sábado, 6 de agosto de 2011

Cândido ou o otimista - Voltaire



Recanto das Letras


O MELHOR DOS MUNDOS

“... as coisas não podem ser de outro modo: pois, como tudo foi criado para uma finalidade, tudo está necessariamente destinado à melhor finalidade.”Cândido ou o otimistaVoltaireCândido vive como agregado no castelo de um dos homens mais poderosos do local e tem como preceptor o mestre Pangloss. Durante toda sua vida aprendeu que deveria compreender todos os acontecimentos da melhor forma possível, pois nasceu como uma inserção possível no melhor dos mundos, e alimenta sua grande paixão por Cunegundes, filha do Barão que o abriga.O enredo nos surpreende com uma sucessão de desgraças: Cândido é expulso do castelo por ser surpreendido no único encontro com Cunegundes, Mestre Pangloss é enforcado, dissecado e reaparece vivo com explicações absurdas, Cunegundes se prostitui, envelhece carcomida por infortúnios... Os personagens cruzam o mundo em busca de um encontro possível, mas estão naufragados num mar de otimismo irracional.O leitor é contagiado pela ironia de Voltaire. As diferenças sociais, os preconceitos, os idealismos exacerbados, as guerras permanentes e não motivadas, os inocentes, a corrupção... Ricos argumentos para a vida de Cândido que teima em “sustentar que tudo está bem quando tudo está mal”, segundo os ensinamentos de Pangloss.O velho sábio Martinho enriquece as vivências de Cândido. Surge como acompanhante e transforma-se no contraponto necessário às percepções que só encontram alicerces na filosofia ministrada por Pangloss. No trajeto final, é o olhar realista das sombras fragmentadas de desgraças e realizações que insistem em manter os caminhos primitivos e sacramentam, definitivamente, a impossibilidade de uma visão conformista e otimista.Martinho é maniqueísta e não espera coisa alguma do mundo ou das pessoas. Seu olhar é realista, apesar de tão aviltante. “Por toda a parte os fracos abominam os poderosos perante os quais rastejam, e os poderosos os tratam como rebanhos de que vendem a lã e a carne”“- Que mundo é este?” A indagação costura as mazelas do protagonista e encontra diversas respostas: “o melhor dos mundos possíveis” de Pangloss ou “alguma coisa de louco e abominável” de Martinho.A grande lição é dada pelo velho turco que passou a vida cuidando de sua família dentro dos limites de sua propriedade: “aqueles que se metem em negócios públicos acabam miseravelmente”. A vida de sua família está em harmonia: plantam e colhem os frutos do trabalho no pequeno sítio. O homem, distante das pretensões intelectuais, ensina aos filhos que o trabalho afasta os três grandes males: “o tédio, o vício e a necessidade”.Cândido retorna para a propriedade. Sua vida realizou-se à margem do ideal. Cunegundes, a donzela desejada, só se transformou em realidade quando já velha e gasta. Os sábios ainda tentam travar os embates filosóficos, contudo, a platéia sucumbiu às intempéries sem âncoras previdentes. Os personagens enforcaram-se nos nós cotidianos, dissecaram suas intimidades nas possíveis relações e se iludiram com ideais extemporâneos.“O melhor dos mundos possíveis...” Após ouvir que todos os acontecimentos estavam encadeados da melhor forma possível no melhor dos mundos. Cândido encerra nossa leitura: “Tudo isso está bem dito... mas devemos cultivar nosso jardim.”Voltaire escreveu “Cândido ou o otimista” quando conseguir superar todas as prisões, intrigas e infortúnios que marcaram sua história. Nos últimos vinte anos, viveu em companhia da sobrinha num domínio de Ferney, na província de Gex, quando transformou a fazenda maltratada numa terra produtiva. Cândido e Pangloss foram concebidos neste período de estabilidade, quando o escritor elaborou suas vivências e conhecimentos, costurando uma de suas obras mais conhecidas e respeitadas.Contudo, Voltaire permanecia envolvido com os “negócios públicos”: ao defender a família de um jovem que se suicidara, Calas, iniciou uma luta por todos os que lhe pareciam injustiçados, incluindo a defesa do jovem La Barre, acusado de mutilar crucifixos.Muitos sábios como Pangloss sobrevivem e espalham suas idéias otimistas, tentando ludibriar cândidos e inocentes com a certeza dos melhores mundos. Diversos artigos e ensaios costuram os personagens de Voltaire em contextos econômicos e sociais atuais e tentam satirizar alguns protagonistas contemporâneos. Alguns meios de comunicação sustentam que tudo está bem quando tudo está mal.Mas... Infelizmente estes são os negócios públicos que causam a miséria aos que se envolvem sem defesas e com fortes idealismos. Na construção do mundo possível, o homem deve se estruturar com todas as ferramentas ao seu alcance. Uma ampla visão da humanidade, suas contradições e convergências, e uma segura restrição de sua inserção nas causas sociais nas possibilidades de realizações e conquistas pessoais. O homem é a realidade que laborada com empenho gera frutos e escreve a verdadeira filosofia com atitudes legítimas.O mundo não é bom ou mau, é apenas um mundo que deve ser encarado com força e coragem.Tudo está bem dito. E você, leitor, já cultivou o seu jardim?
Helena Sut

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