quarta-feira, 19 de julho de 2023

João L. Maio - O estranho fenómeno da twitterização da vida e do desfasamento das novas gerações

 * Jão L. Maio 
07/07/2023 

Dizem que são “luxury lovers”, ouvem podcasts sobre economia onde jovens brancos mimados que não entendem um cu de economia debitam alarvidades, nunca abriram um livro nem sabem o que é um “relatório” ou uma “ficha técnica”, rejeitam todo e qualquer meio de comunicação tradicional com a premissa de que é tudo “um lixo”, mas adoram youtubers e tiktokers com discursos vazios de “auto-ajuda” e acham que o MaisLiberdade é o pináculo da “literacia financeira” e da independência (spoiler alert: há gráficos para tudo, consoante o que se quiser mostrar e não, não é independente, é da IL) e que o Ventura até diz as verdades (spoiler alert: um relógio parado está certo duas vezes por dia). Acham que comportamentos racistas, xenófobos ou homofóbicos são mera “liberdade de expressão”, e exercem-na no Twitter ou no Facebook, porque nunca leram a Constituição para perceberem que tais actos são crime, não opinião e que liberdade de expressão é outra coisa.

Admiram o Elon Musk de cada vez que este se peida, acham que o Raul Minh’Alma é o melhor escritor português e o Cristiano Ronaldo é o role-model das suas vidas, consomem Prozis porque vão ficar muito bombados (e assim sempre estão na moda), acham que são os impostos o grande flagelo das sociedades, acreditam piamente que uma taxa plana de 15% num ordenado de 1000€ os vai deixar milionários, são contra taxar as grandes fortunas mas ganham menos de 1000€/mês… e vivem num T1 em Gueifões pelo qual pagam quase um ordenado mínimo, compram na Zara e conduzem um Ford Focus…

Não admira que a Iniciativa Liberal tenha tantos bots que a apoiem, quando vende a política como se de um sonho se tratasse, achando que riqueza é mero sinal exterior de quem “lutou muito para lá chegar”, mas depois quem tem de levar com um barbeiro que cobra 8€ por corte e que paga 600€/mês pelo arrendamento de um espaço comercial, mas que acha que vai ser milionário a trabalhar, na caixa de comentários de um qualquer jornal português sou eu.

Dito isto, como não ser a favor de que os putos fiquem sem telemóveis e internet em certos períodos do dia enquanto estão na escola? Sou todo a favor, pois foi muito por essa loucura que é o “se está na internet, é porque é verdade”, que muitos miúdos, hoje já com 18/19/20 anos, acham que a internet, por si só, é o garante do “livrai-nos de todo o mal, amém” que salva as almas “rebanho”, sem se aperceberem, eles mesmos, que tudo o que admiram os torna em ovelhas de um rebanho que não questiona e que aceita passivamente que a classe mais alta vá vencendo a luta com a sua conivência. Isto, numa época em que seria importante incutir nas novas gerações o valor da memória, da cultura, das várias teorias económicas para lá do estudo neo-liberal que é impingido nas faculdades de economia… e, sobretudo, da empatia.

O capitalismo selvagem, a mão invisível que todos vemos actuar, as redes sociais como substitutas da vida activa: há que parar para reflectir se estamos a ir no caminho certo. Até porque, hoje, entrar numa rede social é atrevermo-nos a ler os pensamentos que, outrora, julgávamos que, quem os tinha, os guardasse para si porque deles se envergonhava. O que o capitalismo sem trela produz não é riqueza, mas ricos. Ou gente de classe média-baixa que se acha rica. E muita, mas muita (muita mesmo) mediocridade, alienando as massas com festivais, vales de desconto, jornadas mundiais da juventude… num mundo onde, cada vez mais, estamos todos numa discoteca duvidosa com o David Guetta a tocar muito alto, todos muito bem produzidos, achando que somos únicos e especiais.

É tempo de parar para pensar.

https://aventar.eu/2023/07/07/o-estranho-fenomeno-da-twitterizacao-da-vida-e-do-desfasamento-das-novas-geracoes/

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