quinta-feira, 19 de março de 2009

O POETA NO CAFÉ DE PROVÍNCIA - Saul Dias

O POETA NO CAFÉ DE PROVÍNCIA

O poeta dormita ao fundo do café,

um pobre café de província.

Envelhecido,

os cabelos grisalhos

pendem-lhe sobre os olhos

que se fecham

a essa hora adiantada da noite.





No entanto,

os seus olhos

descortinam, lá longe,

uma paisagem

tão diferente daquilo que o rodeia!...





É abril!

Pequeninos ramos,

viçosos,

espreitam pelos muros.





Corre um ventinho ligeiro,

alvoroçando as ervas dos caminhos.

E os pássaros,

os eternos cantores

dos jardins, das florestas,

ensaiam

complicados motivos...





Corre um ventinho ligeiro,

bem diferente do vento dessa noite,

a hora em que o criado

corre os taipais do café,

olhando de soslaio o freguês retardatário, sonolento...





II

Um fogacho, um lampejo

vale a pena provocá-los?

vale a pena estender os lábios para um beijo

inútil, que não gera?

Vale a pena estar à espera

não se sabe de quê,

sentindo frio, frio? ...





A mesa do café

o poeta escreve versos,

versos desmesuradamente compridos,

desmesuradamente sentidos,

estilísticamente certos ou incertos,

com rima ou sem rima (tanto faz ...)





— Eh, rapaz!

Um cálice de absinto

para imitar Verlaine e os poetas malditos.





(Mas cautelosamente...

Aqui não se toleram mitos!

Há ladrões! Fechem as casas!)





E a monotonia a armar o andaime...





— Vá, asas,

élitros

de insetos, pássaros ou anjos,

esvoaçai,

palpitai,

acordai-me!

SAUL DIAS
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Enviado por Moranguinho Pereira (hi5)
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