segunda-feira, 20 de maio de 2013

José Luís Peixoto - Livro


Quero Um Livro
 07 Janeiro 2011
***
  
"Este livro elege como cenário a extraordinária saga da emigração portuguesa para França, contada através de uma galeria de personagens inesquecíveis e da escrita luminosa de José Luís Peixoto. Entre uma vila do interior de Portugal e Paris, entre a cultura popular e as amais altas referências da literatura universal, revelam-se os sinais de um passado que levou milhares de portugueses à procura de melhores condições e de um futuro com dupla nacionalidade. Avassalador e marcante, Livro expõe a poderosa magnitude do sonho e a crueza, irónica, terna ou grotesca, da realidade. Através de histórias de vida, encontros e despedidas, os leitores de Livro são conduzidos a um final desconcertante onde se ultrapassam fronteiras da literatura."



José Luís Peixoto nunca foi um autor que me chamasse à atenção, aliás sempre achei que não gostava dele... Não faço ideia de onde vinha essa certeza, que me lembre nunca tinha lido nada dele até hoje. Pode ter acontecido ter-me passado pelas mãos algum livro dele, quando era muuuiittoooo mais nova e não ter gostado, mas sinceramente não me recordo. Aponto mais para o facto de ter, por alguma razão, confundido o nome dele com o de algum autor que não gostei. É possível, visto a minha memória para nomes ser má e o meu conhecimento de escritores portugueses contemporâneos ser vergonhosamente deficiente. :/ O importante aqui é que esse erro foi corrigido e José Luís Peixoto entrou na lista dos escritores que gosto e que quero continuar a ler. :)


Livro de José Luís Peixoto está dividido em duas partes, claramente distintas uma da outra. Na primeira parte o autor narra a história de amor de Ilídio e Adelaide, numa aldeia do interior de Portugal. Um amor feito de olhares, de sentimentos não falados, de silêncios e de desencontros gerados pela miséria, pela vergonha, pela ignorância e pela inveja. Quando Adelaide é forçada a partir para França, Ilídio parte atrás dela. Adelaide e Ilídio servem de pretexto para que conheçamos as condições duras da viagem mas, também a solidariedade dos espanhóis que ajudavam os portugueses até à fronteira francesa. É através deste dois, que partiram por razões completamente diferentes das dos seus companheiros de viagem, que José Luís Peixoto nos vai dando conta das condições difíceis que esperavam os portugueses em França com a descriminação e o trabalho duro.

Esta primeira parte do livro é angustiante, é triste, miserável como a vida de quase todos os que nele aparecem. José Luís Peixoto consegue, com as palavras e pela forma como as utiliza, transmitir emoções fortes, consegue chocar-nos, deixar-nos confusos e muitas vezes enojados, apanha-nos desprevenidos e somos confrontados com situações que nos deixam sem defesas e sem reacção, engolimos em seco. Ao mesmo tempo o Livro consegue fazer-nos sorrir, porque nem tudo na vida são desgraças, porque existem situações caricatas, estranhas, quase cómicas e porque as personagens são na sua essência puras, inocentes e a esperança acaba por ser um sentimento que vagueia pelas páginas do livro. De alguma forma, temos a certeza de que tudo acabará bem. :)

A segunda parte do livro é mais leve, o estilo de escrita muda completamente e o cenário é mais luminoso e risonho. Não será coincidência que a primeira parte acabe pouco dias depois do 25 de Abril. :) Aqui José Luís Peixoto, como diz a sinopse, ultrapassa as fronteiras da literatura e interage com o leitor, provocando-o. Esta parte termina a história, não sem alguma estranheza pela personagem que nela nos é apresentada... Quase irreal, quase uma personagem ela própria. :)

Porque vim de um livro completamente diferente (The Cider House Rules) em termos de escrita, John Irving enche as histórias de pormenores e normalmente chego ao fim dos livros dele cansada, fisicamente cansada, entrar na escrita mais simples, sem ser linear de José Luís Peixoto custou-me um pouco. Adaptar-me a uma linguagem mais próxima dos sentimentos, mais límpida foi uma questão que tive de ultrapassar no início. Mas depois desse período de adaptação a leitura, embora feita de uma forma calma, foi de certa forma compulsiva. Não acho que este livro deva ser um livro de leitura rápida mas sim um daqueles em que saboreamos as palavras e a musicalidade da escrita.

Gostei e agora gostava de ler um dos anteriores do José Luís Peixoto pois, pelo que me consta este é diferente de todos os outros.

Recomendo sem reservas!

Boas leituras!
Publicada por N. Martins à(s) 12:10 
Diário de Notícias

LIVROS

José Luís Peixoto dá vida ao rapaz 'Livro'

por Lusa25 agosto 2010Comentar
Escritor José Luís Peixoto
Escritor José Luís Peixoto
Fotografia © Dn / Gonçalo Villaverde

No novo romance de José Luís Peixoto, que chega às livrarias portuguesas a 24 de Setembro, 'Livro' é nome de pessoa, do protagonista da história, centrada na emigração portuguesa para França nas décadas de 1960 e 1970.
'A história é maravilhosa, desde a primeira frase do livro', disse hoje à Lusa Francisco José Viegas, director editorial da Quetzal, que está a reeditar a obra de José Luís Peixoto. E a primeira frase é 'A mãe pousou o livro nas mãos do filho'.
'Uma mãe abandona um filho para poder emigrar e, muitos anos depois, os seus destinos voltam a cruzar-se, num enredo de coincidências portuguesas, amores desencontrados, bibliotecas, livros de que se gosta muito -- e é já o 25 de Abril, com uma segunda geração de emigrantes que são portugueses em França e franceses em Portugal', resumiu.
O livro -- explicou o editor -- está dividido em duas partes distintas: 'A primeira trata especificamente de uma história de emigração, dramática, muito realista, cheia de histórias e de episódios que dificilmente esqueceremos'.
'A segunda trata deste personagem curioso e fascinante, que tem um nome ainda mais estranho: Livro. É o nome dele, do rapaz. Livro. E é um brilhante delírio sobre literatura, bibliofilia, Portugal, a emigração, o cruzamento de culturas...', prosseguiu.
José Luís Peixoto, de 35 anos, vencedor do Prémio Literário José Saramago em 2001 com o seu romance de estreia, 'Nenhum Olhar', publicou depois mais dois romances, 'Uma Casa na Escuridão' (2002) e 'Cemitério de Pianos' (2006), que a crítica considerou estarem ainda sob a sombra do primeiro.
Quanto a 'Livro', o quarto romance, diz Francisco José Viegas que 'é o romance dessa libertação, sem dúvida'.
'Já não é tão autobiográfico, se se quiser; é uma construção romanesca muito séria, muito trabalhada, muito pensada para além do espaço pessoal e intimista', sustentou.
'Penso que é a grande obra da maturidade de José Luís Peixoto que, mantendo os sinais e as marcas que construíram o seu universo de leitores e admiradores, vai mais além, ultrapassa o universo 'dos fãs' e conquistará certamente mais leitores', defendeu o editor.
Segundo Viegas, 'não é por acaso que este livro demorou tanto tempo a ser escrito. É o resultado de um amadurecimento. E também de uma confiança natural, que nasce do facto de o José Luís Peixoto ser um dos autores portugueses mais traduzidos, lidos e apreciados no estrangeiro'.
A Quetzal, que reeditou já, com a colaboração do autor, toda a sua ficção, desde 'Morreste-me' até 'Cemitério de Pianos', prepara-se agora para reeditar a sua poesia ('A Criança em Ruínas', 'A Casa, a Escuridão' e 'Gaveta de Papéis'), que inaugurará a colecção de poesia da editora.
'Vai ser uma colecção muito bonita -- afiançou Francisco José Viegas -- graficamente ainda mais cuidada do que já costumam ser os livros da Quetzal, onde, para abrir, além do José Luís Peixoto, vamos publicar o João Luís Barreto Guimarães e a obra completa de um grande autor cabo-verdiano, um poeta notável e praticamente desconhecido, João Vário'.
Além disso, indicou ainda, no próximo ano a editora publicará um livro infantil de José Luís Peixoto, 'Mãe, Mãe', e, em finais de 2011, um conjunto de novelas.

José Luís Peixoto
TERÇA-FEIRA, 21 DE SETEMBRO DE 2010
Romance-resumo
Crítica a Livro, in Jornal de Letras
Por Miguel Real

Desde a década de 60 que a historiografia do romance português tem provado que não só a forma (a estrutura) ilumina o conteúdo como marca indelevelmente a singularidade de cada narrativa, prestando-lhe um rosto literário específico. Estamos hoje longe, cronológica e teoreticamente, do tempo em que da prisão "António Vale"/Álvaro Cunhal ditava não ter qualquer razão de ser "a objecção de que a sobreposição do conteúdo à forma não é fecunda no ato de criação artística. No próprio processo de criação, como norma para alcançar um nível superior, é válido o princípio - primeiro o conteúdo", bem como o tempo em que Almeida Faria e Nuno Bragança submetiam o conteúdo narrativo ao primado da forma.

Possivelmente, o novo romance de José Luís Peixoto, Livro, ficará na história da literatura portuguesa como o símbolo máximo da sobredeterminação da forma face ao conteúdo. Com efeito, se o autor tivesse optado por outra organização estrutural, o romance, ainda que com o mesmo conteúdo, seria todo outro, radicalmente outro.

Neste sentido, dando primazia à forma, Livro é, espantosamente, uma síntese da história do romance português desde Eça e Camilo.

Primeiro, quando ao conteúdo, é profundamente realista ("a realidade bem observada e a observação bem exprimida", Eça), narrando a história de uma família desencontrada (sem apelido) e de uma vila (sem nome) portuguesas ao longo de 70 anos do século XX, descrevendo situações típicas do subdesenvolvimento do interior rural, bem como da reacção campesina, emigrando para França, na década de 60.

Segundo, Livro abandona-se, não raro, ao naturalismo (vida de Galopim e do irmão deficiente; mulher lobo na raia entre Portugal e Espanha; a morte da velha Lubélia; a existência diária do Daquele da Sorna...).

Terceiro, com a adolescência de Livro (nome do narrador personagem, não título do romance) em Paris, os "eus" psicológicos, até então profundamente sólidos, dotados de entidade pessoal, estilhaçam-se, multiplicando as pulsões no seu interior (Livro opera uma deriva existencial; Adelaide, sua mãe, divide-se interiormente entre educação portuguesa provinciana e os novos costumes parisienses; Constantino, seu putativo pai, falhado o maio de 68 e a Revolução dos Cravos, esquizofreniza-se, incorporando a figura revolucionária de "Lenine", tratando o filho por pai e a mulher por mãe). É a pulsão "presencista" (psicologista) do romance português, nomeadamente a multiplicação dos "eus" de O Jogo da Cabra Cega (1934), de José Régio.

Em quarto lugar, criticando o neorrealismo (p. 238), o narrador assume, na segunda parte, o desconstrutivismo das décadas de 60 e de 70, o fragmentarismo, a auto-referencialidade, o pós-modernismo (p.227), a confluência sincrética, por vezes caótica, de estilos, de textos de proveniência diversa (citação amiúde de nomes de autores, listas de livros, inquérito ao leitor...), evidencia ointelectualoidismo narrativo próprio daquelas décadas (grafia de "Heraclito, o Efésio" em grego clássico), o privilégio da conotação face à denotação...

Em quinto lugar, enquanto totalidade romanesca, recupera a categoria de "grande narrativa" (décadas de 80 e 90) como arte de contar uma história com princípio, meio e fim (as vidas de Adelaide e Ilídio).

Assim, Livro estatui-se, tanto estilisticamente quanto ao nível do conteúdo, como um romance resumo da história do romance português de Eça de Queirós a Francisco José Viegas. Parafraseando Pessoa, Livro é uma espécie de novelo narrativo com a ponta virada para fora, puxada a qual se desenrola a nossos olhos a história portuguesa dos últimos 70 anos (Salazar e a Pide; os párocos de aldeia, coniventes com o poder político; a miséria dos campos; os ricos - a família de Dona Milú - e os pobres - a vila inteira, sem esgotos, sem ruas alcatroadas, sem água canalizada; a história da emigração; o 25 de abril e a adesão à Europa; a riqueza de pato-bravo dos emigrantes; as casas de fachada forrada de azulejos de casa de banho...).

De forma circular, automanifestando a génese do narrador e das condições existenciais da narração, operando por vezes um diálogo explícito com o narratário (p.247), substituindo os capítulos clássicos por fragmentos titulados por letras, números e datas, jogando um puzzle de peças soltas unificadas pela consciência do leitor, Livro constitui um magnífico retrato, à entrada do século XXI, do modo de narração de uma história, simultaneamente obedecendo e subvertendo a tirania da cronologia.

História de uma dupla educação (Ilídio e Livro), José Luís Peixoto mantém o seu lirismo singular em Livro, estatuindo a frase entre a racionalidade do realismo descritivo e a emoção do verso poético. Porém, à medida que nos afastamos deMorreste-me e de Nenhum Olhar, suas primeiras narrativas, o lirismo tem vido a perder uma carga hiperbolizante, denotada pela figura da reiteração, amplificando fragmentos de sentido na consciência do leitor, tornando-se pragmaticamente comedido. De qualquer modo, Livro possui a explícita marca do lirismo, com o princípio da subjectividade do narrador, envolvendo e dominando o princípio da objetividade (o realismo). Lexicalmente, assiste-se a confluência entre um vocabulário rural e um vocabulário urbano, e, por vezes, sobretudo nas falas de Cosme da segunda parte, explicita-se o patuá da emigração portuguesa para França.

Se deveras não nos irritasse o prefixo da palavra "pós-modernismo" (uma mera moda literária que preenche a ausência da palavra correta que a todos nos falta para designar a literatura de hoje), estaríamos tentados a classificar Livro como o grande romance do pós-modernismo português. Preferimos, antes, chamar a atenção do leitor para o facto, iniludível, de que, com Livro, se inicia a maturidade literária de um grande escritor.
***

Sem comentários: