quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

«Colheita», de Jim Crace

segunda-feira, 31 de março de 2014

«Colheita», de Jim Crace



The luminaries, da escritora Eleanor Catton, foi o romance vencedor do prestigiado Man Booker Prize de 2013. Um outro candidato ao prémio, intitulado Harvest, figurou também na lista final e fora apontado como um dos favoritos pela crítica. Esse romance foi escrito por um dos maiores romancistas ingleses da atualidade: Jim Crace (n. 1946).

O cenário de Colheita desenvolve-se numa remota aldeia inglesa (situada num local e tempo não especificado pelo autor), com poucos habitantes, mas com muitos hectares de terra de cultivo. O pacato quotidiano dos agricultores, nessa terra onde «tudo estava destinado a manter a forma que tinha», rege-se em torno da labuta, de sol a sol, e mesmo com o excesso de trabalho a fartura na mesa não abrange os seus lares, nunca. Master Kent, o proprietário das terras, devido à mão-de-obra que, mesmo sendo vasta não é suficiente, em busca de melhor retorno financeiro, manda um primo seu vir visitá-lo, a fim de poder contar com o conselho e gestão das suas terras por uma pessoa de fora, mais habituada às novas técnicas agrícolas. Ele era apenas um gestor de pessoas, não de máquinas. Com a chegada de novos forasteiros, com visão oposta às da população, uma ameaça pairará na pequena aldeia. Incêndios, torturas, mortes, deserções e mistérios farão parte da narrativa após as primeiras duas dezenas de páginas, e terão uma voz que as narrará ao leitor: Walter Thirsk, um agricultor, um dos poucos que sobreviveu para contar a história.

Colheita é um romance intrincado, que questiona, mais do que dá respostas. A prosa é rica, metódica, linguisticamente criativa, e é dada a conhecer paulatinamente, via frases curtas. Jim Crace não necessitou de quatrocentas ou quinhentas páginas para revelar como o progresso varre o passado e distancia as pessoas do mundo natural, a que pertencem. O final do romance poderia ter sido melhor compreendido se o autor não tivesse tanta relutância em descortinar mais o enredo, os factos sobre os personagens centrais. Contudo, essa omissão premeditada (ou não) não conta demasiado para que este romance não seja classificado como um belo livro.

Além de Colheita, que chegou às livrarias portuguesas a 18 de Março, Jim Crace é autor de outros doze livros; desses, para português foram traduzidos os seguintes: pela Difel: Continente (1988), eQuarentena (1999), A Morte nas Dunas (2001) e Arcádia (2006) pela Gradiva.
Data de Publicação: 18/03/2014N.º de Páginas: 216

http://silenciosquefalam.blogspot.pt/2014/03/colheita-de-jim-crace.html

Este foi um livro finalista de vários prémios internacionais, no decurso do ano de 2013, sendo, até, apontado, na altura, como favorito ao prémio final. Apesar de não ter ultrapassado a “shortlist”, esta obra recebeu, no entanto, vários elogios em jornais prestigiados e várias estrelas de mérito em blogues de cariz literário.

Jim Crace, o seu autor, não é propriamente um desconhecido. Há mesmo quem o considere “um dos grandes escritores do nosso tempo”, ocupando “um espaço próprio entre os romancistas ingleses dos nossos dias”.

E é mesmo na Inglaterra do feudalismo de outros tempos, no despertar da revolução industrial, que se passa a história que ele nos conta em “Colheita”.

Sem nunca especificar o local, o narrador fala-nos de uma aldeia remota, segura, perdida dos centros urbanos mais próximos; e nomeia o final de um qualquer verão como o tempo histórico dos acontecimentos.

Pelos olhos e voz de Walter Thirks, é-nos descrito o quadro de um número reduzido de aldeãos que, por lá, vivem pobremente do amanho da terra; labutam arduamente, de sol a sol, segundo o ciclo da mãe natureza, e recolhem os produtos que ela lhes dá, ao ritmo das variações climatéricas das estações do ano.

O ambiente harmonioso entre eles e Mr Kent, o proprietário da casa senhorial que os tutela, é perturbado, a certa altura, por um grupo de viandantes desconhecidos, errantes, com hábitos diferentes dos daquela pequena sociedade agrícola e, também por isso, mal recebidos.

As tensões crescem, os problemas sucedem-se, mas a ameaça que sobre eles paira não fica por aí. E o que se segue, com novos rostos de perigo e devastação, é a ruína dos fundamentos do modo de vida daqueles que naquela comunidade rural entretinham relações sociais de uma forma pacífica e cooperante; até à sua própria destruição.

Razões tradicionais de sucessão de bens, assim como a vontade de melhorar a gestão das terras e a desejada apropriação dos terrenos comunitários e de cultivo para a introdução de novas técnicas agrícolas, vão atingir a confiança dos laços familiares e de vizinhança, o âmago da moralidade e dos costumes.

A violência instala-se e irá reduzir tudo a cinzas.

Num espaço de sete dias, Walter, o único que, na aldeia, sobrevive a este desmoronamento, dá-nos conta da desorganização de uma agradável ordem social, dos estragos e aflições na localidade e dos preparativos inesperados e rudes para a iniciação da produção industrial.

Ele tornou-se um trabalhador agrícola, mas as suas origens permitiram-lhe ser mais esclarecido que os demais e  observador do meio que o circunda e da sua própria rotina. Gosta de discorrer sobre temas que o preocupam, mas o seu relato não deixa de ser sombrio, dorido, inquietante, cheio de questões, dúvidas e perplexidades.

Embora não muito longa, esta não é uma narrativa de leitura fácil. A história é densa, complexa, contada na primeira pessoa, com muito pouco diálogo. Nela misturam-se relatos de factos acontecidos em diversos tempos do passado com acontecimentos presentes e até reflexões suscitadas por uns e outros.

É, não obstante, um livro muito interessante; algo instrutivo sobre tempos e sociedades que já não voltam, sem ser encomiástico da vida campesina.

É, de certo modo, uma viagem à História, viva e demonstrativa de que o progresso desagrega as comunidades nas suas relações intergrupais, nos seus usos, costumes e apego à terra-mãe.

A prosa de Crace é rica, criativa, lírica e detalhada, despertando no leitor emoções que o levam até ao final.

http://dosnossoslivros.blogspot.pt/2015/02/colheita-jim-crace.html

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