sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Carla Romualdo - Dignidade

* Carla Romualdo 

As filhas da Dona Graça estavam certas de que a mãe já não tinha idade para dormir com o namorado. “Namorado”. Só o nome que ela lhe dava já lhes parecia ridículo. Uma mulher de 77 anos não tinha namorados. Vê-la de mão dada com ele pela rua era embaraçoso. Parecia-lhes uma manifestação de senilidade, sem dúvida, mas também de bizarria, porque havia algo de animalesco nesses apetites da mãe, e essa animalidade era um vexame para as filhas, ainda que ela parecesse incapaz de entendê-lo. A Mafalda até confessou que sentia a mesma vergonha que a fazia virar a cara quando, em criança, os cães copulavam à porta de casa e era preciso separá-los com um balde de água, mas a Joana achou a comparação excessiva. 

Em qualquer caso, quando a mãe metia o namorado dentro de casa, sem se esconder dos vizinhos, expunha-se a ela, mas também às filhas. Não se daria conta disso, do embaraço que era para elas? Com aquela idade, ainda precisava daquilo? Não tivera tempo suficiente para serenar? Se o pai levava dez anos morto, não fora suficiente para ela se esquecer dessas coisas? E esse homem, também próximo dos 80 anos, só podia ser um depravado que se aproveitava da solidão dela. Era uma situação intolerável, havia que pôr-lhe fim.

Estava já decidido que a Dona Graça seria inscrita num lar de idosos quando a senhora sofreu um AVC que lhe deixou uma incapacidade de 85%. Foi um alívio para as filhas. Agora a mãe já poderia ter um fim de vida digno. 


https://aventar.eu/2020/09/11/dignidade-3/

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