foto Victor Nogueira - Cela (Coutos de Alcobaça)
pôr-do-sol na herdade que foi do General Humberto Delgado
Outono, dos contrastes: dias cálidos ou frígidos,
soalheiros ou pluvientos, risonhos ou cinzentonhos, dos poentes tingidos de
vermelho ou laranja e as árvores, despindo-se em tons de amarelo, atapetando
ruas e jardins de melancólicas folhas secas, esquálidos e despidos ramos
erguendo-se por aqui e por ali, com a noite crescendo à custa da diurna
claridade minguando.
Deixo-vos uma
selecção do "outono na poesia e nas canções"
Os
poetas ...
Olavo
Bilac - Outono. Em
frente ao mar. Escancaro as janelas
Ricardo
Reis - Quando,
Lídia, Vier o Nosso Outono
Eugénio
de Andrade - Outono
David
Mourão-Ferreira - Outono
Fernando
Pessoa - Uma
névoa de Outono o ar raro vela
Miguel
Torga - Outono
Mário
Quintana - Outono
Cecília
Meireles - Canção de Outono
José Afonso - Balada de Outono
...
e as vozes
Eric
Clapton
Yves
Montand
Leo
Ferré
Juliette
Greco
Chet
Baker e Paul Desmond
Natalie Cole
José Afonso
* Olavo Bilac
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...
Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?
A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!
E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol...
Olavo Bilac, in "Poesias"
* Ricardo Reis
Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.
Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa
* Eugénio de Andrade
Outono
O outono vem vindo, chegam melancolias,
cavam fundo no corpo,
instalam-se nas fendas; às vezes
por aí ficam com a chuva
apodrecendo;
ou então deixam marcas; as putas,
difíceis de apagar, de tão negras,
duras.
Eugénio de Andrade, in 'O Outro Nome da Terra"
* David Mourão-Ferreira
Outono
Mas quem diria ser Outono
se tu e eu estávamos lá?
(Tínhamos sono…Tanto sono!
É bom dormir ao deus-dará…)
E sobre o banco do jardim,
ante a cidade, o cais e o Tejo,
seria bom dormir assim,
ao deus-dará, como eu desejo…
Mas o teu seio é que não quis:
tremeu de mais sob o meu rosto…
Seria Outono aquele dia,
nesse jardim, doce e tranquilo…?
Mas havia
todo o teu corpo a desmenti-lo.
in Obra Poética
* Fernando Pessoa
Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.
Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.
Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]
5-11-1932
Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990). - 104.
* Miguel Torga
Outono
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
in Diário X, s/editora, 1966, Coimbra
* Mário Quintana
Outono
O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida…
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
De carícia a contrapelo…
Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma…
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!
(Poema publicado originalmente no livro Canções, retirado de Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 131) – contribuição de Sonia Regina Villarinho
* Cecília Meireles
Canção de Outono
Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...
Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
in Poesia completa: Volume 2. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001
* José Afonso
Balada de Outono
Águas passadas do rio
Meu sono vazio
Não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
Águas do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar
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