quinta-feira, 18 de agosto de 2011

RTPN - «O Douro nos Caminhos da Literatura»



  • Correia da Fonseca 


Vestígios
Em perfeita legítima defesa, na preocupação de escapar por algum tempo ao massacre por mediocridades e insignificâncias várias que nos diversos canais se alongam pelas tardes de domingo, pelo natural desejo de por algum tempo respirar em paz (pois o telespectador «respira» também pelos olhos e pelos ouvidos, mesmo quando não se dá conta disso), decidi no passado domingo ir ao encontro de Aquilino. Eram 20 horas, a altura dos telenoticiários principais, e eu sabia que essa havia sido a hora escolhida para a transmissão na RTPN da série «O Douro nos Caminhos da Literatura», agora em repetição. Note-se a sabedoria com que o horário foi escolhido: não apenas a exiguidade da audiência provável já estava garantida pelo facto de a RTPN só ser acessível a alguns, alguém sabiamente decidiu que os sete documentários que integram a série haveriam de ser transmitidos quando os três principais canais abertos estivessem a dar aos telespectadores as notícias do País e do mundo. Assim ficou praticamente garantido que a generalidade dos cidadãos telespectadores continuaria na ignorância total ou parcial relativamente aos sete escritores cujo perfil e obra eram abordados pela série: Torga, Junqueiro, João Araújo Correia, Domingos Monteiro, Trindade Coelho, Pina de Morais e Aquilino Ribeiro. Calculo que a estratégia tenha obtido pleno êxito: acerca de Aquilino e de Torga, mesmo de Junqueiro, ainda será possível encontrar com alguma facilidade quem tenha ideia de quem foram e do que escreveram. Mas de João Araújo Correia ou de Domingos Monteiro, quantos saberão deles o mínimo dos mínimos? Muito poucos, decerto, porque nisto de deportar escritores e livros para lugares e tempos onde dificilmente podem ser encontrados aRTP não brinca em serviço.

Como se…

Convém dizer que não foram apenas, nem sobretudo, o amor pela literatura e a admiração por aqueles sete escritores que motivaram esta série, aliás de arranque e concretização aparentemente difíceis e lentos: ter-se-á tratado principalmente de chamar a atenção dos portugueses para a região do Douro e as suas maravilhas naturais, isto no enganoso pressuposto de que a série teria ampla audiência. Tudo bem: a extraordinária beleza da região duriense está perfeitamente a par da grandeza de um Aquilino ou de um Torga, à altura do talento dos outros escritores biografados na série. Talvez para eventual reforço do prestígio da iniciativa foi contratada a colaboração de António Barreto e de Francisco José Viegas, este ainda longe então de subir a secretário de Estado, mas nem seria preciso tanto: os escritores biografados, pela obra e pelo percurso de vida, a paisagem pelo encanto e pela majestade, garantiriam o mérito que a série efectivamente teve. Infelizmente, porém, terá sido vista por pouco mais que um punhado de telespectadores, e é claro que esta circunstância nos devolve uma velha questão sempre remetida pela RTP para a penumbra das omissões mas sempre de fundamentalíssima importância: o crónico e manifesto desapreço da operadora estatal de TV pela cultura literária, pelos livros, pelos escritores, pela leitura. É um fenómeno dificilmente negável, por evidente, e curioso, pois é legítimo supor que quem comanda a RTP em funções de topo saiba ler e escrever e faça aceitável uso destas duas prendas. Contudo, não apenas os livros e a leitura estão reduzidos nas antenas daRTP a meros vestígios, aliás raros, excepto na «2» (e a mera consulta das tabelas de audiências é por si só bastante para que imaginemos as consequências desse exílio), como também o grosso da programação dos restantes canais acompanha avidamente os critérios ditos comerciais das estações privadas quando, de Norte a Sul, semeiam o conforto da ignorância convencida, a superficialidade, os minúsculos escândalos de patamar ou de viela, a incivilidade. Com momentos que funcionam como oásis, será certo. Mas são oásis onde só muito raramente se encontrará uma referência estimulante da leitura ou o explícito apreço pela condição de escritor. Neste caso, talvez só com uma excepção, a de António Lobo Antunes, espero um dia entender porquê, e agora também a de José Saramago que, tendo morrido, deixou de ser tão incómodo quanto era. Para lá disto, sublinho, sobram vestígios. Como se se quisesse consolidar um País que não leia. Isto é, que não pense
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Avante
N.º 1968
18.Agosto.2011 

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Carregado por  em 28 de Jan de 2009
O Douro...Nos Caminhos da Literatura - Vídeo de Apresentação
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