quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

José Gomes Ferreira - poeta militante (1900 - 1985)


13 de Fevereiro de 2014 às 23:42
* José Gomes Ferreira

TERMIDOR ERRADO

(O Sonho é a nossa arma)

Há quem julgue que nos venceu
só porque estamos para aqui, famintos e nus,
de novo sem terra nem céu.
a apanhar do chão, às escondidas do luar,
os frutos podres caídos dos ramos.

Mas não.

Temos ainda uma arma de luz
pura lutar;
SONHAMOS.

…enquanto os outros, os traidores,
sem lutas nem cicatrizes
entregam a terra ao rasto dos gamos
e douram os olhos dos velhos senhores
com voos de perdizes...

Sim. sonhamos.
E o sonho quem o derrota?
- mesmo quando vamos
perdidos na rota
de um barco sem remos
na tempestade de um vulcão.

Sim, camaradas, sonhamos.

SONHEMOS!

O Sonho é também acção.

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SONÂMBULO/I


(Enquanto os aliados a caminho de Berlim
morrem, eu entretenho-me a ver chover na
Rua da Palma, espalmado num portal a
cheirar a urina podre)

Chove…

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir na chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove…

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

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Dos dedos dos homens
Sujos de morte.

Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.

Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…

Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…

Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.

Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…

O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.

E se soubessem, dariam flor?

Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.

O nosso mundo é este….

( Mas há-de ser outro.)

~~~~

         Jornada

Não fiques para trás oh companheiro
É de aço esta fúria que nos leva
Para não te perderes no nevoeiro
Segue os nossos corações na treva.

Vozes ao alto, vozes ao alto
Unidos como os dedos da mão
Havemos de chegar ao fim da estrada
Ao sol desta canção.

Aqueles que se percam no caminho
Que importa? Chegarão no nosso brado
Porque nenhum de nós anda sózinho
E até mortos vão a nosso lado.

~~~~~~~~~~
SONÂMBULO - XIV



Dói-me a boca de silêncio
e vou gritar!
- nesta noite de lua mole
a dobrar-se nos telhados
inertes de bafio...

Dói-me a boca de silêncio
e vou gritar!

- Atirar para a ferrugem do vento
da noite desmantelada
um desafio de acordar o mundo
nas janelas de súbito acesas
- com milhões de vozes
esvaídas num clamor para além do sufocar das pedras!

Dói-me a boca de silêncio
e vou gritar!
Gritar,ouviram?

Gritar esta alegria de não sentir ainda terra na boca!
Gritar esta Labareda, enfim fora dos olhos!

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AREIA: XXVII
...
Entra, realidade, entra
com pés de névoa
na minha combustão do desalinho...
...
Entrem, árvores.
Entrem, pedras.
Entrem, fragas.
Entrem, sóis.
...
Entrem, entrem nesse cadinho de nuvens
onde tudo se transforma
em alma que começa...
...
(...para amanhã ter a ilusão
de que o mundo é um sonho sem forma
a sair-me da cabeça.)
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O AMOR QUE SINTO

O amor que sinto
é um labirinto.

Nele me perdi
com o coração
cheio de ter fome
do mundo e de ti
(sabes o teu nome),
sombra necessária
de um Sol que não vejo,
onde cabe o pária,
a Revolução
e a Reforma Agrária
sonho do Alentejo.
Só assim me pinto
neste Amor que sinto.

Amor que me fere,
chame-se mulher,
onda de veludo,
pátria mal-amada,
chame-se "amar nada"
chame-se "amar tudo".

E porque não minto
sou um labirinto.

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Poemas em Imagem
de Helena Maria, é um blog cativante e gostoso de ver e merece ser visitado
http://poemasemimgem.blogspot.pt/


Dele foram retirados os seguintes poemas






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