Opinião
* Jaime Nogueira Pinto
DN 07 Mar 2025, 00:27
Por vezes a resposta à realidade desagradável é ignorá-la; outras vezes é passar a tratá-la ao modo de Cruzada contra o Mal, o mal absoluto, contra o qual vale tudo; e nessa narrativa alternativa, concentrar tudo o que possa contraditar a realidade, usando argumentos laterais, colaterais, formais, por importantes que sejam, mas fugindo ao cerne da questão.
É este o juízo que me parece mais próprio, vendo o alheado agitar, esbracejar e passarinhar dos líderes europeus para longe do centro da intriga (o almejado fim do conflito Rússia-Ucrânia), perante a nova Administração americana e o seu dilúvio diplomático e executivo.
Em vez de caírem na realidade e nas consequências da realidade, “os europeus”, ou seja, essencialmente o duo Macron-Stamer (a que Merz ameaça juntar-se), continuam em manobras de diversão que, além de inconsequentes, se podem tornar perigosas.
Isto porque a Europa mudou neste último século. A Europa foi o centro do poder e da economia mundial até à Grande Guerra de 1914-1918. E saiu da guerra com os impérios alemão e austro-húngaro vencidos e desfeitos e com o vizinho império otomano também vencido e esfrangalhado.
Entretanto, na Rússia, dera-se uma revolução radical de esquerda, utópica e marxista, que praticava e prometia o genocídio de classe. Uma revolução que, posta em marcha, ameaçava a Europa, onde vários Estados - da Itália fascista ao Portugal da Ditadura Militar - adoptaram soluções autoritárias.
Para vencer a Alemanha, os aliados franco-britânicos tinham trazido os norte-americanos que, com o presidente Wilson, um cruzado da democracia mundial com nostalgias sulistas, quebravam o isolacionismo dos Founding Fathers e de Monroe.
Na Segunda Guerra passou-se algo semelhante; outra vez, contra uma forte corrente isolacionista, liderada pelo então “herói americano” Charles Lindbergh e pelo seu movimento America First, F.D. Roosevelt, depois de os japoneses atacarem Pearl Harbour, conseguiu levar a América para a guerra. E outra vez os americanos - com os russos de Estaline a vir do Leste atrás dos invasores hitlerianos - desembarcaram na Europa e resgataram os Ocidentais, vencidos e ocupados pelos alemães.
Estas “guerras civis europeias” - fosse qual fosse a sua justiça e sentido - além de causarem grandes destruições humanas, materiais e morais, marcaram o fim do mundo eurocêntrico. Na verdade, para ganhar a guerra e lograr o concurso dos seus colonizados no esforço de guerra contra a Alemanha e o Japão, os Aliados tiveram de lhes prometer o autogoverno. Nem de outro modo podia ser. Os impérios ultramarinos iam ser a principal vítima colateral da nova ordem mundial, redigida e fixada na Carta das Nações Unidas. E a Europa vencida, constrita e ocupada, iria avançar com projectos de união aduaneira e económica e até, para algumas elites políticas e tecno-burocráticas, de união e federação, sonhando e copiando o que acontecera nos Estados Unidos.
E face ao perigo comunista, que ocupara uma série de países da Europa Oriental, confiou-se com gratidão no amigo americano, a nova superpotência que, arcando com a defesa comum, libertava aos europeus recursos para, em democracia, construírem o Estado Social.
É isso que, agora, pode estar para acabar: os Estados Unidos não vão abandonar a NATO nos próximos tempos, mas também não parecem dispostos a tolerar o jogo duplo dos que vão a Washington ao beija-mão, mas bloqueiam a paz; dos que falam em rearmamento, mas se encolhem quando se trata dos seus filhos ou do seu dinheiro; dos que mandam os outros fazer peito aos poderosos e depois estender-lhes a mão.
Politólogo e escritor
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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