* João Gomes,
(Antes de mais quero dar os parabens ao autor deste texto. Pela qualidade literária, pela atualidade – devido ao recentemente badalado caso do bebé desaparecido de um hospital que o Estado se prepara para “subtrair” à mãe -, pela justeza ética dos valores que defende. Infelizmente, ainda que todas as mães sejam iguais, há sempre umas mais “iguais” que outras…
O autor, entretanto, criou uma Petição Pública para que as autoridades competentes reexaminem o caso, denominada “Pela revisão do caso da mãe de Gaia e pelo direito ao apoio social à família”
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Estátua de Sal, 06-12-2025)
(Antes de mais quero dar os parabens ao autor deste texto. Pela qualidade literária, pela atualidade – devido ao recentemente badalado caso do bebé desaparecido de um hospital que o Estado se prepara para “subtrair” à mãe -, pela justeza ética dos valores que defende. Infelizmente, ainda que todas as mães sejam iguais, há sempre umas mais “iguais” que outras…
O autor, entretanto, criou uma Petição Pública para que as autoridades competentes reexaminem o caso, denominada “Pela revisão do caso da mãe de Gaia e pelo direito ao apoio social à família”, a qual pode ser assinada aqui
Estátua de Sal, 06-12-2025)
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Diz o povo, com aquele jeito fatalista que o tempo ensinou: “É do tempo da Maria Cachucha.” Querendo dizer velho, gasto, ultrapassado. Mas talvez o povo nunca tenha percebido que a verdadeira Maria Cachucha não era sinal de antiguidade – era sinal de resistência. Uma mulher que dançava para não sucumbir, que rodopiava nos adros como quem enfrenta o mundo com os pés descalços e o coração inteiro.
Hoje, a Maria Cachucha existe, mas já ninguém lhe conhece o nome. Perdeu-se nas vielas, nos prédios devolutos onde o vento entra melhor do que o sol, nas barracas que ainda sobrevivem por entre promessas políticas e fotografias de inaugurações. Não dança mais a cachucha – porque o tempo não lhe dá folga -, mas carrega nos braços o que o mundo insiste em lhe tirar: os filhos.
São as Marias Cachuchas sem sorte deste país. As que aprendem cedo que a pobreza é sempre suspeita, mesmo quando é honesta; que o amor não é suficiente para provar que se é mãe; que o Estado aparece mais depressa para levar uma criança do que para garantir que uma casa tenha teto, água quente ou paredes que não caiam à chuva.
Todas as mulheres que, como a jovem de Gaia, veem a maternidade tratada como um privilégio condicional – “podes ser mãe, mas só se tiveres condições”. Condições que ninguém lhes deu, que ninguém lhes quis dar, que ninguém se apressa a construir. Porque é mais simples retirar um bebé do que erguer uma casa; mais rápido assinar um despacho do que garantir um futuro.
E assim, neste país que se orgulha de ser “avançado”, onde os discursos falam de natalidade como quem fala de números e metas, continuam a existir crianças que nascem nos carros à porta das maternidades fechadas, mães que chegam sozinhas aos hospitais porque os transportes públicos não passam, famílias que vivem em quartos interiores onde a esperança mal cabe.
E quando uma mãe pobre segura o filho nos braços, o mundo olha para ela como se segurasse uma culpa.
As Marias Cachuchas de hoje não são dançarinas de praça. São mulheres de vinte anos com um bebé ao colo e o coração apertado. São avós que defendem filhas e netos com a força que têm e a que já não têm. São mães que, em vez de ensaiar passos de dança, ensaiam justificações perante assistentes sociais: “Sim, o quarto é pequeno… sim, o frigorífico está velho… mas eu amo o meu filho.” Como se o amor fosse prova insuficiente. Como se o amor tivesse de passar no crivo das autoridades. Como se existir fosse um teste permanente que a pobreza desclassifica à partida.
E, no entanto, estas mulheres, silenciosas e invisíveis, continuam a dançar – não com os pés, mas com a coragem. Dançam contra a burocracia, contra a humilhação, contra a estatística. Dançam para manter ao colo aquilo que o mundo lhes tenta arrancar. Dançam porque a maternidade pobre continua a ser vista como erro, quando devia ser vista como pedido de ajuda.
A verdadeira Maria Cachucha, se ainda existisse, teria largado a mantilha e posto as mãos na anca, olhando o país com aquela altivez antiga que a lenda lhe atribui. Teria dito, entre um passo e outro: “Não é nas mães que está o problema – é no país que as deixa cair.”
Hoje, no Natal que se aproxima com luzes caras e palavras doces, convém recordar que nem todas as crianças dormem em lares aquecidos. Convém lembrar que há mães que rezam, não por presentes, mas para que ninguém lhes leve os filhos. Convém não esquecer que, num país que não garante habitação digna, retirar uma criança por pobreza não é proteção – é punição.
E talvez, só talvez, seja tempo de devolver às Marias Cachuchas deste país algo mais do que a memória romântica de uma dançarina. Talvez seja tempo de lhes devolver futuro. E lhes dar condições de habitabilidade. E de lhes devolver os filhos.
Bom dia!
in Facebook, 05/12/2025
https://estatuadesal.com/2025/12/06/marias-cachuchas-sem-sorte
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