sábado, 18 de maio de 2019

Lídia Borges - Coisa

* Lídia Borges


Havia um linguista consagrado,
na rua onde morava,
que abominava a palavra “coisa”.
Dizia cada coisa da palavra coisa!
Dizia, por exemplo, que “coisa”
designa substância e como tal tem nome:
pedra, nuvem, árvore…
Logo a pedra, revoltada…
que, também ela, tem nome:
granito, xisto, ardósia…
e logo o granito ameaçador:
pois que seu apelido, 
e nomes próprios:
amarelo capri, giallo antico, arabesco…
e a nuvem… cirro, cúmulos, nimbus...
e a árvore…

E tão convincente foi a argumentação
que nunca mais a coisa foi coisa,
e passou a ser, quase sempre,
a nomeação exata
do inominável.
Que coisa!...


Lídia Borges
in "Seara de Versos"

Sem comentários: