quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Carlos Coutinho - artigo de opinião

 * Carlos Coutinho

2024 10 03

ASSIM se vê a força da TV, isto é, a força das imagens que ontem fez um milagre na página 8 do “Público”, escarrapachando a opinião de dois historiadores, personalidades muito informadas, mas simétricas, que sentiram necessidade de convergir publicamente, já que as guerras nos estão a sair a todos muito caras e ninguém sabe como elas vão acabar. Ao fim da tarde, já noite em Beirute, vimos os clarões róseos e brancos do fogo no centro de Beirute, em direto, instantes depois de mais um bombardeamento ao centro da capital libanesa.

   Eis o que escreve o académico e ex-ministro da Administração Interna, num governo do PS, Nuno Severiano Teixeira”:

   “O Médio Oriente está a ferro e fogo. Gaza está arrasada e o Líbano em convulsão. Israel ébrio de vitórias táticas e o Irão condicionado por um dilema estratégico- Os Estados Unidos apelam à paz e Netaniahu faz a guerra. Sob a vertigem do dos acontecimentos e a ameaça de um conflito em larga escala, é difícil ver claro. Mas há duas perguntas fundamentais: como é que tudo começou? E como é que vai acabar?

   “Começou há mais de um século. É um conflito que atravessou várias fases e diferentes configurações. Entre as duas guerras, ainda sob o mandato britânico da Sociedade das Nações, assumiu a forma de uma guerra civil. Nos anos 30, os palestinianos revoltaram-se contra a instalação de judeus em Israel e contra os britânicos que a facilitaram.

   “Depois da fundação do Estado de Israel, entre 1948 e 1973, o conflito assume a forma de um conflito clássico interestatal. Os palestinianos desapareceram da equação e as grandes resoluções do Conselho de Segurança da ONU nem sequer os mencionam. O conflito é entre exércitos regulares de Israel e dos estados árabes. É tempo da chamada ‘guerra israelo-árabe’. E das grandes vitórias israelitas: 1948, 1956 e, sobretudo, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e do Yom Kippur, em 1973. A partir de então, o conflito muda uma vez mais de configuração e aproxima-se de uma guerra assimétrica entre as forças palestinianas e o Estado de Israel. Este processo é acompanhado por uma ampla dinâmica: de desarabização do conflito e apropriação palestiniana da sua causa. Desde os acordos de paz de Camp David, em1978, que, primeiro o Egito, depois os outros estados árabes se vão afastando do conflito. Em 1993, nos acordos de Oslo, são os próprios palestinianos, através da OLP, que assinam, a paz com Israel.
 
  “Em casa, enquanto Israel vai consolidando o seu poderio militar, os palestinianos vão alimentando a sua revolta nas sucessivas intifadas 1987-1993, e 2000-2005. Uma coisa é certa: a desarabização do conflito e reapropriação palestiniana é acompanhada pelo desenvolvimento da guerra assimétrica. E é a retirada dos estados árabes que permite a entrada do Irão. Em 1988, depois da guerra Irão-Iraque, o Irão decide substituir os estados árabes no apoio à causa palestiniana e construir uma rede de influência regional de atores não esttais, explorando, precisamente, a guerra assimétrica: o Hamas, ;o Hezbollah; a Jihad Islâmica e os houtis. 

   “Agora, como é que tudo isto voa acabar?”

   O professor da Nova não sabe e eu também não. Sei que, capciosamente o Nuno Severiano finge desconhecer que Israel financiou o Hamas, porque era a forma de atacar por dento a OLP. Arafat acabou por morrer envenenado E Telavive até já tem ogivas nucleares… Adiante.

   Eis agora o que escreve o académico o ex-deputado do PCP Manuel Loff:

   “Até ontem, os países da NATO, um após outro, exortavam Israel a não invadir o Líbano e enviavam a este país aviões… para recolher o seu pessoal diplomático eos cidadãos que queiram e, num país onde um milhão de pessoas (uma em cada cinco) tiveram de fugir de casa, se conseguiam sair. Mas não enviaram aviões de combate para reforçar as Forças Armadas libanesas contra o invasor israelita, como fizeram com a Ucrânia. O que vale para a Ucrânia não vale. Num ano inteiro não valeu para Gaza, a Cisjordânia, territórios invadidos não há dois mas há 67 anos. Num ano morreram incomparavelmente mais civis em Gaza do que em mais de dois anos e meio na Ucrânia – e Biden e Von der Leyen pedem aos países árabes a mesma desescalada e diplomacia cujo oposto praticam intensamente há anos na Ucrânia. 

   “É insólito este medo de uma guerra generalizada na boca de quem governa deste lado do mundo. Ontem mesmo, Biden deu as ordens necessárias para comprometer (mais inda) os EUA nas guerras de agressão israelitas. Depois de terem justificado a chuva de mísseis sobre Beirute como uma merecida punição do Hezbollah, os EUA substituíram-se aos israelitas na interceção dos mísseis iranianos para proteger Netanyahu e os genocidas que o acompanham. E disponibilizam para a guerra os c43 mil soldados que, por vezes contra a vontade dos respetivos governos, têm na região. E assim se procura ‘evitar a guerra’.

   “A discussão da dualidade de critérios não é apenas moral. Ela tem implicações diretas nas vidas de milhões de pessoas. A dualidade mata. Em Gaza, na Cisjordânia, Israel comporta-se como um dos ocupantes mais sinistros da história, perpetrando represálias sobre população a população civil em termos que reproduzem as represálias nazis sobre as populações dos países ocupados na II Guerra Mundial, ou as dos norte-americanos no Vietname, dos franceses na Argélia. Neste momento, com o fluxo imparável de material bélico ocidental, Israel dispara (e mata) em todas as direções: Irão, Síria, I énen e agora, sobretudo o Líbano. Por enquanto ordena deslocações de populações; depois passará diretamente às deportações, seguindo o exemplo de Gaza. Bombardeia cidades ed campos de refugiados - dois milhões de palestinianos que na Nakba de 1948 expulsaram das suas casas, dos sírios que procuraram fugir da guerra que o Estado Islâmico e as guerrilhas que a Turquia (membro da NATO) e os EUA armaram em 2011.
   “Os EUA e Israel são há muito aquilo que no glossário imperial se tem chamado ‘Estados párias’: sequestros em prisões ilegais, tortura sistemática, assassinatos contrariando qualquer forma de direito nacional ou internacional. Israel é o Estado do planeta que mais resoluções da ONU incumpre, o seu chefe de governo tem um mandado de captura internacional, ataca estruturas e instalações das agências da ONU e assassina os seus funcionários (e médicos e jornalistas. E crianças…). E, contudo, aí estão os governos da EU a proibir por ‘antissemitas’ manifestações de solidariedade com as vítimas palestinianas e exigindo boicote e sanções a Israel. (…) As guerras israelitas, a sua necropolítica genocida, as décadas de ocupação impune, aplaudida, justificada, dizem tudo o que é hoje o Ocidente. A nossa posição perante elas diz tudo de cada um de nós.”

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