sábado, 18 de julho de 2015

O cotidiano em poesia de André Ladeia

17 de julho de 2015 - 15h32 


Um cotidiano ríspido e episódios da história da humanidade são transformados em poesia por André Luiz Cosme Ladeia. A descrição seca e simples de uma sessão de tortura choca e revolta, mas não demora em abrir espaço para a importância da palavra em AntropoTeofagia. 



Entre a leveza e a rispidez, André brinca com as palavras e descreve o cotidiano de forma provocadora e instigante. O poeta que Prosa, Poesia & Arte traz esta semana é carioca, mas vive em Minas Gerais; graduado em Direito, trabalha atualmente como advogado e procurador municipal. 

Suas poesias são publicadas em sites especializados e periódicos literários. O livro Suave como a morte foi lançado em 2014 pela editora Penalux. Prosa, Posia & Arte traz uma série de poesias de André Ladeia. 

Leia na íntegra: 

Nascimento

Quando nasci
A morte
Veio me visitar
E me presenteou
Com seu relógio negro

O coveiro que fez meu parto
Me benzeu
E depois
Começou a preparar a minha lápide

As bailarinas dançavam
Com a morte
Ao som de uma música lúgubre

Os sinos badalaram
Para comemorar o início
Do meu enterro.

    *
Guerra

Na Guerra
Os homens
Carregam
Os
Mortos;

As mulheres,
As crianças;

Os nômades,
As sacolas;

Só a vida que é
Deixada para trás.

    *
Tortura

A gota d´água caindo devagar,
A luz ligando e desligando
Ininterruptamente
O choque frio
A unha sendo retirada
A cabeça mergulhada
A dor, a sede, a fome,
O espelho

    *
Charrete

Nas viagens
Os turistas
Se vangloriam
De seus passeios sádicos
Com os cavalos

e os trabalhadores
exploram 
os
turistas
que
exploram
os
cavalos

A verdade 
É que sempre haverá alguém
Com freio na boca
E um chicote.

    *
AntropoTeofagia

E o Verbo se fez carne
E eu me fiz pão
E fomos repartidos
entre os pobres

    *
Primeiros Versos

Da rodoviária estropiada
Escrevo esses versos
Como quem morreu
E não conseguiu voltar

Os primeiros versos são eternos
Porque a alma assim o quis

Revisar sob o pálio da perfeição
Seria como mutilá-los
Tornando-os impuros

Os primeiros versos são inofensivos
Como o primeiro amor

Por que o poeta haveria de saber mais que o espírito?
(De ser mais pretensioso?)

O poeta é o instrumento da alma
que tem a contumácia em não se calar.

    *
Aprendi

Com os homens aprendi a escarrar em outros
A rir dos mártires
A debochar dos pobres
E a cuspir nas ruas

Aprendi que a equidistância dos polos não existe
E que a imparcialidade é uma invenção terrível

Aprendi que quanto maior o poder
Mais vil e tirano ele se torna

Aprendi a ser cínico
E a revirar do lixo
A imundície que cobre
A alma humana 


Do Portal Vermelho

http://www.vermelho.org.br/noticia/267595-11

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