* Manuel da Fonseca
num ano de grande fome,
minha família acabou-se.
eu tinha uma boa enxada
donde tirava o sustento.
ia-me de monte a monte
chegava à porta e dizia:
-lavrador,
eu cavo-lhe a sua herdade!
e no meio das courelas,
a minha enxada luzia.
viesse o sol que viesse
e a chuva que caísse
e o vento, que vem do norte
e corta como uma foice,
que assobiasse e cortasse:
- a minha enxada luzia!
e a minha filha crescia
estava uma moça vistosa.
tanto que os homens saíam
para as portas das tabernas
dizendo ao vê-la passar:
lá vai a rosa charneca.
e a minha mulher cantava
estendendo a roupa, a corar,
sobre esteveiras ao sol.
quando veio a grande fome
tudo isto se acabou.
minha mulher foi para a monda,
lá para o alto alentejo.
e a minha filha abalou
com uma mulher que ri
e anda de feira em feira
armando aquela barraca
onde se bebe e se ama.
e numa manhã de inverno,
não pude mais e parti
-pelas estradas do acaso
com a manta de maltês!...
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