quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Rachel Corrie

24.10.23 | Manuel

Discurso escrito pela família de Rachel Corrie e lido no dia 12 de Abril, 2003, em numerosas realizações levadas a cabo em todo o mundo, em memória desta lutadora da paz.

Em 16 de Março, a nossa filha e irmã Rachel Corrie foi morta por um bulldozer militar israelita, quando tentava impedir a demolição de uma casa palestiniana na Faixa de Gaza. Rachel escolheu ir para Rafah, uma cidade a sul da Faixa de Gaza, porque acreditava que o mundo tinha abandonado este lugar. Durante a sua permanência, Rachel tornou-se nos nossos olhos e ouvidos, como nos disse sobre os tanques e bulldozers que passavam, sobre as casas com os seus buracos nas paredes, e da sua multiplicação rápida, sobre as torres do exército israelita com atiradores perscrutando ao longo do horizonte, sobre os helicópteros, e os seus zumbidos invisíveis sobrevoando a cidade durante horas e horas, sobre os poços, as estufas e os olivais destruídos, sobre o muro gigantesco de metal, em construção em torno de Gaza.

Ela disse-nos da ajuda que recebeu de um soldado israelita, que lhe enviou por e-mail frases em hebreu, para usar quando confrontada com soldados israelitas dos tanques e dos bulldozers. Ela falou-nos também de Ali, o rapaz palestiniano de dezoito anos, abatido dois dias antes da sua chegada, dos grandes grupos de homens palestinianos capturados e retidos durante todo o tempo, dos estudantes palestinianos e trabalhadores que não podem ir para a universidade ou para os seus empregos, porque os pontos de controlo se encontram fechados, dos trabalhadores municipais palestinianos da água, enfurecidos enquanto tentam fazer as reparações. Ela disse-nos, também, do dormir no chão e do compartilhar de um cobertor com uma família de cinco pessoas, de ajudar o jovem Nidal, que, com o seu inglês, a ajudou no seu árabe, das famílias palestinianas que lhe deram as suas limonadas para curar a gripe. Ela escreveu-nos: “Eu descobri um grau de força e de capacidade básicas de humanos permanecerem humanos em circunstâncias extremas. Penso que a palavra é dignidade.”

Rachel tinha sonhos. Ela acreditava que a sua cidade natal de Olympia, Washington, poderia irmanar-se com a cidade irmã de Rafah. Ela visionou trocas de e-mails entre crianças das duas cidades. Ela escreveu: “Muitos palestinianos querem que as suas vozes sejam ouvidas e penso que precisamos de usar alguns dos nossos privilégios, como internacionais, para fazer com que as suas vozes sejam ouvidas directamente nos Estados Unidos, em vez do filtro de internacionais bem-intencionados, como eu”. Rachel acreditava que poderia ver um estado palestiniano ou um estado israelo-palestiniano democrático durante a sua vida. Ela escreveu: “penso que a liberdade para a Palestina poderia ser uma fonte incrível de esperança para os povos em luta de todo o mundo”. Rachel alinhava com activistas pela paz palestinianos não-violentos, com activistas pela paz israelitas, também não-violentos, e com todos os activistas internacionais a trabalharem corajosamente para fazer com que todos os seus sonhos se tornem realidade.

Ela perdeu a sua vida naquele esforço pela paz, quando foi esmagada por um bulldozer israelita, há quatro semanas atrás. Isto agora leva-nos, a cada um de nós, a erguermo-nos com a mesma convicção e coragem e, dos nossos púlpitos, dos nossos pódios e das nossas ruas, através das nossas cartas para o Congresso, para a secretaria de Estado e Presidente, gritarmos juntamente com Rachel: “Isto é para parar! É uma boa ideia para nós todos, abandonar tudo e devotar todas as nossas vidas para fazer parar isto. Não penso em extremismos para fazer algo mais. Eu até quero na verdade dançar para Pat Benetar e ter namorados e ser cómica para os meus companheiros. Mas eu também quero que isto pare!

 www.palsolodarity.org

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BIOGRAFIA

Rachel Corrie era uma jovem activista cuja vida, aos 23 anos, terminou abruptamente a 16 de Março de 2003, enquanto trabalhava como manifestante na Faixa de Gaza. Ela cresceu em Olympia, Washington, estudou na Capital High School e depois no Evergreen State College. Enquanto estava na faculdade, Corrie juntou-se ao Movimento Olympia pela Justiça e Paz e, mais tarde, ao Movimento de Solidariedade Internacional, ou ISM.

O ISM, fundado em 2001, procura pessoas em todo o mundo para ajudar nos seus protestos não violentos contra os militares israelitas na Cisjordânia. A organização procura pressionar Israel e a sua Força de Defesa Israelense (FDI) a acabar com a ocupação de terras palestinas, usando uma série de táticas de resistência não violentas, como violar o toque de recolher israelense imposto em áreas palestinas, remover bloqueios de estradas colocados pelas FDI para isolar uma aldeia de outro, e bloqueando tanques militares e escavadeiras.

Rachel Corrie foi para Rafah, na Faixa de Gaza, em Janeiro de 2003 e recebeu dois dias de treino de resistência não violenta para ajudar nas actividades do ISM. Ela ficou horrorizada com a destruição que encontrou lá. Casas foram destruídas e pessoas detidas e mortas diariamente. Rachel registrou o que observou e sentiu em cartas e e-mails para sua família. Num e-mail, ela escreveu: “Agora, o exército israelita escavou a estrada para Gaza e ambos os principais pontos de controlo estão fechados. Isto significa que os palestinianos que queiram inscrever-se para o próximo trimestre na universidade não podem. As pessoas não conseguem chegar aos seus empregos e aqueles que estão presos do outro lado não conseguem voltar para casa; e os internacionais, que têm uma reunião amanhã na Cisjordânia, não conseguirão.”

Em outro e-mail, Corrie escreveu: “Sinto muito mal do estômago por ser mimada o tempo todo, muito docemente, por pessoas que estão enfrentando a desgraça… Honestamente, muitas vezes a pura bondade das pessoas aqui, juntamente com a evidência esmagadora da destruição intencional de suas vidas, faz com que isso pareça irreal para mim.”

Os esforços de Rachel Corrie para ajudar o movimento de resistência custaram-lhe a vida em 16 de março de 2003. Ela se colocou entre uma escavadeira Caterpillar e uma casa local, tentando impedir que as FDI a demolissem. Ela foi atropelada duas vezes pelo veículo e morreu.

Após a sua morte, a Fundação Rachel Corrie para a Paz e Justiça foi fundada para “apoiar programas que promovam conexões entre as pessoas, que construam a compreensão, o respeito e a apreciação pelas diferenças, e que promovam a cooperação dentro e entre as comunidades locais e globais”. O ator Alan Rickman e a escritora Katherine Viner montaram uma peça baseada nas cartas, diários e e-mails de Corrie chamada “Meu nome é Rachel Corrie”. Foi exibido em Londres em 2005 e, após um adiamento inicial nos Estados Unidos, teve uma exibição limitada na Off-Broadway em Nova York.

americanswhotellthetruth

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CARTA DA PALESTINA

Uma das cartas de Rachel, “Carta da Palestina” (7 de fevereiro de 2003), é lida abaixo por sua mãe, Cindy Corrie.

Rachel Corrie: “Carta da Palestina” (2003)

zinnedproject

https://temposdecolera.blogs.sapo.pt/rachel-corrie-127969? 

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