Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
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Manuel Augusto Araújo - Um caminho de trevas
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Ivan Lins - Aos nossos filhos
sábado, 10 de outubro de 2020
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Faludy György - Heart This Poem of Mine
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
Manuel Augusto Araújo - Quino, o outro lado do espelho da Mafalda
quarta-feira, 7 de outubro de 2020
Art Spiegelman desconstroi o livro "Maus" em "Metamaus"
terça-feira, 6 de outubro de 2020
Eduardo Fabregat - Quino foi um criador com um olhar muito aguçado e uma antena sempre bem orientada
Quino, aquele que desenhou todos nós
Dentro e fora da “Mafalda”, Joaquín Salvador Lavado
representou, representa, continuará a representar o estado das coisas no mundo:
por vezes de forma dolorosa, mas sempre com uma humanidade profunda.
por Eduardo Fabregat
Publicado 02/10/2020 20:40 | Editado 03/10/2020 07:34
Não há como verificar se isso realmente aconteceu, mas a
anedota é muito contundente: dizem que quando os nazistas invadiram a casa de
Pablo Picasso em Paris, um oficial perguntou se ele era o autor daquela bagunça
chamada Guernica. “Não, isso foi feito por você”, disse o
pintor.
Diante da visão daquelas vinhetas que cruzam o tempo, que
continuam a nos representar, que continuam a apontar males eternos da
Humanidade, Quino poderia ter dito algo semelhante. Não parece por
acaso que uma de suas “piadas” mais famosas é aquela em que um empregado da
limpeza arruma um quarto inteiro … inclusive Guernica. Dizem
que era um dos favoritos, também é difícil de verificar.
Joaquín Salvador Lavado era cartunista e humorista, é
claro. Mas acima de tudo ele foi um criador com um olhar muito aguçado
e uma antena sempre bem orientada para registrar o mundo em que viveu, e sua
distância brutal do mundo que desejava. O que ele colocava diante dos
olhos de quem queria ousar ver era o que ele fazia e era o que os vários
componentes da sociedade faziam. E então, como muitos males neste planeta
tendem a sobreviver ao invés de curar, seu trabalho é eterno. O que
foi feito há 40, 50, 20 anos ressoa com o mesmo poder hoje. O único
anacronismo é a tecnologia ou os trajes que retrata. No resto, tudo
continua igual.
É por isso que é tão difícil dizer a notícia e começar a
falar no pretérito. Quino morreu e, quase ao meio-dia do último dia
de setembro, ouviu-se o som de milhões de corações se apertando de
tristeza. Só por tolice podemos negar o que Quino e as suas criaturas –
que não são apenas Mafalda e os seus amigos e pais – significam para os
habitantes deste país. Muitas vezes o “artista popular” se identifica mais
com a figura do intérprete, desde a música, performance, seja o que
for. Mas Quino, um homem curvado sobre uma placa para retratar o
mundo, foi, é, um artista extremamente popular.
Essa popularidade, aquela sintonia imediata com o leitor,
começou em um campo curioso, o da mesma publicidade para a qual dirigiu mais de
um dardo em sua obra. Há provas abundantes de que para Quino Mafalda foi
apenas uma etapa da sua vida, a tal ponto que decidiu acabar com ela
quando mais de um continuaria a extrair o sumo. Já estava tudo
dito, ele raciocinou. Para Quino, a vinheta única ou em algumas
pinturas muitas vezes mudas era um universo muito mais rico, cheio de
possibilidades, em que podia retratar diretamente coisas que também
estavam em Mafalda , mas com o verniz de modos daquele
universo infantil.
Claro, eles não eram crianças quaisquer, e também havia
uma pintura da Humanidade. As preocupações de Mafalda encontraram paredes
de repercussão perfeitas no estabelecimento – adorável, mas estabelecimento
ainda assim – representado por Manolito e Susanita, que expressaram o
capitalismo de uma forma adocicada, mas às vezes brutal. Libertad e
Guille eram a anarquia feliz, o chamado para quebrar o sistema, um da
selvageria de uma criança pequena e nada complacente e o outro de uma formação
onde uma mãe solteira e militante era vislumbrada. Felipe era um
pouco de todos nós, ou aquela faceta de nós que às vezes homenageia Bartleby, o
garoto indolente que chutava as coisas com uma culpa moderada. Miguelito,
aquele com as alfaces na cabeça, talvez o mais filho de todos, inocência e
devaneio permanente. Mafalda, fã dos Beatles e inimiga da cruzada da
sopa, um pequeno demônio versado em política nacional (“O pau para
dentar ideologias?”) E as convulsões internacionais, coalharam o
panorama interagindo com eles e com a própria descrença. No quarteirão, na
praça, na escola, nas modestas salas de classe média de seus
personagens, Quino já representava o mundo .
Mas embora o mundo cruel e às vezes inexplicável aparecesse
em seus filhos, o homem de Mendoza nunca foi um niilista. A profunda
humanidade de Quino fez de Mafalda uma tira tão popular,
pois o cartunista também observava com carinho e compreensão as
únicas pessoas mais velhas que apareciam regularmente – os sofredores pais
de Mafalda . Se Susanita só estava interessada em se casar e ser uma
dona de casa com lindos bebês, Raquel, A mãe de Mafalda, era uma lembrança
da prisão em casa e dos sonhos frustrados, e a mãe invisível de Libertad um
sinal de que havia um caminho feminista. O pai era uma concentração do
porteño médio, vinculado a um trabalho de escritório que lhe permitia aqueles
modestos quinze dias de praia, com o humilde sonho de chegar ao Citroen
3CV. Em todas essas criaturas, na doçura com que retratava seus desejos,
suas misérias e obsessões, fica claro o quanto o homem com o bico as amava.
E porque os amava tanto, um dia decidiu despedir-se deles.
Fonte: Pagina12
segunda-feira, 5 de outubro de 2020
Akemi Nitahara - Estudantes produzem dicionário biográfico Excluídos da História
O dicionário biográfico Excluídos da História foi feito pelos estudantes que participaram da quinta fase da Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB), iniciativa criada em 2009 pela Unicamp
por Akemi Nitahara
Publicado 04/10/2020 18:40
Do cacique Tibiriçá, nascido antes de 1500 e batizado pelos
jesuas como Martim Afonso de Sousa, que teve papel importante na fundação da
cidade de São Paulo a Jackson Viana de Paula dos Santos, jovem escritor nascido
em Rio Branco (AC) no ano 2000, fundador da Academia Juvenil de Letras e
representante da região norte na Brazil Conference, em Harvard.
Essas são as duas pontas de uma linha do tempo que
busca contar a história de importantes personagens brasileiros que estão fora
dos livros oficiais, num total de 2.251 verbetes, publicados
agora como dicionário biográfico Excluídos da História.
O trabalho foi feito pelos 6.753 estudantes que participaram
da quinta fase da Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB) do ano
passado, entre os dias 3 e 8 de junho de 2019, divididos em equipes
de três participantes cada.
A olimpíada foi criada em 2009 pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e reúne atualmente mais de 70 mil estudantes dos ensinos
fundamental e médio em uma maratona de busca pelo conhecimento em história do
Brasil. A competição tem cinco fases online, com duração de uma semana cada, e
uma prova para os finalistas das equipes mais bem pontuadas para definir os
medalhistas.
Começou com samba
A coordenadora da Olimpíada Nacional em História do Brasil,
Cristina Meneguello, explica que a história do dicionário começou a partir
do samba enredo da Estação Primeira de Mangueira, escola campeã do carnaval
carioca no ano passado, que levou para a Sapucaí o enredo História para Ninar Gente Grande.
Os versos abriram alas para os “heróis de barracões” com
“versos que o livro apagou” para contar “a história que a história não conta” e
mostrar “um país que não está no retrato” e o “avesso do mesmo
lugar”. Versos que caíram no gosto popular antes mesmo do desfile oficial,
sendo tocado em blocos de rua e rodas de samba pela cidade.
Segundo Cristina, a discussão sobre os excluídos da
história foi intensa entre os historiadores depois do carnaval no ano passado e
o tema permeou toda a competição, que começou no dia 6 de maio.
“Logo na primeira fase da prova a gente fez uma pergunta
usando o próprio samba enredo da Mangueira. A gente usa documentos variados,
letra de música, propaganda, documentos históricos mais clássicos, imagens,
etc. A gente já tinha definido que esse seria o tema da tarefa deles para
a quinta fase e fomos colocando as perguntas para eles irem
entendendo o tema desde a primeira fase”, lembra.
Cristina
Meneguello é professora da Unicamp e coordenadora da Olimpíada Nacional em
História do Brasil
De acordo com a professora, originalmente não havia a
intenção de se publicar o material produzido pelos estudantes. Porém, diante da
riqueza e diversidade das pesquisas apresentadas, a coordenação decidiu
compartilhar o material com professores, estudantes e todos os interessados,
disponibilizando o conteúdo online.
“A gente já sabia que ia ficar uma tarefa muito boa, porque
esse conhecimento que eles produzem a partir da escola é sempre muito
surpreendente. Mas teve uma série de fatores. O primeiro foi que realmente
ficou muito bom o trabalho realizado pelos participantes. Depois, o template
que foi criado, com essas quatro páginas como se fosse de um livro didático,
ficou um design muito bom e ganhou a medalha de prata no Brasil Design
Award no ano passado, como design de sistema educativo”.
Personagens desconhecidos
A escolha do personagem era livre para os estudantes, dentro
do critério de ser importante para a história do Brasil e não ser lembrado nos
livros didáticos. Cristina diz que o resultado surpreendeu a
organização, com verbetes sobre pessoas com importância
local e regional, inclusive muitos ainda vivos, mostrando que os
participantes entenderam que a história é construída continuamente por
personagens diversos, inclusive os que não são apontados pelos historiadores.
“Superou nossa expectativa. Nós observamos que
esses personagens desconhecidos são personagens negros, são mulheres
importantes para a história do Brasil, são mulheres negras, são líderes locais.
Muitos fizeram o verbete de pessoas que estão vivas. São líderes indígenas,
pessoas perseguidas na ditadura militar, professores que foram censurados na
ditadura militar. Temos de personagens do Brasil colônia até pessoas que estão
vivas nesses verbetes”.
Alguns personagens foram lembrados por mais de um grupo,
portanto, há verbetes repetidos no dicionário, mas que trazem abordagens
diferentes sobre a mesma pessoa.
Mercedes Baptista
O grupo da estudante Juliana Kreitlon Pereira foi
um dos dois que escreveram sobre Mercedes Baptista, a primeira bailarina negra do Theatro
Municipal do Rio de Janeiro.
A sugestão da personagem foi feita por Juliana, que estava
no último ano da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa e conheceu a história
de Mercedes Baptista pelo professor de História da Dança Paulo
Melgaço, semanas antes do desafio da olimpíada.
“A Mercedes sempre fez questão de trazer a dança
brasileira para os palcos. Foi uma das coisas que mais me chamou
atenção. Ela trabalhou com a Katherine Dunham, uma pesquisadora de
movimento e coreógrafa dos Estados Unidos. A Mercedes viu o quanto a gente
precisava desse tipo de estudo no Brasil também. Ela recorreu a vários
movimentos culturais, coisas que já ocorriam no Brasil mas não
tinham holofote. E ela sempre quis trazer bastante atenção para isso”.
Falecida em 2014, Mercedes teve sua estátua inaugurada em
2016 no Largo da Prainha, no circuito Pequena África da zona portuária do
Rio de Janeiro.
Juliana se diz muito feliz com a publicação do dicionário
online. “Eu não sabia que seria publicado. A gente se esforçou
tanto, eu li o livro dela inteiro, até porque era muito interessante. Pensei,
poxa, não vai acontecer nada. Quando foi publicado eu fiquei muito feliz porque
mais pessoas poderiam conhecer essa bailarina”.
Já a equipe do estudante Lucas do Herval Costa
Teles de Menezes decidiu escrever sobre um personagem que representasse o
Rio de Janeiro e estivesse presente no cotidiano, mas que as pessoas
não percebessem. Um personagem que não tivesse sido completamente apagado da
história. O escolhido tem um feriado municipal em sua homenagem em Niterói e dá
nome à estação das barcas que chegam do Rio de Janeiro e à praça em
frente a ela, onde tem uma estátua: o indígena temiminó Araribóia.
Estátua homenageia o índio Araribóia em Niteroi
“Eu achei interessante a dinâmica que o personagem teve com
os povos estrangeiros, no caso, os portugueses e os franceses. Porque,
geralmente, quando a gente aprende sobre a relação dos povos indígenas e os
povos europeus invasores, a gente não pensa muito em identificar esses povos
indígenas, nunca aprende sobre a história individual de uma figura indígena. Eu
achei que ele teve uma história individual muito interessante, foi uma figura
de liderança, teve muito envolvimento em mais de uma narrativa política daquela
época, e isso me chamou atenção.”
O grupo de Lucas foi o único a lembrar de Araribóia,
conhecido como fundador de Niterói e figura fundamental na disputa entre
portugueses e franceses que levou à expulsão destes.
Olímpiada
A Olimpíada Nacional em História do Brasil permite a
participação de equipes de três estudantes de 8º e 9º anos do ensino
fundamental e todos os anos do ensino médio, com a orientação de um professor
ou uma professora, de escolas públicas e particulares.
Diferentemente da maioria das olimpíadas científicas, a ONHB
estimula a busca pelo conhecimento em história, e não avaliar o que o estudante
já sabe por meio de uma prova.
“É um sistema de aprendizagem participar de olimpíadas. Ela
é muito exigente e não quer aferir se os estudantes já sabem, ela dá tempo para
eles estudarem, perguntam para o professor, perguntam uns para os
outros. Tem uma pergunta de uma coisa que ele nunca ouviu falar, não viu
na escola. Mas do lado tem um texto, ele lê, se informa, pesquisa na internet e
volta para responder. Nesse processo ele aprendeu história. Eu não estou muito
interessada se ele já sabia, mas se ele aprendeu naquele momento, o nosso
objetivo pedagógico é esse”, afirma Cristina Meneguello.
A primeira edição da ONHB, em 2009, contou com 15 mil
participantes. No ano passado, o número chegou a 73 mil. Por causa da pandemia
de covid-19, a competição deste ano será online, não havendo a prova presencial
para os finalistas que normalmente é aplicada na Unicamp.
https://vermelho.org.br/2020/10/04/estudantes-produzem-dicionario-biografico-excluidos-da-historia/