Opinião
* Paulo Baldaia
(Expresso 2025 12 08)
A revisão da
Lei do Trabalho insere-se numa questão ideológica mais profunda em que o
executivo dá uma exagerada protecção a quem detém o capital e os meios de
produção, enquanto engana com umas migalhas de IRS a classe média trabalhadora,
deixando os trabalhadores mais pobres entregues ao seu próprio destinob
Épreciso
começar por dar razão a Luís Montenegro sobre as motivações dos sindicalistas
para convocar uma greve geral - esta greve é mesmo política e as razões
para o protesto são graves. Contra a legislação proposta pelo
governo há, aliás, políticos de todos os partidos, inclusive dos partidos
que se preparam para a aprovar no Parlamento e até uma vice-presidente da
direcção do PSD, deixando que Montenegro fique na frágil posição de quem,
como chefe do governo, atira a pedra e, como líder do partido, esconde a mão. A
“gana” é tanta porque a ministra do Trabalho considera que a legislação actual
é desequilibrada a favor dos trabalhadores e um banqueiro assina por baixo, e
vai mais longe em relação aos malandros dos trabalhadores, afirmando que “a lei
protege quem não quer fazer nada”. É o supremo desplante!
A vontade de
legislar contra os interesses dos trabalhadores, assumida por Rosário Palma Ramalho, não cai do
céu aos trambolhões mas não foi anunciada no programa eleitoral, como agora
pretende dizer o governo. Bem pelo contrário, há coisas que são ditas
nesse programa que são o oposto da proposta governamental. Já lá vamos.
LUTA DE
CLASSES
Por agora, faço
um desvio de rota para explicar porque entendo que esta revisão da Lei do
Trabalho - que privilegia quem detém os meios de produção face à força de
trabalho - se insere numa questão ideológica mais profunda. Vejamos
um exemplo flagrante de exagerada protecção a quem detém o capital,
enquanto se dão umas migalhas de IRS à classe média trabalhadora, deixando os
trabalhadores mais pobres entregues ao seu próprio destino: o conceito
de renda moderada e o que ele implica no rendimento disponível de inquilinos e
arrendatários.
Salta à vista
de todos que o acréscimo de rendimento dos trabalhadores inquilinos, fruto da
descida do IRS, foi largamente comido pela subida dos custos com a habitação,
enquanto que o rendimento dos senhorios acompanhou a subida exponencial das
rendas. Apliquemos a regras de três simples:
1 -
se, para a prestação ou renda de casa, os especialistas colocam nos 30% do
rendimento líquido de uma família o limite a partir do qual começa a haver uma
sobrecarga habitacional.
2 -
se o governo considera o limite de 2300 euros para uma renda moderada e isso
significa que, para evitar a sobrecarga habitacional, o rendimento familiar
líquido deve rondar os sete mil euros.
3 -
Se uma família de trabalhadores, para aquele rendimento paga cerca de 30% de
IRS e um senhorio que obtenha o mesmo rendimento bruto paga apenas 10%.
Qual é o
resultado desta equação? O governo aposta forte na luta de classes e
os donos do capital reforçam a sua vantagem, pagando três vezes menos impostos
que a classe trabalhadora.
A talhe de
foice também se pode dizer que, com esta política fiscal na habitação, o
governo está a dizer aos potenciais investidores que compensa desviar o capital
das fábricas, da novas tecnologias, da energia, da agricultura e de outros
sectores produtivos que carecem de investimento, mas que pagam mais impostos. O
que se consegue com isto é alimentar a bolha imobiliária, criando
condições para entrarem novos investidores que garantem sucesso aos que já lá
estão - muito parecido com outros esquemas piramidais. Este esquema
acabará num de dois dias: no dia em que só estrangeiros possam comprar ou
arrendar ou no dia em que os preços de venda ou arrendamento passem a ter em
conta o verdadeiro rendimento líquido de uma família da classe média em
Portugal. Até lá, o sistema gera desequilíbrios evidentes entre quem
tem capital para investir e quem tem necessidade de arrendar. É um sistema
que se aguenta, porque até políticos de esquerda alinham, investindo em
imobiliário para negociar nas vantajosas condições do mercado, que devem ser
iguais para todos - esta é a forma como procuram justificar a sua ganância,
pecado capital com milénios de existência.
COM PAPAS E
BOLOS SE ENGANAM OS TOLOS
Num
trabalho feito pelo jornal "Público", ficou claro que o
programa eleitoral da AD não permitia antecipar o que agora está em causa. Para
além de umas generalidades, há questões concretas que apontavam no
sentido oposto do que agora se pretende. Exemplo flagrante é a conciliação
entre a vida profissional e a vida familiar:
O prometido: programa
eleitoral utilizou quase uma centena de vezes a palavra família e os seus
dirigentes, em campanha, asseguraram “continuar a apostar na família como a
célula base da sociedade e em políticas de apoio à família, de valorização da
maternidade e da paternidade, enfrentando a grave crise da natalidade e
incentivando as famílias a crescer”.
O
proposto: diminuição nos direitos de parentalidade, conciliação e
proteção social relativa à família.
A proposta do
governo, nas suas traves mestras, também provoca mais precariedade (contratos a
termo certo com duração inicial de um ano, em vez dos seis meses atuais, e com
possibilidade de duas renovações, até um limite de três anos); vai facilitar o
despedimento, desprotegendo o trabalhador contra despedimento injustificado;
promove uma maior desregulação dos horários e a precarização das condições de
trabalho, enfraquece a contratação colectiva, a acção sindical e o direito à
greve.
É legitimo
propor este caminho, acreditando que é o caminho certo para aumentar a
produtividade nas empresas, fazer crescer a economia e criar novos empregos.
Mas entra no domínio da aldrabice política querer convencer alguém que tudo
isto não é feito com perda de direitos para os trabalhadores.

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