* Marta Pinho Alves
A ficção também pode ser engajada com causas
No momento em que a Netflix comprou a Warner Bros. Discovery, incluindo os seus estúdios de cinema e televisão, HBO Max e HBO, e deixou os clientes a tremer, a pensar que vão perder acesso às suas doses diárias de entretenimento e alienação, e a empresa de streaming esfrega as mãos a decidir como rentabilizar o negócio, ao mesmo tempo que apazigua o temor daqueles, importa lembrar que as imagens em movimento não servem apenas como mercadoria, mas também podem constituir mecanismos de esclarecimento e mobilização.
A propósito da greve geral que se avizinha e da luta contra a perda dos direitos conquistados pelos trabalhadores, alude-se a alguns filmes que de formas distintas consideraram estas preocupações. Haverá certamente filmes mais óbvios, outros que fazem referência directa a greves, alguns mais importantes para a história do cinema ou ainda uns que, pelo seu registo documental, terão uma forma testemunhal mais forte e mais legitimadora dos direitos e aspirações dos trabalhadores. Pretendeu-se, contudo, aqui, como primeiro critério, escolher filmes de ficção, pois, como se disse, pretendia-se mostrar que a ficção também pode ser engajada com causas, e, como opção mais pessoal, filmes que tivessem assumido particular relevância no momento em que foram vistos pela autora. A ordem pela qual se assinalam é a da data da sua produção. Como se perceberá são todos relativamente recentes, o que evidencia que continuam a manifestar-se preocupações dos nossos dias.
Começa-se com a referência a Recursos Humanos, de 1999, (Ressources Humaines, real: Laurent Cantet, coprodução de Reino Unido e França). Neste, um jovem recém-licenciado é contratado para participar na reestruturação da fábrica onde trabalha o seu pai, operário há mais de trinta anos. O rapaz, idealista, convence-se de que poderá ajudar a melhorar as condições laborais dos trabalhadores, até que percebe que reestruturar significa despedir pessoas, entre as quais o progenitor.
Em Às Segundas ao Sol, de 2002, (Los Lunes al Sol, real: Fernando León de Aranoa, Espanha), o objectivo é pensar de que se ocupam os homens que nunca conheceram outra vida que não a do trabalho e que agora estão desempregados e sem perspectivas de superar essa nova condição.
Em A Lei do Mercado, de 2015, (La Loi du Marché, real: Stéphane Brizé, França), um homem fica feliz após arranjar um emprego não qualificado, depois de vários anos desempregado. O ordenado é parco e a tarefa pouco satisfatória, mas permite cumprir o que sente como as suas obrigações familiares. Percebe, contudo, que há princípios éticos e morais dos quais terá de abdicar para permanecer empregado: enquanto segurança do supermercado onde trabalha, é-lhe pedido que reporte o comportamento dos seus colegas para que as chefias possam decidir se os mesmos mantêm o emprego ou são despedidos.
Eu, Daniel Blake, de 2016 (I, Daniel Blake, real: Ken Loach, Reino Unido), é sobre um trabalhador que, perante um grave problema de saúde que o impede de trabalhar, procura o apoio do serviço nacional de saúde, mas vê-se enredado numa teia de absurda burocracia que não consegue desenlear antes da sua morte.
Finalmente, A Fábrica de Nada, filme português de 2017 (real: Pedro Pinho), é uma estória baseada em acontecimentos reais, mas poderia tido como ponto de partida vários outros similares. Tem por base a organização de um conjunto de operários de uma fábrica, que resolvem unir-se, quando percebem que a empresa em que trabalham está a ser paulatina e secretamente desmantelada e que a consequência da retirada das máquinas que permitem a sua laboração levará, inevitavelmente, à extinção dos seus postos de trabalho. Entre a ocupação da fábrica, a resistência à pressão feita pela administração, a greve marcada pela presença no local de trabalho, apesar da impossibilidade de realização das tarefas contratadas, chega finalmente a vitória pelo funcionamento em autogestão. Pelo meio, todas as discussões tão relevantes e que inquietam todos os trabalhadores sobre a necessidade de aceitação das indemnizações oferecidas para dar resposta às necessidades familiares e a eventual recusa em nome da dignidade e da resistência.
Creio que a luta destes trabalhadores em que nos sentimos representados traduz a necessidade de participarmos no grande e legítimo protesto que terá lugar no próximo dia 11 de Dezembro.
2025 12 10
https://www.avante.pt/pt/2715/argumentos/181952/No-cinema-e-na-rua-a-luta-continua.htm

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