Música Livre - Esta música é dedicada a todos os Sadines, aos por cá e aos espalhados pelo mundo. Não se deixem desmotivar pelas chapadas da rotina, a vida é nossa. Obrigado a todos os que ajudaram a fazer o video. Saude, familia, amizade, amor e barriga cheia para todos. Instrumental - Spot Letra - Xoto (rapper setubalense ) Video - Luís Malaia
[Verso 1]
Setubalense
Carrego na alma uma garra uma raiva amarrada a uma corrente irreverente dum rio azul
Cresci a correr nu pela praia da Tróia, que saudades..
Meu refúgio, meu casulo..azul..
Areia fina, tarde em família
Falar na bola deriva que adoptei o grande amor da minha vida
Ri, corri, chorei e cai de bina
Comi o que pesquei c'a cana do meu avô
Explorei dunas, observei luas, apanhei navalhas e conquilhas
Foi o meu pai que me ensinou
Esquilhas no assador
Terra de pescadores
Gente humilde, gente simples, gente boa, bons valores
Poucos ricos, muitos trabalhadores
Poucos mimos, muitos mais malandros e sonhadores
Certinhos aqui, não pagam renda
Cada bairro cada lenda
[?] multibancos, bancos, carrinhas da Prosegur
Não te enganes, aqui os gangs têm guns
Obra não para a conta do Jumbo
Margem Sul é um deserto e aqui a bófia aqui anda de camelo atrás de DTRs e Fiat Unos
Setúbal, Cidade Rebelde!
As nossas paredes gritam aquilo que nos apetece
Adoro andar p'as ruas da minha cidade a ver tudo o que é parede a abarrotar de graffs
Mas sinceramente ultimamente dá muito mais vontade de girar pá' arrancar posters do PNR
A rua é de quem usa não é das varejas atrevidas
Pousam na CMS, amo esta cidade!
E nesta ansiedade não é a festa que me satisfaz e me faz acalmar
É a serra é o Sado
É uma sesta cheia de sal, moura
É 'tar em frente à pedra da Anicha com muito amor
A misturar o luar com sexo à beira mar
Com sexo aproveitar o verso
Em cada voar de conversa a deslizar pelo universo
Confesso que hei-de levar uma becs deste lugar para onde quer que eu viajar
Sei que Setúbal hei-de amar e posso contar com o verso
[Refrão]
Onde é que existe um rio azul igual ao meu?
Onde bué'da dias têm a mesma cor do céu
A sonhar alto libertei a minha Arrábida
Senti no rosto uma lágrima que me escorreu
[Verso 2]
Eu fui criado no Sado
Setúbal cidade de poetas
Rimo Sado com peixe assado, levo a cidade nas veias!
Veias salgadas e cheias de cheiro a amêijoa da caldeira
A tinta que me sai da caneta cheira a sardinhas da praça
Setubalense pa' sempre
Setúbal mentes diferentes
Se tu não sentes não tentes
Se fumas menos entendes
Ardam escolas de hotelaria, servir ricos não é pa' nós
Abram escolas de charroco, o meu povo não quer resorts
Os nossos filhos só verão a Tróia dos seus avós em fotos
A bulir pa' Belmiros nem no verão encherão os vossos bolsos
Maior bode é o preço do ferryboat
Ápá sóce, não te sentes um ganda bobo?
Querem-nos ver longe de lá e não sabem como
Eu dizia-lhes onde é que eu lhes enfiava os tacos de golfe
Revolta-me ver a Arrábida esburacada por uma fábrica de cimento
A fazer publicidade que sustentam a biodiversidade
A apoiar colectividades (para acalmar e calar a cidade)
Não inventem
Toda a gente vê aquele buraco à frente men..
Qualquer dia eu...
Faço uma loucura, o meu coração não se segura
Com uma escura visão mergulha em escuridão insegura
Cuidado, ele procura desculpas
Farto...
De observar abutres a rodear a minha linda cidade
[Refrão]
Onde é que existe um rio azul igual ao meu?
Onde bué'da dias têm a mesma cor do céu
A sonhar alto libertei a minha Arrábida
Senti no rosto uma lágrima que me escorreu
[Outro]
Onde é que existe uma cidade igual à minha?
Assim genuína inspira-me em cada esquina
[?] em cada esquina, em cada praia
Dos Special Ones, desde o Viso à Bela Vista, do Miradouro ao Liceu
Deixem-me contar, de forma sucinta, as primeiras cinquenta páginas de um livro que estou a ler.
"A Lã e a Neve", do Ferreira de Castro, um "romance proletário" passado na Covilhã - , teve a sua primeira edição em 1947, durante a II Grande Guerra, e lê-lo hoje é uma máquina do tempo: pelo que descreve, pela linguagem usada, pelos sentimentos contidos, pelos personagens que nos ressoam a familiares distantes e - é aí que eu quero chegar! - pela desigualdade social tão fortemente hierarquizada e pelo consequente desamparo em que as pessoas viviam.
Um desamparo a que nos arriscamos a viver cada vez mais, caso as arcaicas e interesseiras teses liberais se reforcem - ainda mais! - no país. A história começa asssim:
O jovem Horácio volta alegre a casa, a uma aldeia de Manteigas, depois de ter feito a tropa. E vem cheio de ideias. Viu Lisboa e o Estoril, as casas, os jardins, a limpeza das ruas e não lhe agradam mais como se vive na sua terra. O escritor é exímio:
Casas "negregosas, velhentas, colavam-se umas às outras, com a parte inferior de granito escurecido pelo tempo e a parte cimeira com folhas de zinco enferrujadas a revestirem as paredes de taipa, mais baratas do que as de pedra. Este e aquele casebre exibiam apodrecidas varandas de madeira e outros, mais raros, umas escadas exteriores, coroadas por um patamarzito quadrado, logradoiro do mulheredo nas horas do paleio com as vizinhas".
Horácio tenta convencer a noiva Idalina a adiar o casamento para que possam viver o seu sonho. Quer deixar o pastoreio que lhe rende pouco e que o faz estar meses afastado, sozinho pela serra de neve, com os animais. Quer fazer-se empregar numa fábrica de lanifícios da Covilhã para ganhar mais e conseguir juntar dinheiro para terem uma casa, limpa, com quintal, onde possam crescer os filhos saudáveis. Mas Idalina tem medo que o casamento se adie para sempre. Não vê como vai ele arranjar esse dinheiro. Horácio insiste e acha que convenceu a Idalina. Mas o sonho mal limado esbarra em obstáculos.
Fala com o padre, pede-lhe ajuda, mas as fábricas não estão a abrir as portas. Horácio já tem mais de 20 anos e ser aprendiz não é tarefa de mancebo. Além do mais, as fábricas estão limitadas a contratar até 20% de aprendizes. Está tudo cheio. Sai acabrunhado. Encontra o seu parceiro que o deixa pensativo. Ele não trocaria a liberdade pela fábrica, fechado no fio das horas, sem fim. Mas na arte de pastoreio também não se faz fortuna. Rebanhos próprios pouco se aguentam. É uma dor de alma, mas tem de se vender ovelhas para comprar cabras que tudo comem.
Horácio vai à Covilhã que já a sente comesinha face a Lisboa, e a sua esperança esvazia-se. A mesma história das fábricas sem empregos. Horácio amaldiçoa a escolha para padrinho feita pelos pais. Outro galo cantaria se fosse aquele outro com os seus terrenos comprados aos camponeses em dificuldades e que montou em toda a região fábricas cheias de operários, onde os seus apadrinhados têm sempre lugar porque quando há greves, os apadrinhados não alinham. Tudo lhe parece afundar-se. E se isso não bastasse, os pais estão contra o seu sonho. Lá muito a custo contam-lhe porquê.
Na sua ausência, o pai adoeceu e tiveram de pedir dinheiro emprestado para o tratar. Não conseguiram hipotecar a propriedade. E a última pessoa a quem pediram foi ao patrão do Horácio, o dono dos rebanhos, a quem garantiram que o que ele ganhasse era para pagar a dívida contraída. Horácio vê-se assim obrigado a ter de trabalhar sem ganhar. O pai ainda lhe propõe que se venda a pequena courela que os pais tinham: "Assim como assim, era para ti". Horácio não aceita. Mas fica a roer-se. E nada pode dizer por causa desse segredo dos pais. Quer contar a Idalina, mas não pode.
Idalina faz perguntas, mas a medo. Fica triste, em silêncio. Conta aos pais que intervêm, como se o rapaz quisesse esquecer o casório. Filho e pais prometem que nada se altera, sem explicar o que se passa. Mesmo tendo estado longe de Idalina durante todo o tempo da tropa, Horácio decide regressar quanto antes ao pastoreio. Quanto mais cedo pagar a dívida, melhor.
Veste o seu capote de pastor, assobia ao cão que vem todo feliz ter com ele. A felicidade do cão agredi-o e Horácio atira-lhe uma pedra à pata que o deixa a mancar. Nunca mais o cão saltará feliz à sua frente. Horácio vai ter com a Idalina ao campo onde ela está a sachar. É uma cena de filme.
Ela triste porque mal esteve com ele e ele a justificar-se que quer acabar com a dependência do seu patrão, desejoso de lhe dizer o que vai na alma, mas não lhe sai. E o tempo silencioso, de poucas palavras, marcado pelo som ritmado das enxadas na terra, como um relógio a empurrar o encontro para o fim porque ela foi contratada para sachar e não para estar ali a conversar. Ele afasta-se com o cão para meses de invernia.
O que ressalta desta história? Para mim, a ausência do papel interventivo do Estado.
Um Estado capaz de conceder a justiça social onde reina a primária desigualdade, o regime imperial de classe que advém do domínio da propriedade e da propriedade dos instrumentos de produção. Os pais de Horácio teriam tido uma assistência médica universal e - mesmo que fosse! - "tendencialmente gratuita", paga pelos impostos que incidiriam sobre quem mais tem, e não precisariam de se endividar ou de aprisionar o futuro do seu filho, obrigado agora a trabalhar sem nada receber para si, para pagar uma dívida estúpida. Pugnar hoje pela redução da "carga fiscal", cheira a pedir a desobrigação por parte dos mais ricos de contribuir em prol dos mais pobres. Um regresso à selvajaria.
Para ter um emprego do seu agrado, os trabalhadores pobres não teriam de esperar reverencialmente pelo apoio impotente do padre da aldeia ou do beneplácito interesseiro dos padrinhos da terra, nem ter de condicionar a sua opinião ao emprego garantido pelos padrinhos. Hoje, os trabalhadores inscrevem-se em agências de trabalho temporário ou em plataformas que os transformam em trabalhadores por conta própria, isolados, trabalhadores desmaterializados, erxplorados até ao tutano, a pensar que estão sozinhos na sua vida. Os serviços públicos de emprego foram privatizados e os empregos deixados ao abandono por uma autoridade pública de regulação ou mesmo judicial que deixam que a lei que não seja aplicada (consultar o Código de Trabalho a partir do artigo 139º sobre as modalidades de contrato de trabalho).
Resta esperar que os representantes do Estado de hoje saibam governar no sentido de impedir que a vida de trabalho não seja uma vida de pobreza e que haja empregos para quem queira trabalhar (no 4º trimestre de 2021, a taxa de subutilização do trabalho ainda rondava os 12%) e ter uma vida que possa garantir uma casa condigna, mesmo que a referência ainda seja a ilusória zona senhorial do Estoril, já reconstruída e reforçada por todos os donos que fingem hoje nada se lembrar do passado em que foram reis de todos, ao mesmo tempo que apoiam a liberdade sem intervenção do Estado, como se fosse uma moda moderna.
— Em nome de Sua Excelência o General Comandante-Chefe das Foças Armadas em Angola, os meus sentidos pêsames! Um bravo que, no campo da honra, tombou ao serviço da Pátria!...
Estas dolorosas missões de condolências às famílias -- impostas ao oficial mais 'moderno' – eram limitadas, porém, a funerais de militares da Província, pois os caixões dos outros eram simplesmente armazenados no Cemitério da Estrada de Catete, aguardando embarque para a Metrópole...
«Menina dos olhos tristes / O que tanto a faz chorar? / O soldadinho não volta / Do outro lado do mar»…
A vida não lhe corria de feição desde que – naquela manhã de 4 de agosto de 1970 – chegara à cidade a que Paulo Dias de Novais dera, em 1575, o nome de São Paulo da Assunção de Luanda. Terra aquela já calcorreada pelos portugueses desde que – 90 anos antes – Diogo Cão por ali andara, a plantar padrões das quinas de Portugal.
Diretamente do Vera Cruz, um jeep levou-o para o Grafanil. Mas ele – com os distúrbios com que, toda a noite, os presos de Elvas viraram do avesso o quartel – mal pregara olho quando um furriel, muito aflito, o despertou para o acompanhar ao Quartel-General do Exército.
De facto, desde matinas que o procuravam para entrar de 'oficial-de-dia'. Ora – como lhe haviam dito que a sua especialidade não fazia serviços – ele nem sequer camuflado levara. Porém, logo ali o 'desenrascaram' e o capitão, que ia render, foi tão camarada que nem chegou a 'participar' dele. Pior foi quando lhe passou o serviço – em não mais de cinco minutos – chamando a atenção para os espaços que deviam ser neutralizados pelo fogo, caso viesse o edifício a ser atacado. Mas que não se preocupasse que tudo estava bem claro nas NEPs-Normas de Execução Permanente que lhe entregava. Brochadas como grossas listas telefónicas, sobrepostas bem perfariam um metro de altura.
Desistiu às tantas de tão cativante leitura que, a bom ritmo, daria para meses. Durante o dia não se registaram ocorrências de monta. Mas, pelas quatro da madrugada, uma mensagem solicitava o envio de quatro caixões que deveriam seguir, por via aérea, para o Leste. Foi o 'oficial de prevenção' que lhe valeu em tal circunstância e a macabra encomenda lá seguiu conforme as NEPs.
De manhã – rendido no posto que tanta angústia lhe causara – recebeu 'guia-de-marcha' para o Comando-Chefe, na Fortaleza de São Miguel. Na secretaria, disseram-lhe que fosse almoçar pois o Coronel Chefe da 5.ª Secção só o receberia da parte da tarde. Porém, mal saído para a parada – dependurado de um 'português suave' – bate pala a um militar com uns vermelhos nos ombros que ele tomou por 'cabo readmitido'.
Realmente – por não ir à bola com a tropa e, por motivo de altura andar sempre na cauda do pelotão – ele nunca aprendera a acertar passo nas formaturas nem a identificar os postos militares. Assim, não é que o raio do brigadeiro o queria logo mandar prender por desrespeito! Valeu-lhe ter surgido Costa Gomes que interrompeu a cena, pedindo ao tal oficial general que o acompanhasse ao almoço. E ordenou ali mesmo ao alferes que se apresentasse de tarde no seu gabinete.
Agora, sozinho, em mesa do mesmo restaurante – de toalha branca reservado aos 'senhores oficiais e famílias' e onde a refeição custava 40 paus – dizia mal da vida desde que às pressas arrancara da Figueira da Foz, na véspera de São Tomé.
Naquela mesma tarde – pago de T/V e abonado de R/R para 𝓧 dias (T/V, 'todos os vencimentos'; R/R, 'ração de reserva') – recebeu no Comando-Chefe a missão de ir aos Dembos proclamar, a todo um batalhão, a importância económica e social das vias de comunicação que o destacamento de engenharia – a que o batalhão de caçadores dava proteção – rompia por aquelas inóspitas matas.
Matas que, durante séculos, se rebelaram sempre hostis ao Império.B