* Nuno Pacheco
O acordo ortográfico é bastante estúpido, mas quem decide aplicá-lo às
cegas ainda é pior. Exemplo: um Baptista registado há décadas, agora passa
compulsivamente a “Batista”.
25 de
Abril de 2019, 7:30
O 25 de Abril, que hoje
faz precisamente 45 anos, tem andado a subir e descer “escadas” contra vontade.
Ora surge com minúscula, ora com maiúscula. Há gente muito abrilesca a
rebaixar-lhe o A e gente menos dada a cravos a deixá-lo com a dimensão
original. Não se entende nem se entendem. Porquê? Porque, sendo o acordo
ortográfico (que está na origem da tais hesitações e trapalhadas) bastante
estúpido, quem decide aplicá-lo às cegas ainda é pior.
Expliquemo-nos. Na Base
XIX do dito, intitulada “Das Minúsculas e Maiúsculas”, diz-se textualmente que:
“1º) A letra minúscula inicial é usada (…) b) Nos nomes dos dias, meses,
estações do ano: segunda-feira; outubro; primavera.” Logo, abril. Porém, mais
adiante, também se diz isto: “2º) A letra maiúscula inicial é usada: (…) e) Nos
nomes de festas e festividades: Natal, Páscoa, Ramadão, Todos os Santos.” Ora
considerando o dia de hoje como uma festa ou festividade, que o é, tal como o
1.º de Maio, grafemo-lo Abril. O que dá esta bela coisa: hoje, dia 25 de abril,
festeja-se o 25 de Abril. Daqui a uma semana, no dia 1 de maio, festeja-se o
1.º de Maio. Por mais disparatado que isto pareça, e é, trata-se do que dispõe
o malfadado acordo. Portanto, senhores: é 25 de Abril e 1.º de Maio, combinado?
Despachado o primeiro
tema, vamos ao segundo, bem mais grave. Segundo uma notícia recentíssima do
jornal digital ECO – Economia Online,
parece que andam por aí a mexer nos nomes das pessoas a pretexto do acordo
ortográfico. Imagine-se que alguém tem agora um filho e lhe quer dar o nome de
Victor. Não pode, tem de ser Vítor, mesmo que bata o pé. Porquê? Por causa de
uns idiotas. Mas o caso nem sequer é esse, é bem pior. Leia-se a notícia
do ECO, assinada por Filipe
Paiva Cardoso e datada de 21 de Abril: “Aquando da renovação do cartão cidadão
(CC), ‘um número apreciável’ de cidadãos viram-se obrigados a trocar a grafia
do seu nome para ficar em conformidade com o acordo ortográfico de 1990 pelo
Instituto dos Registos e do Notariado (IRN). Se era Victor, passou Vítor. E se
tinha Baptista no nome, passou a Batista. Num ápice, um Victor Baptista ficou
Vítor Batista.” Claro que houve queixas. Cidadãos indignados recorreram à
Assembleia da República, porque houve Baptistas, Victores e Lourdes que
passaram, num ápice, a Batistas, Vítores e Lurdes. Que sucederia a Alçada
Baptista se fosse vivo? Ou a Baptista-Bastos, que além do P ainda lhe levavam o
hífen? Ou a Maria de Lourdes Pintasilgo, que perderia um U e ganharia um S?
Perante tamanha parvoíce,
o grupo parlamentar do PSD quis indagar o que se passava; e recorreu ao
Ministério da Justiça (que ainda tem cedilha, valha-nos isso). Que resposta
teve? Ainda segundo o ECO, esta:
“O IRN está vinculado a inscrever no Cartão do Cidadão o nome do interessado de
acordo com a grafia que se encontra registada no Assento de Nascimento.” Então
porque sucede o contrário? Aí, a tutela explica que na lei anterior a 2007 (ou
seja, anterior ao malfadado acordo) “a atualização da grafia era obrigatória.”
Era? Não se deu por isso. Nunca soube de nenhum caso. E nem os Baptista que
conheço passaram a Batistas por via burocrática nem Sophia de Mello Breyner
passou a Sofia de Melo Breiner. Que se saiba. Em “compensação”, a pobre Capela
de São João Baptista, ao Chiado, foi pressurosamente “atualizada” para “São
João Batista”. E muitos Baptistas ou Víctores, até em legendas de museu,
perderam consoantes. Isto apesar de um dos papas do acordo, o brasileiro
Evanildo Bechara, ter escrito no jornal O Dia (em 13/11/2011) que “essas exceções [referia-se a
Assumpção ou Drummond] constituem nomes próprios, cuja fidelidade ao
registro oficial sempre foi garantida pelos projetos ortográficos.” Supõe-se que continuaria a ser
garantida neste, não?
E continua mesmo. Porque
na Base XXI do “acordo ortográfico” de 1990 (“Das assinaturas e firmas”) diz-se
claramente: “Para ressalva de direitos, cada qual poderá manter a escrita que,
por costume ou registo legal, adote [sic] na assinatura do seu nome.” O que
dizem a isto os serviços? Nada, continuam a chacina. As consoantes são para
abater, até ordem em contrário. Como as ordens são inexistentes ou flácidas, e
clareza é coisa que nesta área não há nem se pretende que exista, vence a lei
dos idiotas. Imagina-se o diálogo: “O senhor era Victor? Era, já não é, não
pode ser, a lei não permite, agora passa a Vítor.” E se o infeliz tem o azar de
ter apelidos de aparência antiga como D’Orey, Mont’Alverne, Torquato, Uchoa,
Felgueiras ou até Queiroz (que o diga Eça, que já foi “traduzido” para
Queirós), há-de ser bem pior.
Porque mesmo 45 anos
passados sobre o 25 de Abril (com maiúscula, como já se provou) no Dia da
Liberdade ainda há uma ditadura que mexe: a dos idiotas. Vai ser o cabo dos
trabalhos livrarmo-nos dela. Coisa que será bem difícil enquanto não nos
livrarmos do “acordo ortográfico”, esse incentivo ao disparate que alguns (por
erro?) “batizaram” de lei.
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