Silva é o apelido mais comum em Portugal, seguido de Santos, Ferreira e Pereira. Através dos apelidos podemos descobrir muito sobre nós e sobre os nossos antepassados, uma vez que “Portugal tem uma tradição muito rica e complexa”
Cátia Barros, Jornalista
Carlos Esteves, Jornalista infográfi
Cristiano Salgado, Ilustrador
Écerto que há nomes mais comuns do que outros, mas nenhum chega perto do apelido Silva. Em Portugal, segundo os dados fornecidos ao Expresso pelo Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), há 805.446 pessoas com esse apelido. O número de pessoas que se chamam Silva consegue ser ainda mais impressionante, principalmente se considerarmos que o segundo apelido mais popular em Portugal é o sobrenome de quase metade dos Silvas. Há 498.856 Santos. Um número muito semelhante ao número de pessoas que se chamam Ferreira (407.947) e ao daqueles que se chamam Pereira (403.139).
Ainda dentro dos apelidos mais comuns, encontra-se o Costa, com mais de 326 mil registos. E há uma curiosidade a considerar relativamente a este sobrenome. Além de ser um apelido que “estatisticamente é muito comum em Portugal”, destaca-se “pela geografia”. “Se procurássemos o apelido Costa no país todo, iríamos encontrar uma geografia um pouco diferenciada, ou seja, Costa é mais comum no norte do país do que no sul”, explica ao Expresso o investigador, consultor e formador Francisco Queiroz.
10 apelidos mais comuns em Portugal
A verdade é que todos temos características físicas que nos definem e pelas quais obtemos o nosso sentido de identidade. Em todo o caso, estes são aspetos que se podem alterar ao longo da nossa vida ou do contexto em que nos inserimos. Ser alto, em Portugal, não é o mesmo que ser alto nos Países Baixos. Já o nosso nome, que nasce connosco, raramente se altera ao longo da vida. É por ele que nos identificamos e que nos identificam.
Alguns de nós respondemos a um só nome, outros têm alcunhas e outros reconhecem-se pelo apelido. Apesar de o modo como nos apresentamos e somos tratados também se alterar consoante o contexto — certamente não somos reconhecidos da mesma forma na nossa terra natal, no nosso grupo de amigos ou no trabalho —, o nome com que nos apresentamos permanece. E pode dizer algumas coisas sobre nós.
Contudo, há uma diferença entre o nosso primeiro nome e o apelido. O nome próprio é escolhido, pelo menos à nascença, pelos nossos pais. Não passa disso: uma escolha. Os batismos mais populares vão sofrendo alterações com o desenrolar do tempo, variando com nomes em voga e sofrendo a influência de séries e universos que encheram o imaginário dos pais.
As regras dos apelidos
Por outro lado, os nossos apelidos dizem-nos de onde vimos e obedecem a regras definidas (mesmo que tenham sofrido alterações ao longo dos anos). “Os apelidos estabelecem a ligação à família a que a criança pertence”, lê-se no site do IRN. No total, há nove regras para escolher os apelidos. “São escolhidos de entre os apelidos de ambos os pais, mas podem ser de apenas de um.” Cada pessoa não pode ter mais de quatro apelidos. No caso de os pais terem “apelidos iguais”, os mesmos podem “ser repetidos de forma seguida ou intercalada”
Além dos apelidos dos pais, “podem ser escolhidos apelidos que pertencem aos antepassados (avós, bisavós)”. Mas para tal acontecer, e no caso de não fazerem parte dos apelidos dos pais, é necessário “fazer prova”. Já no que toca à ordem, não existe nenhuma regra específica e “podem ser adicionados ou eliminados elementos de ligação (de, da, do, e)”. No caso de uma criança estrangeira, “a escolha dos apelidos obedece à lei da sua nacionalidade”. No entanto, “se a criança tiver outra nacionalidade, além da nacionalidade portuguesa, prevalece a lei portuguesa”.
“Antigamente as pessoas eram conhecidas pelo nome individual e por um patronímico, que indicava de quem é que eram filhos. Por exemplo, um João Rodrigues: sabíamos logo que era filho de um Rodrigo”, diz Francisco Queiroz
Nem sempre foi assim. “Portugal tem uma tradição em termos de apelidos muito rica e complexa. E o problema maior, quando nós associamos o apelido à descoberta das raízes, é que quando nós começamos a recuar, chegamos a uma época — mais ou menos ao século XVI, há 500 anos — em que os apelidos estão em formação, ou seja, a lógica que nós temos hoje dos apelidos, antes do século XVI em Portugal não existia”, explica Francisco Queiroz.
E é por esse motivo que alguns patronímicos chegam ao top 10 de apelidos mais usados, como é o caso de Rodrigues e Fernandes. “Na altura existiam nomes próprios, que tal como hoje identificam um indivíduo, e depois havia os patronímicos”, explica Queiroz. “As pessoas eram conhecidas pelo nome individual e depois por um patronímico que indicava de quem é que eram filhos. Por exemplo: um João Rodrigues, sabíamos automaticamente que era filho de um Rodrigo.”
Mas a falta de regras leva a que surjam diversos tipos de apelidos. Se alguma vez se perguntou porque se chama Lindo ou Feio, é porque algum antepassado se destacou por essa característica. “Há outro tipo de apelidos que também se vão fixar e que vêm de uma raiz diferente: em vez de serem patronímicos, vêm do lado das alcunhas. Há uma série de apelidos que correspondem a características físicas de alguém e que depois foram usados pelos descendentes”, afirma Queiroz.
10 apelidos menos comuns
Muitos desses apelidos mantêm-se até hoje “por uma opção de prestígio”. A título de exemplo, Francisco Queiroz diz que alguém querer ser conhecido como o “o feio” poderia estar relacionado com o facto de se ser “realmente feio, mas rico e poderoso”. “Há muitos casos de apelidos portugueses atuais que têm origem em episódios de caráter bélico. São situações hilariantes, histórias que aconteceram com determinado indivíduo e que ficaram registadas nesses livros porque eles passaram a pertencer a um estado social da nobreza. Por isso, os descendentes passam a usar essas alcunhas como apelidos para se identificarem como descendentes daquela pessoa, que foi importante. Mesmo que o apelido seja insólito, usam-no”, continua.
“Há apelidos portugueses que respondem a nomes de cidades”, como Lisboa, Porto, Braga, Chaves, Guimarães ou Barcelos. “Geralmente, os apelidos de cidade surgem quando as pessoas fazem algum tipo de migração.” No caso de terem um nome próprio comum, passam a ser conhecidos pelo nome da cidade em que moraram. É por esse motivo que, tal como Costa, estes apelidos podem ter regionalismos especiais. “Nos Açores, por exemplo, há muitos apelidos ligados a cidades. Na Terceira muitas pessoas têm o apelido Barcelos, que não é muito comum em Portugal Continental.” Já nos casos de Braga e Guimarães, trata-se de nomes que surgem no Porto. “Houve muita imigração do Minho para o Porto, sobretudo no século XIX.”
A verdade é que não há só apelidos comuns na lista do IRN. No total há 75.132 apelidos que só surgem uma vez. Entre esses apelidos raros encontram-se nomes como Alparqueiro, Bonsembiante, Gracaribeiro, Marruso, Picalho, Ricaldes, Sardoeiro, Tripinhas, Vernamonte e Zidorinho. Segundo o IRN, estas singularidades encontram-se porque a lista “inclui também apelidos estrangeiros” e porque “ao longo da vida o apelido pode ser alterado”.
https://expresso.pt/revista/fisga/2025-02-26
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