17 de julho de 2015 - 15h32
Um cotidiano ríspido e episódios da história da humanidade são transformados em poesia por André Luiz Cosme Ladeia. A descrição seca e simples de uma sessão de tortura choca e revolta, mas não demora em abrir espaço para a importância da palavra em AntropoTeofagia.
Entre a leveza e a rispidez, André brinca com as palavras e descreve o cotidiano de forma provocadora e instigante. O poeta que Prosa, Poesia & Arte traz esta semana é carioca, mas vive em Minas Gerais; graduado em Direito, trabalha atualmente como advogado e procurador municipal.
Suas poesias são publicadas em sites especializados e periódicos literários. O livro Suave como a morte foi lançado em 2014 pela editora Penalux. Prosa, Posia & Arte traz uma série de poesias de André Ladeia.
Leia na íntegra:
Nascimento
Quando nasci
A morte
Veio me visitar
E me presenteou
Com seu relógio negro
O coveiro que fez meu parto
Me benzeu
E depois
Começou a preparar a minha lápide
As bailarinas dançavam
Com a morte
Ao som de uma música lúgubre
Os sinos badalaram
Para comemorar o início
Do meu enterro.
*
Guerra
Na Guerra
Os homens
Carregam
Os
Mortos;
As mulheres,
As crianças;
Os nômades,
As sacolas;
Só a vida que é
Deixada para trás.
*
Tortura
A gota d´água caindo devagar,
A luz ligando e desligando
Ininterruptamente
O choque frio
A unha sendo retirada
A cabeça mergulhada
A dor, a sede, a fome,
O espelho
*
Charrete
Nas viagens
Os turistas
Se vangloriam
De seus passeios sádicos
Com os cavalos
e os trabalhadores
exploram
os
turistas
que
exploram
os
cavalos
A verdade
É que sempre haverá alguém
Com freio na boca
E um chicote.
*
AntropoTeofagia
E o Verbo se fez carne
E eu me fiz pão
E fomos repartidos
entre os pobres
*
Primeiros Versos
Da rodoviária estropiada
Escrevo esses versos
Como quem morreu
E não conseguiu voltar
Os primeiros versos são eternos
Porque a alma assim o quis
Revisar sob o pálio da perfeição
Seria como mutilá-los
Tornando-os impuros
Os primeiros versos são inofensivos
Como o primeiro amor
Por que o poeta haveria de saber mais que o espírito?
(De ser mais pretensioso?)
O poeta é o instrumento da alma
que tem a contumácia em não se calar.
*
Aprendi
Com os homens aprendi a escarrar em outros
A rir dos mártires
A debochar dos pobres
E a cuspir nas ruas
Aprendi que a equidistância dos polos não existe
E que a imparcialidade é uma invenção terrível
Aprendi que quanto maior o poder
Mais vil e tirano ele se torna
Aprendi a ser cínico
E a revirar do lixo
A imundície que cobre
A alma humana
Do Portal Vermelho
http://www.vermelho.org.br/noticia/267595-11
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