mido par­ti­cular re­le­vância no mo­mento em que foram vistos pela au­tora. A ordem pela qual se as­si­nalam é a da data da sua pro­dução. Como se per­ce­berá são todos re­la­ti­va­mente re­centes, o que evi­dencia que con­ti­nuam a ma­ni­festar-se pre­o­cu­pa­ções dos nossos dias.

Co­meça-se com a re­fe­rência a Re­cursos Hu­manos, de 1999, (Res­sources Hu­maines, real: Lau­rent Cantet, co­pro­dução de Reino Unido e França). Neste, um jovem recém-li­cen­ciado é con­tra­tado para par­ti­cipar na re­es­tru­tu­ração da fá­brica onde tra­balha o seu pai, ope­rário há mais de trinta anos. O rapaz, ide­a­lista, con­vence-se de que po­derá ajudar a me­lhorar as con­di­ções la­bo­rais dos tra­ba­lha­dores, até que per­cebe que re­es­tru­turar sig­ni­fica des­pedir pes­soas, entre as quais o pro­ge­nitor.

Em Às Se­gundas ao Sol, de 2002, (Los Lunes al Sol, real: Fer­nando León de Aranoa, Es­panha), o ob­jec­tivo é pensar de que se ocupam os ho­mens que nunca co­nhe­ceram outra vida que não a do tra­balho e que agora estão de­sem­pre­gados e sem pers­pec­tivas de su­perar essa nova con­dição.

Em A Lei do Mer­cado, de 2015, (La Loi du Marché, real: Stéphane Brizé, França), um homem fica feliz após ar­ranjar um em­prego não qua­li­fi­cado, de­pois de vá­rios anos de­sem­pre­gado. O or­de­nado é parco e a ta­refa pouco sa­tis­fa­tória, mas per­mite cum­prir o que sente como as suas obri­ga­ções fa­mi­li­ares. Per­cebe, con­tudo, que há prin­cí­pios éticos e mo­rais dos quais terá de ab­dicar para per­ma­necer em­pre­gado: en­quanto se­gu­rança do su­per­mer­cado onde tra­balha, é-lhe pe­dido que re­porte o com­por­ta­mento dos seus co­legas para que as che­fias possam de­cidir se os mesmos mantêm o em­prego ou são des­pe­didos.

Eu, Da­niel Blake, de 2016 (I, Da­niel Blake, real: Ken Loach, Reino Unido), é sobre um tra­ba­lhador que, pe­rante um grave pro­blema de saúde que o im­pede de tra­ba­lhar, pro­cura o apoio do ser­viço na­ci­onal de saúde, mas vê-se en­re­dado numa teia de ab­surda bu­ro­cracia que não con­segue de­sen­lear antes da sua morte.

Fi­nal­mente, A Fá­brica de Nada, filme por­tu­guês de 2017 (real: Pedro Pinho), é uma es­tória ba­seada em acon­te­ci­mentos reais, mas po­deria tido como ponto de par­tida vá­rios ou­tros si­mi­lares. Tem por base a or­ga­ni­zação de um con­junto de ope­rá­rios de uma fá­brica, que re­solvem unir-se, quando per­cebem que a em­presa em que tra­ba­lham está a ser pau­la­tina e se­cre­ta­mente des­man­te­lada e que a con­sequência da re­ti­rada das má­quinas que per­mitem a sua la­bo­ração le­vará, ine­vi­ta­vel­mente, à ex­tinção dos seus postos de tra­balho. Entre a ocu­pação da fá­brica, a re­sis­tência à pressão feita pela ad­mi­nis­tração, a greve mar­cada pela pre­sença no local de tra­balho, apesar da im­pos­si­bi­li­dade de re­a­li­zação das ta­refas con­tra­tadas, chega fi­nal­mente a vi­tória pelo fun­ci­o­na­mento em au­to­gestão. Pelo meio, todas as dis­cus­sões tão re­le­vantes e que in­qui­etam todos os tra­ba­lha­dores sobre a ne­ces­si­dade de acei­tação das in­dem­ni­za­ções ofe­re­cidas para dar res­posta às ne­ces­si­dades fa­mi­li­ares e a even­tual re­cusa em nome da dig­ni­dade e da re­sis­tência.

Creio que a luta destes tra­ba­lha­dores em que nos sen­timos re­pre­sen­tados traduz a ne­ces­si­dade de par­ti­ci­parmos no grande e le­gí­timo pro­testo que terá lugar no pró­ximo dia 11 de De­zembro.

2025 12 10

https://www.avante.pt/pt/2715/argumentos/181952/No-cinema-e-na-rua-a-luta-continua.htm

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